Agronegócio, a inesperada resistência ao desmonte ambiental de Bolsonaro
Assassinato de agente da Funai no Amazonas, na última sexta, é mais um elemento de tensão em zona de conflito da fronteira
Foi uma ação do ativismo mais clássico no centro de São Paulo. Simularam ocupar ilegalmente o Trianon, um pequeno parque de frondosas árvores na avenida Paulista, e convidaram a população a escrever ao ministro da Justiça e à procuradora-geral da República para exigir maiores esforços no combate à grilagem de terras públicas na Amazônia, porque junto com ela costumam vir o desmatamento ilegal e a exploração econômica à margem das normas. Entre os organizadores do protesto, na quinta-feira passada, havia duas ONGs, mas também —e isto é o chamativo— a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), que reúne as principais empresas do setor, e outros 11 grupos setoriais. Sim, os mesmos que durante anos foram apontados como um dos motores da destruição da natureza no Brasil. A indústria agropecuária também está preocupada com a política ambiental e a retórica do presidente Jair Bolsonaro, em um ambiente em que a cada momento um novo episódio trágico acontece —o último foi na sexta-feira, com o assassinato de um veterano servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), num ato que os seus colegas de sindicato enxergam uma clara represália ao seu trabalho de preservação.
A ameaça às florestas é uma ameaça aos negócios. E empresários e ambientalistas pretendem desmontar a ideia de que a preservação ambiental é um freio ao desenvolvimento econômico. Uma tese que o chefe de Estado defende frequentemente, como se ambos fossem incompatíveis. "Existem extensões que já estão desmatadas. Não é preciso cortar uma árvore da Amazônia para aumentar a produção e a participação do país como um celeiro importante no mundo", afirmou, nesta segunda em um evento da revista Exame Pedro Parente, presidente do conselho de administração da BRF, uma das principais companhias de alimentos do mundo.
O diretor da ABAG, Marcello Brito, assim explicava há alguns dias, ao apresentar a campanha conjunta com a Imazon e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), duas ONGs de defesa ambiental: “Somos contra o desmatamento e o roubo de terras, porque isto ataca o valor natural de qualquer produto brasileiro, e indiretamente ataca a economia do Brasil”. E foi além ao criticar que “por briguinhas políticas ou questões ideológicas percamos o foco principal, que é o desenvolvimento do Brasil".
Brito afirma que, apesar de a H&M e outras empresas terem anunciado um boicote ao couro brasileiro por causa das queimadas amazônicas, “nenhum contrato foi cancelado” até agora. Mas salienta que a luz de alerta está piscando furiosamente, e que as autoridades precisam garantir a preservação da Amazônia e o cumprimento das leis. Por isso, exigem o fim do desmatamento ilegal em terras públicas e que o Estado designe um uso para os 650.000 quilômetros quadrados (7,6% do território brasileiro) sem atribuição, porque essa indefinição transforma essas terras em presa fácil dos invasores ilegais. As queimadas de agosto deste ano, que desataram duríssimas críticas internacionais a Bolsonaro, destruíram 30.000 quilômetros quadrados, quatro vezes mais que as de agosto do ano passado.
Boa parte dos empresários brasileiros do agronegócio, motor das exportações, está cada vez mais consciente de que manter a Amazônia de pé e em boa saúde é uma condição essencial não só para conservar as vendas atuais, a uma clientela preocupada com a mudança climática, mas também para a sobrevivência em longo prazo de seus próprios negócios. Porque a maior floresta tropical do mundo é crucial para regular as chuvas necessárias no resto do Brasil, imprescindíveis para obter as generosas colheitas que fizeram do país uma das maiores potências agrícolas do planeta.
Os empresários têm a seu favor o fato de não despertarem em Bolsonaro a mesma repulsa que as ONGs, às quais o presidente brasileiro chegou a acusar de incendiar propositalmente a Amazônia. Kathryn Hochstetler, professora de Desenvolvimento Internacional da London School of Economics, destaca que “o agronegócio brasileiro é especialmente importante como uma voz em favor da proteção ambiental, porque o Governo atual não está interessado em escutar ambientalistas mais convencionais ou a maioria dos atores internacionais. Mas escutará o agronegócio por ser uma parte importante de sua base eleitoral”. Foram eles que convenceram o presidente a não abandonar o Acordo de Paris, porque afugentaria clientes.
Paulo Adario, um dos fundadores do Greenpeace no Brasil, elogia que “cada vez mais companhias incluam a proteção ambiental nos planos de negócio”, mas esclarece que, no seu entender, fazem isso por interesse econômico, não porque de repente viraram ambientalistas. Acusa-as de usar critérios ambíguos, porque seu interesse em preservar a Amazônia contrasta com sua atitude em outras regiões do Brasil, onde a proteção legal da natureza é muito menor.
Assassinato na Amazônia
Enquanto a discussão nos ambientes econômicos ganham corpo, nos rincões remotos da Amazônia um novo assassinato aconteceu na última sexta-feira. O indígena Maxciel Pereira dos Santos, um veterano agente da Funai, levou dois tiros na cabeça enquanto dirigia uma moto no município de Tabatinga (AM), na fronteira com a Colômbia e o Peru. Durante 12 anos, ele foi vigilante e inspetor da Funai no vale do Javari, onde o escritório da agência tem sido reiteradamente atacado.
O sindicato de funcionários da Funai, que denunciou o assassinato de Santos, afirma que ele foi alvo de uma represália por seu trabalho contra as invasões ilegais de caçadores, madeireiros e garimpeiros nessa área, que acolhe a maior concentração de etnias isoladas do mundo.
O Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para os ambientalistas, e a América Latina é a pior região. No ano passado passou a ser o segundo mais letal, com 20 assassinatos, porque 24 ativistas ambientais foram mortos na Colômbia.
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