Sobrevivente do furacão Dorian: “As pessoas morriam na minha frente. Escapei nadando”
Número oficial de mortes aumentou para 43 na sexta-feira, enquanto milhares de pessoas continuam desaparecidas e comunidades inteiras alagadas
“Quando acordei, a água estava na altura dos meus quadris”, lembra Daniel Box, preparador físico de 30 anos. “Saí de casa como pude e fui, às vezes andando, às vezes nadando, até a da minha noiva, que estava com nossa filha de cinco anos. Agarrei-as e fomos para a casa do meu sogro, a única que estava de pé. Ao todo, 35 pessoas nos amontoamos lá dentro. Ficamos três dias lá, sem comida, sem água potável. Está tudo destruído. Ficar teria sido uma condenação à morte.”
Box, como muitos moradores de Marsh Harbour, nas ilhas Ábaco, perdeu tudo. Mas tem sorte de poder contar. Ele deixar escapar as lágrimas ao ver sua filha brincar de resgate com outra criança, empurrando um caminhão de bombeiros de brinquedo pelo chão, a salvo do inferno em que se transformou tudo ao seu redor. Esperam, em uma tenda improvisada ao lado de um aeroporto privado de Nassau, a capital do país, que alguém lhes diga em que abrigo precário deverão começar sua nova vida.
“Ábaco está acabada”, conta Box. “Perdi muitos amigos, mas estou contente porque estamos vivos. Agora temos de ver o que fazer com nossas vidas. Já não tenho nada. Só a roupa que estou vestindo. Não tenho dinheiro, não sei como vou cuidar da minha família. Não sabemos nem onde começar. Você consegue chegar longe na vida e de repente perde tudo. Não sei nem onde vou ficar. Não quero ser um peso para ninguém. Só desejo ter um teto para minha filha e minha noiva. Temos fome, em três dias só comemos biscoitos.”
Quando alguém perde tudo, a única coisa que sabe é que tem de seguir em frente de qualquer maneira. Quem conseguiu escapar relata que os sobreviventes ainda se amontoam nos portos e nos aeroportos de Ábaco e Grande Bahama, as ilhas do noroeste do arquipélago onde o furacão Dorian descarregou toda sua fúria no último fim de semana, em busca de lugar nos navios e aviões privados que retiram as vítimas para a ilha de Nova Providência, onde fica Nassau.
O Dorian arrasou tudo. Escolas, lojas, igrejas, farmácias, bancos, postos de gasolina. Não há eletricidade, água potável, Internet, linha telefônica. Quase uma semana depois que o furacão começou a atingir a ilha com ventos de até 300 quilômetros por hora, há cadáveres em decomposição na água e nos escombros. Em pouco tempo, o risco de doenças começará a ser muito alto.
“Um evento desta magnitude e intensidade sempre provoca o deslocamento de pessoas”, explica Elizabeth Riley, diretora-adjunta da Agência de Gestão de Emergências do Caribe. “Neste caso, falamos de uma crise muito grande. As pessoas perderam suas casas e tudo aquilo que tinham. Portanto, a prioridade é procurar abrigos. Ainda não sabemos nem mesmo quantas pessoas precisam de abrigo.”
O número oficial de mortes aumentou para 43 na sexta-feira. Mas todos sabem que subirá ainda mais. Milhares de pessoas continuam desaparecidas. Há comunidades inteiras alagadas, às quais os serviços de resgate ainda não conseguiram chegar. Não é fácil avançar com as escavadeiras quando os escombros podem esconder corpos e talvez sobreviventes.
Também não é fácil escapar do inferno. “Chegar aqui foi um pesadelo”, relata Velma Nique, de 25 anos, que espera em Nassau com sua filha Naomi, de 4 anos, que um familiar venha buscá-las. “Tivemos de sair de casa e acabamos em um abrigo. E depois dormimos ao relento, ao lado do aeroporto, para conseguir um lugar em algum helicóptero. O despertar foi horrível. Cheirava a fezes, havia muitas crianças chorando. As pessoas desmaiavam, todo mundo empurrava para conseguir um lugar.”
Saques
Nique, funcionária de uma loja, também deixou toda sua vida para trás. “Meu apartamento não existe mais”, conta. “Não tenho nem documentos. Minha filha, quando viu nosso apartamento destruído, ficou muito triste. Não entendia nada. Perguntava onde íamos viver agora, e eu não tinha uma resposta para dar. A loja em que trabalhava, de produtos para o cabelo, foi saqueada. Todas as lojas foram saqueadas. Todo mundo foi embora. Era uma zona de guerra. Dava muito medo.”
Cada história de sobrevivência é avassaladora. Como a de Larry Johnson e Godydra Gardiner, de 27 e 26 anos, que ainda não sabem como conseguiram salvar toda a sua família. “O telhado da nossa casa saiu voando, e o vento dava voltas dentro de casa. Era como estar no olho do furacão”, explicam. “Tivemos de pular pela janela do segundo andar. Com nossos quatro filhos, um de nove anos, outra de seis, nossos dois gêmeos de nove meses, e minha irmã grávida.”
Todos estão bem. Exceto Gardiner, que tem algo espetado no pé e precisa usar uma cadeira de rodas que lhe forneceram até que um médico possa vê-la. Terminou uma odisseia para sua família, mas começou outra. “Está tudo acabado”, diz Johnson, eletricista. “Não temos nada. Nem sapatos, nem roupa, nem dinheiro. Passamos as últimas duas noites no aeroporto, dormindo ao ar livre, e as quatro noites anteriores em uma clínica. Queriam nos expulsar de lá, diziam que aquilo não era um refúgio. Cada família tinha de sair para o inferno para buscar comida, procurávamos algo para comer e mamadeiras nas lojas arrasadas.”
Entre o horror dos deslocados, há pequenos momentos de felicidade. Como a que revela o sorriso súbito de Rollpenchy Pharisen, um trabalhador da construção de 20 anos, quando consegue entrar em contato com um parente por meio de um celular emprestado pelos serviços de resgate. Por um momento, ele esquece a dor causada por uma ferida em seu braço, produto do impacto de uma caixa, arrastada pelo vento, que o atingiu. “Tudo voava pelos ares”, relata. “Meu bairro inteiro desapareceu. As pessoas morriam na minha frente. Havia bebês mortos. Tive de escapar da minha casa nadando, deixei tudo para trás. Só tenho o que estou vestindo. Agora é preciso começar de novo.”
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