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Os separatistas catalães voltam às ruas após sentença histórica contra líderes

A decisão ficou longe das demandas do Ministério Público, mas endossa a Advocacia Estatal

Manifestantes protestam contra condenação de líderes separatistas catalães, e bloqueiam acesso do aeroporto de Barcelona.
Manifestantes protestam contra condenação de líderes separatistas catalães, e bloqueiam acesso do aeroporto de Barcelona.
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Quase oito anos de processo separatista na Catalunha, que culminaram em uma declaração de independência fracassada em 2017, resultaram em sentenças de nove a 13 anos de prisão na segunda-feira para seus principais impulsionadores e na reativação da ordem de detenção para o ex-presidente forgido da Justiça espanhola, Carles Puigdemont. O Supremo Tribunal encerrou um dos processos mais complicados que já enfrentou. E fez isso com condenações, sim, mas sobretudo lançando uma acusação profunda contra os dirigentes do movimento, a quem acusa de querer realizar "uma mera quimera" e um "artifício enganoso" que vem condicionando a vida pública espanhola desde 2012.

A resposta do independentismo foi de absoluta rejeição da sentença, mas, pelos canais institucionais, foram evitados apelos à desobediência. Houve protestos a céu aberto nas ruas, especialmente com o bloqueio do aeroporto de Barcelona por milhares de manifestantes. A sentença não atende às expectativas de quase ninguém. Estava longe das reivindicações do promotor, porque o Tribunal não identificou um grau suficiente de violência para apoiar a existência de um crime de rebelião. Obviamente, não satisfez o movimento de independência, que já havia anunciado de antemão que só aceitaria a absolvição dos agora condenados. Por outro lado, está próximo do que a Advocacia Estatal defendeu, ao optar por não acusar os réus de rebelião, sedição e desvio de fundos públicos.

As condenações, de qualquer forma, motivaram importantes protestos de independência nas ruas da Catalunha. O ex-vice-presidente catalão Oriol Junqueras enfrenta a maior pena, de 13 anos, por um crime de sedição (motim) com desvio de fundos públicos. Dos outros oito réus em prisão preventiva, três ex-conselheiros (Raül Romeva, Jordi Turull e Dolors Bassa) foram condenados por sedição e peculato a 12 anos de prisão. Dois outros (Josep Rull e Joaquim Forn) foram absolvidos do crime de peculato, e o tribunal impôs 10 anos e meio de prisão. O ex-presidente do Parlamento Carme Forcadell enfrenta uma sentença de 11 anos e meio por sedição. Por essa mesma ofensa, uma sentença de nove anos foi imposta aos líderes da Assembleia Nacional Catalã e de Òmnium Cultural, Jordi Sànchez e Jordi Cuixart. Os únicos três réus que foram julgados em liberdade (os ex-conselheiros Santi Vila, Carles Mundó e Meritxell Borràs) foram condenados a um ano e oito meses de desqualificação especial e 10 meses de multa com uma taxa diária de 200 euros.

Bloqueio à economia

As convocações de bloqueio à economia espanhola após a sentença condenatória se focaram a partir das 12h de segunda-feira (7h de Brasília) no aeroporto de El Prat de Barcelona, no qual milhares de pessoas foram de diversas maneiras com a intenção de colapsar seus acessos e impedir seu funcionamento normal. Mais de uma centena de voos precisou ser cancelada porque suas tripulações foram incapazes de chegar às instalações, onde os Mossos d’Esquadra e a Polícia Nacional avançaram contra os manifestantes independentistas com a intenção de recuperar os acessos, fechados durante horas por estrada, trem e metrô.

Manifestantes protestam contra condenação de líderes separatistas catalães, e bloqueiam acesso do aeroporto de Barcelona.
Manifestantes protestam contra condenação de líderes separatistas catalães, e bloqueiam acesso do aeroporto de Barcelona.

O auge da tensão ocorreu após às 18h (13h de Brasília). Nesse momento o único objetivo das polícias era desalojar a praça central do aeroporto, que pouco a pouco se encheu de milhares de pessoas que chegaram de trem, metrô e, muitas delas, caminhando de Barcelona. Esse ponto é crucial às comunicações do aeroporto, já que por ali passam os táxis e ônibus que pegam os passageiros que chegam ao Prat. Um grande número deles, às 17h (12h de Brasília), esperava em uma fila de centenas de metros a passagem de um táxi que nunca chegava, até que precisaram procurar uma alternativa.

Depois vieram os avanços dos Mossos pela “forte pressão” dos concentrados e para evitar que “entrassem violentamente” no interior do aeroporto, de acordo com fontes da polícia autonômica (regional). Foram ouvidas sirenes de seus furgões, balas de borracha foram disparadas e foram visíveis os avanços para ganhar espaço aos manifestantes, uma operação criticada por sua brutalidade (pelo menos três jornalistas ficaram feridos) que continuava em andamento. O Sistema de Emergências Médicas (SEM) atendeu durante o dia 56 pessoas, a maioria no Terminal 1, e dez delas foram enviadas ao hospital.

Pela manhã, os cordões de segurança das polícias nacional e autonômica centraram seus esforços em bloquear o acesso ao grande saguão em que se concentram os painéis das empresas aéreas e os controles de segurança, que na segunda-feira amanheceram com uma presença maior da Guarda Civil. A liberação desse ponto crítico permitiu que o funcionamento fosse normal até que o fechamento dos acessos durante horas prejudicou seu funcionamento. A convocação do chamado Tsunami Democràtic, o movimento anônimo — apoiado pelo Govern (Governo Regional) — que organiza as mobilizações contra as sentenças do Supremo Tribunal, acabou surtindo efeito. Empresas como a como Vueling, Iberia e Air Europa precisaram cancelar diversas rotas pelos problemas que suas tripulações encontraram para chegar ao Prat. E alguns passageiros, como o jogador do Barcelona Ivan Rakitic, tiveram problemas para sair do aeroporto pelo bloqueio das estradas. O jogador, meio sorridente, meio contrariado por sua situação, falava com um membro da Polícia Nacional para procurar uma saída à complicação enquanto reconhecia: “A estrada está bloqueada, o que eu posso fazer?”. A situação era parecida para toda a tripulação de um avião da Emirates que acabava de chegar de Dubai. “Não há ônibus”, se limitava a dizer um de seus integrantes após explicar o que acontecia a todo o grupo.

Para entrar na área mais central do aeroporto, policiais e seguranças pediam a todos a passagem aérea e seu documento de identificação. Era um processo lento, que às vezes continuava com uma revista de bagagem. Esse filtro tornou inúteis as passagens falsas que o Tsunami, através da conta do Telegram, enviou a todos os que quiseram ir ao Prat.

Ao meio-dia um cordão policial impediu o acesso de independentistas ao saguão principal do aeroporto. Havia transcorrido pouco tempo desde o pedido do Tsunami à ocupação do aeroporto e as pessoas começavam a chegar em conta-gotas. O segundo ponto de tensão ocorreu na área que conecta a linha 9 do metrô com o aeroporto. Os policiais antidistúrbios criaram um cinturão de segurança que impedia a concentração de avançar. Foi uma área de tensão durante horas e chegaram a ocorrer confrontos quando alguém esvaziou o conteúdo de um extintor no lugar. Nessa região dois turistas enfrentaram independentistas que lhes impediam de passar e outra visitante saiu do tumulto chorando, pela tensão existente no ambiente.

No lugar, o cordão policial foi aos poucos diminuindo, até ser retirado quando a grande concentração já se encontrava no ponto central do aeroporto, que a partir das cinco da tarde se transformou no principal objetivo dos antidistúrbios, que foram separando as pessoas em diferentes turmas. Apesar do pedido de não violência, alguns manifestantes jogaram objetos nos policiais. Outros tentaram evitar ser retirados pela polícia sentando-se no chão, sob uma chuva leve que começou a ficar mais forte de tarde. Nos últimos meses, o independentismo se referiu reiteradamente aos protestos de Hong Kong, onde milhares de pessoas também tentaram colapsar as instalações aeroportuárias.

Os protestos se repetiram por toda a Catalunha, onde pela manhã ocorreram numerosos bloqueios de estradas, entre elas a AP-7. Em Girona, o trem de alta velocidade (AVE) foi interrompido às 14h (9h de Brasília) após ocorrer uma invasão das vias. A circulação foi definitivamente suspensa à espera dos técnicos da ADIF (estatal espanhola de infraestrutura) consertarem os danos causados na infraestrutura pelos objetos queimados nas vias, de acordo com a empresa ferroviária espanhola RENFE. De noite, milhares de pessoas protestaram no centro de Barcelona.

Críticas por apoiar a paralisia do aeroporto

Lorena Roldán, deputada do Cidadãos no Parlamento da Catalunha, criticou uma mensagem do Twitter enviada ao meio-dia de segunda-feira por Sergi Sabrià, porta-voz do ERC. Roldán lhe perguntou se com sua mensagem “estava apoiando o boicote de uma infraestrutura essencial ao Estado”. Sabrià enviou um tuíte que dizia: “Todos em todos os lugares, o tempo todo! Agora o aeroporto e depois às praças!”, informando sobre o objetivo dos membros do Tsunami Democràtic: paralisar o aeroporto.

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