A febre dos podcasts sobre futebol preenche lacunas e atrai pesos pesados
Nomes consagrados e jovens oferecem ampla gama de programas, altenativa às medas redondas tradicionais. Mercado amador e em crescimento assiste à aposta da TV Globo
“Comecei a fazer podcast em um tempo que precisávamos explicar direitinho o que é um podcast”, brinca o jornalista Leandro Iamin. Considerando que ele fundou o estúdio de podcasts Central 3 em 2013, seis anos foram suficientes para a plataforma de áudio passar de pouco explorada para muito compartilhada. Como depende apenas do som para ser executado, o podcast pode ser ouvido durante várias atividades diárias, assim como exige apenas um microfone e um gravador para ser produzido. A facilidade lembra o rádio, o primeiro meio de comunicação em massa a tomar conta do mercado brasileiro, mas os podcasts contam com um diferencial: o conteúdo on demand, pode ser acessado de acordo com as preferências do ouvinte e sem depender de uma programação engessada. O formato surge como alternativa independente aos consagrados programas de mesa redonda do jornalismo esportivo. É fonte de renda para profissionais experientes e vitrine para recém-formados.
Entre as mais experientes, a pioneira Central 3 se destaca pela variedade de programas. O projeto, que começou com os esportivos Som das torcidas e Meu time de botão, hoje tem 25 podcasts no ar com diversas parcerias, cujos assuntos variam entre futebol, política, história, música, jornalismo e cinema, entre outros. “A evolução da tecnologia, nos celulares e carros, foi levando para esse hábito que se tornou ouvir o podcast", opina Iamin, que colhe os louros de um investimento feito em 2013. "É legal, com esses frutos de hoje em dia, ver que acertei ao apostar nisso”.
Os frutos, além do prazer em ver uma grande quantidade de programas surgindo, têm relação com a audiência. Segundo Iamin, a C3 tem uma média mensal de 500.000 downloads de podcasts, somados os números de todos os programas. Os pioneiros foram os podcasts sobre futebol, que hoje são guiados por jornalistas populares na mídia tradicional como José Trajano, Lúcio de Castro e Mauro Cezar Pereira. Há ainda o Xadrez Verbal, sobre história, e o Lado B do Rio, sobre política, que também têm angariado ouvintes. “O Xadrez é nosso líder de audiência. Metade do nosso número mensal é por causa deles”, conta o fundador. A fama possibilita os podcasters ganharem dinheiro com anúncios pontuais nos programas. O resto da verba para quem trabalha na casa vem de trabalhos feitos para empresas, como audiobooks e audiopalestras, de um financiamento coletivo onde o ouvinte pode doar dinheiro e do aluguel do estúdio que pertence aos jornalistas para a gravação de outros produções.
Projetos como a Central 3 influenciaram outros jornalistas, mais jovens, a apostarem no podcast como plataforma alcançável no momento entre a saída da faculdade e a inserção no mercado de trabalho. Os recém-formados em jornalismo Igor Junio, 23 e Henrique Salmaso, 23, se juntaram ao estudante Luís Adolfo, 20, em Belo Horizonte neste ano para lançar o Gol a Gol, podcast sobre futebol. Igor conta que não ouvia podcasts até o começo de 2019, quando conheceu o Lado B do Rio por conta de uma participação de Igor Julião, lateral-direito do Fluminense, no programa. “Comecei a ouvir vários de política e sociedade. Aí surgiu essa ideia de falar sobre futebol, mas além das quatro linhas”. Em seis meses de podcast, os 20 programas lançados permearam assuntos como futebol brasileiro, futebol internacional, Copa América, VAR, machismo no esporte e Libertadores.
“Tentamos fugir do debate superficial da TV. Nem toda pauta rende um programa de uma hora, então também fizemos um blog”, explica o mineiro. Igor também confessa que a ideia de fazer o podcast surgiu de um momento onde os três procuravam emprego na área. “A edição, por exemplo, necessitava um tempo no começo que só tinha porque estava desempregado. E ajuda a expor mais o nosso nome, nosso trabalho, já que o podcast só tem a crescer para quem investir na produção. O jornalismo está sempre se adaptando, então vimos que tem um público ali e investimos”. Foram 18 programas lançados até outubro, quando Igor e Henrique conseguiram emprego. Desde então, o trio só conseguiu lançar mais duas edições.
“O podcast vai salvar o jornalismo. Ele mudou a minha vida em tempos de crise na profissão”, relata Celso Ishigami, 38. Jornalista e pernambucano, ele se uniu a outros quatro jornalistas em Recife e, aproveitando o interesse do público pela Copa do Mundo do Brasil, lançou o podcast 45 minutos em 2014. “A inspiração foi o desejo de produzir conteúdo independente focado no futebol nordestino, que é uma carência da grande mídia”, justifica Ishigami. “Imagina o que é a vida toda você sendo rotulado de forma folclórica em cada programa [da TV]. É importante ver como o Nordeste está sucateado e nós temos muito para falar. O mercado ávido que construímos desde então é a prova disso”.
Em 2017 e 2018, o podcast bateu 1,5 milhão de downloads anuais. Além de uma edição semanal, com a qual o projeto começou, a equipe também grava um programa para cada rodada de torneio nacional com foco nos times nordestinos e mais um específico, por semana, sobre os clubes mais populares da região, como Sport e Bahia. “Estabelecemos um mercado publicitário em torno da nossa audiência. Vivo exclusivamente do podcast e consigo me dedicar integralmente”, conta Ishigami. Além dos anúncios nos programas, os pernambucanos também têm um clube onde ouvintes podem pagar para ter acesso a debates, newsletters e conteúdo exclusivo.
Todos os programas citados estão disponíveis no Spotify e em outros agregadores de podcast, como o Google Podcasts e o iTunes, apesar de o primeiro ser o mais famoso. “Mas se o Sportify fechar as portas amanhã, eu não morro não. Eles não me pagam um centavo. A relação é muito mais expansiva se comparada ao YouTube, por exemplo”, ressalta Ishigami. Leandro Iamin prevê a entrada de mídias mais tradicionais na plataforma – só em 2018, o Globoesporte.com lançou 17 podcasts temáticos, além de um específico para cada time grande de São Paulo e Rio de Janeiro –, sobre a qual ele diz ter “um pouquinho de ciúmes”. “Cada vez mais pessoas estão ouvindo podcasts, mas os mais ouvidos são os mais estruturados. A chegada dos principais meios do mercado não é necessariamente ruim, mas tira o caráter independente”, afirma o paulista que, com seis anos de experiência, está curioso para ver o impacto da plataforma com a sua popularização. “Não sei se vão sobreviver programas que a gente faz porque acredita, não porque dá audiência. Quando chega a Globo como concorrente, isso tudo muda”.
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