China, uma insuspeita beneficiada do discurso radical de Bolsonaro
Com discurso agressivo, presidente brasileiro reproduz retórica de quando era deputado e aponta para guinada arriscada na política externa brasileira
Em sua estreia na Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro seguiu a orientação dos seus assessores da ala ideológica e partiu para o ataque contra o socialismo, ambientalistas, cientistas, indígenas, o PT, o ‘globalismo’, a mídia internacional, a França, Venezuela e Cuba, entre tantos outros. Dessa maneira, Bolsonaro reproduziu o papel de radical e ‘politicamente incorreto’ que desempenhou, por décadas, como deputado no Congresso Nacional e se consagrou como vilão global dos movimentos ambientalistas, que ganham força política ao redor do mundo.
Sobretudo na Europa, onde diplomatas e políticos estão divididos sobre como reagir ao mandatário brasileiro, o discurso fortalecerá aqueles que defendem uma postura mais dura contra o Brasil, incluindo punições econômicas. O discurso, recebido com uma mistura de perplexidade e fascínio por observadores internacionais por seu teor conspiratório, é uma ótima notícia para o presidente francês, que decidiu aproveitar dos incêndios na Amazônia para se projetar como líder ambientalista e para inviabilizar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, postura que agrada aos agricultores franceses. Como Bolsonaro é visto de maneira negativa por significativa parte da sociedade europeia, Macron só tem a ganhar ao se posicionar contra o presidente brasileiro.
O grande perdedor é a Alemanha, que seria o maior beneficiado do acordo comercial. Ao longo das últimas semanas, o governo alemão buscou oferecer uma alternativa à estratégia da França, e reiterou sua disposição em manter o diálogo com o Governo brasileiro sobre temas ambientais. O discurso de Bolsonaro fortalece a tese daqueles na Alemanha, liderados pelo Partido Verde, de que será impossível moderar a postura brasileira sem ameaças concretas. A primeira vítima da situação provavelmente será o pleito brasileiro de se tornar país membro da OCDE, o qual será empurrado pela barriga por países europeus. Afinal, permitir o ingresso do país nas atuais condições poderia ser visto como uma aprovação indireta de suas políticas internas.
Outro país que ganhará com o discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU é a China. Com o Brasil cada vez mais rejeitado no Ocidente, o Governo de Pequim deixou claro que em hipótese alguma permitirá que assuntos ambientais afetem a relação bilateral. Apesar da retórica anti-China utilizada durante a campanha, a relação bilateral com o gigante asiático inevitavelmente alcançará um novo patamar sob Bolsonaro.
Na política interna, o discurso representa uma vitória acachapante da ala ideológica, liderada por Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho, sobre o grupo neoliberal, liderado pelo ministro Paulo Guedes e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. A escolha de Bolsonaro atinge em cheio o projeto de Guedes de projetar a narrativa de um governo tecnocrata, comprometido em tornar o país um destino mais atraente para investidores internacionais. Os observadores internacionais devem estar se perguntando agora por quanto tempo o ministro da Economia aceitará fazer parte de um governo cujo presidente parece se importar pouco com o projeto liberalizante. Afinal, é impossível não perceber que Bolsonaro parece ter um gosto pessoal pelo confronto permanente, algo que fortalece sua narrativa de que a comunidade internacional busca enfraquecer o Brasil. Desse ponto de vista, mesmo a não-ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia e os possíveis boicotes que virão contra os produtos brasileiros dificilmente terão efeito moderador sobre o presidente brasileiro. Pelo contrário, a ameaça do isolamento diplomático e o risco de consequências negativas na área comercial parecem fortalecer a convicção do presidente de dobrar a aposta e garantir a radicalização de sua base de apoio. O discurso representa, assim, a maior guinada na política externa brasileira em décadas.
Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.
Mais informações
Arquivado Em
- França
- Brasil
- ONU
- Ultradireita
- América do Norte
- Europa Ocidental
- Espaços naturais
- América do Sul
- América Latina
- Ideologias
- Assembleia Geral ONU
- América
- Organizações internacionais
- Europa
- Relações exteriores
- Política
- Meio ambiente
- Antonio Guterres
- Emmanuel Macron
- Jair Bolsonaro
- Donald Trump
- Amazônia
- Indígenas
- Reservas naturais
- Estados Unidos