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Governo da Espanha destitui cúpula da Catalunha e abre nova fase na crise

Presidente espanhol pedirá ao Senado a dissolução do Governo catalão e a realização de novas eleições

Manifestantes na Catalunha no último dia 19.
Manifestantes na Catalunha no último dia 19.Sean Gallup (Getty Images)

A crise espanhola entrou em um novo patamar neste sábado, depois de o Governo central estabelecer quais serão as medidas que tomará para intervir na Catalunha, assumindo o poder da comunidade autônoma que no início do mês realizou um referendo independentista considerado ilegal pelo Tribunal Constitucional do país. A decisão é algo inédito na democracia espanhola. Em uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros, o Governo de Mariano Rajoy determinou a saída de toda a cúpula de poder da Generalitat, como é conhecido o Governo catalão. Nos próximos meses, a comunidade autônoma também deverá passar por uma nova eleição. As medidas ainda precisam ser aprovadas pelo Senado antes de serem colocadas em prática.

Em sua fala à imprensa após a reunião, Rajoy qualificou o processo independentista de "unilateral e contrário à lei", cuja missão era a de fazer o Governo aceitar um referendo que se sabia que "não podia ser aceito". Ele ressaltou que sua intenção nunca foi aplicar o artigo, que só deve ser usado em "situações excepcionais". "Nenhum Governo de nenhum país democrático pode aceitar que se ignore a lei", ressaltou ele, que disse que a intervenção está baseada em quatro pilares: a volta da legalidade, a recuperação da normalidade e da convivência, a continuidade da recuperação econômica (ressaltando a saída da Catalunha de sedes sociais de várias empresas desde o início da crise) e realizar eleições "assim que se recupere a normalidade", destacando a vontade de que seja em um prazo máximo de seis meses. Na prática, detalhou ele, a medida suspende o presidente e o vice-presidente da Generalitat e os ministérios assumirão suas funções.

O movimento do Governo abre uma nova etapa de incertezas na crise, que já se arrasta com intensidade há semanas. A expectativa é que gere reações duras por parte da Generalitat, que já ameaçou, na última quinta-feira, prosseguir com a votação da declaração formal de independência no Parlamento catalão caso o Governo central "persista em impedir o diálogo e continuar a repressão". Caso isso aconteça, a procuradoria espanhola afirmou, também neste sábado, que fará uma denúncia por "rebelião" contra o presidente catalão, Carles Puigdemont, e outros dirigentes. Um crime que prevê até 30 anos de prisão.

Há ainda a expectativa de que os independentistas comecem a mobilizar as ruas para tentar atrapalhar a tentativa do Governo central de tomar o controle das instituições catalãs, entre elas a polícia regional, a Mossos d'Esquadra, acusada de ter se dividido durante o referendo de 1º de outubro, quando tinha a missão de evitá-lo. No final deste sábado, eles prometem realizar um grande protesto em Barcelona, capital da comunidade autônoma, onde a decisão do Governo central deve ter grande peso e se somar à indignação dos independentistas pela prisão sem fiança de Jordi Sànchez e Jordi Cuixart, líderes dos principais movimentos sociais separatistas que promoveram atos pró-independentismo nos últimos meses. Durante o pronunciamento de Rajoy, foi possível se ouvir panelaços em prédios de Barcelona.

Por outro lado, a intervenção na comunidade autônoma é vista por seus defensores como uma das únicas possíveis saídas para o maior impasse vivido pela Espanha desde o final da ditadura, pois só assim seria possível realizar novas eleições na Catalunha. Nos últimos dez dias, após uma fala ambígua de Puigdemont, em que o presidente catalão não deixou claro se, de fato, declarava a independência —mas ainda assim a suspendeu em busca do diálogo com o Governo central—, não houve qualquer progresso na negociação entre as partes. Rajoy afirmava que, caso Puigdemont convocasse eleições, o artigo 155 não seria acionado. Mas isso não ocorreu. Rajoy, em sua fala à imprensa deste sábado, afirmou que Puigdemont recusou todas as tentativas de diálogo com o Governo dentro das instituições democráticas espanholas.

Esta é a primeira vez que a Espanha coloca em prática este artigo da Constituição, que permite que o Governo central intervenha em uma comunidade autônoma. Estas entidades, 17 no total, foram criadas na Constituição de 1978, que marcou o fim da ditadura franquista, justamente para aumentar a descentralização do poder após um período de intensa centralização — elas podem aprovar leis e realizar as tarefas executivas que estejam estabelecidas em seu estatuto próprio; têm um presidente e um parlamento próprios.

Aplicá-lo é algo tão delicado na sociedade espanhola que Rajoy buscou obter, nos últimos dias, todos os apoios possíveis, para que a decisão parecesse unânime entre as maiores forças políticas do país. Entre os conseguidos se destaca o do PSOE, principal partido de oposição, que concorda com a aplicação do 155, mas quer que ela aconteça com um período determinado e de forma leve. Neste sábado, Pedro Sánchez, líder do PSOE, declarou que "o secessionismo é o Brexit da Catalunha", em referência à separação do Reino Unido da União Europeia.

Na cúpula da União Europeia, ocorrida nesta última quinta e sexta, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente da França, Emmanuel Macron, também manifestaram apoio inequívoco ao Governo de Rajoy na questão catalã. “Apoiamos a posição do Governo espanhol”, afirmou Merkel. E, por fim, nesta sexta-feira, o Rei Felipe VI abordou a situação em cerimônia dos Prêmios Princesa de Astúrias. Ele assinalou que a Espanha enfrenta "uma tentativa inaceitável de separação em parte de seu território nacional e irá resolvê-la por meio de suas instituições democráticas legítimas". "Dentro", ressaltou, "do respeito pela a Constituição e se atendo aos valores e princípios da democracia parlamentar em que vivemos por 39 anos".

As propostas decididas no Conselho de Ministros agora serão encaminhadas ao Senado, onde o Partido Popular (PP), de Rajoy, tem a maioria. Na Casa, elas tramitarão por uma comissão, que terá que apresentar ao pleno um parecer favorável ou contrário às medidas. Depois acontecerá a votação final entre todos os senadores, prevista para a próxima sexta-feira.

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