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Com aval de militância online, Movimento 5 Estrelas fecha acordo para novo Governo na Itália

Rascunho do programa de governo suaviza sua posição sobre a Europa e imigração e renuncia à alíquota única do IR que havia sido combinada com a Liga

Daniel Verdú
Luigi Di Maio, líder do Movimento 5 Estrelas.
Luigi Di Maio, líder do Movimento 5 Estrelas.Simona Granati - Corbis (Getty Images)
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A Internet falou, e o Movimento 5 Estrelas (M5S) aprovou o acordo de governo com o Partido Democrático (PD). Cerca de 115.000 pessoas haviam sido convocadas a se pronunciarem na plataforma on-line do partido, chamada Rousseau e controlada pela empresa de um dos fundadores do M5S, e 79,3% optaram pelo sim. A decisão limpa definitivamente o caminho para que Giuseppe Conte visite na quarta-feira de manhã o presidente da República para apresentar a proposta do seu segundo Executivo.

A situação, como a maioria de movimentos nos últimos 14 meses, contrariava o estudado ritual político italiano. Mas, ao final, a Itália superou o último grande entrave para a formação de um novo Governo de coalizão entre o PD e o M5S. Os militantes do partido fundado pelo comediante Beppe Grillo – na verdade, apenas 80.000 de seus mais de 10 milhões de eleitores das últimas eleições – decidiram dar luz verde a uma nova aliança para formar um segundo Executivo, menos de um mês depois de Matteo Salvini romper a aliança que sustentava o Gabinete anterior. Apesar das divisões reveladas nos últimos dias por uma ala do partido que se opunha a um pacto com o PD, visto como inimigo histórico, o critério da cúpula acabou se impondo, como invariavelmente acontece no M5S.

A votação, a mais numerosa na história do partido e vendida pelo M5S como o triunfo da democracia direta, transcorreu enquanto a formação revelava nas redes sociais o esboço do programa redigido com o PD. Um documento vago e altamente impreciso que, entretanto, já deixa ver através de seus 26 pontos uma mudança substancial em assuntos como a questão migratória – o M5S se abre a revisar as leis assinadas por Salvini –, a aproximação europeia e os impostos. O rascunho, em suma, mostra uma notável guinada social dos grillinos, expondo mais uma vez mais a surpreendente capacidade de flutuação gatopardiana do movimento.

O documento, redigido a toda pressa durante a última semana de reuniões entre o PD e M5S – são apenas quatro páginas, contra 58 do contrato de governo assinado há 14 meses com a Liga –, é apenas a base de uma negociação que continuará seu curso quando Conte puder formar um Governo. Mas nele ficam para trás as hostilidades contra a UE, e já se fala, como única crítica, de uma Europa mais solidária. "Com a nova Comissão será preciso relançar investimentos e margens de flexibilidade para reforçar a coesão social, promovendo as modificações necessárias para superar a rigidez das regras europeias em matéria de política orçamentária. São necessárias regras para o crescimento, não só para a estabilidade", afirma o texto.

Na política econômica e fiscal, aliás, desaparece a ideia de criar uma alíquota única de 15% para o Imposto de Renda de Pessoa Física, grande bandeira da Liga de Matteo Salvini. Os dois partidos estão de acordo em reduzir a pressão fiscal, mas sem chegar ao extremo que propunha seu antigo sócio e salientando a necessidade de que sejam os empregados, e não as empresas, que se beneficiem disso. Além disso, os novos sócios se comprometem a buscar "uma política econômica expansiva, sem comprometer o equilíbrio das finanças públicas. Em particular, se anulará o aumento do IVA [para o qual será preciso encontrar recursos na ordem de 23 bilhões de euros, mais de 100 bilhões de reais], haverá mais ajudas às famílias e aos deficientes, políticas de emergência habitacional e mais recursos à escola, à universidade, à pesquisa e ao Estado do bem-estar”. O acordo com o PD limpa também o caminho para a implantação de um salário mínimo e, como já estava acordado com a Liga, será reforçada a luta contra a evasão fiscal, um dos principais problemas da economia italiana.

Um dos pontos mais delicados e de maior possível atrito se encontra na imigração, cavalo de batalha do anterior Executivo (personificado na figura de Salvini). O documento tampouco aprofunda a questão, mas abre significativamente a porta para reformar os polêmicos decretos concebidos pelo ex-ministro do Interior e "seguindo as recentes observações formuladas pelo presidente da República". Ou seja, será atenuada a perseguição às ONGs que resgatam imigrantes no Mediterrâneo, conforme sugeriu o chefe de Estado quando teve que aprovar o decreto com certa perplexidade. O rascunho considera também "indispensável promover uma forte resposta europeia ao problema da gestão dos fluxos migratórios com uma normativa que também confronte o tema da integração".

Em solidariedade social e meio-ambiental, ambos os partidos estão completamente de acordo e propõem lançar uma espécie de "Green New Deal que acarrete uma mudança radical de paradigma cultural e incorpore a proteção ambiental entre os princípios fundamentais do sistema constitucional. Todos os planos de investimento público deverão levar em conta a proteção ambiental, o recurso das energias renováveis e a proteção da biodiversidade e dos oceanos". Uma mudança substancial em relação à indiferença da Liga nestas questões.

O último ponto é, talvez, o mais peculiar de todos. Trata-se de uma proposta de conceder tratamento diferenciado à cidade de Roma para que possa se salvar do abandono em que se encontra e se tornar "mais atraente para os visitantes e mais vivível para seus habitantes". Ou seja, mais dinheiro. A capital da Itália, governada por Virginia Raggi, do M5S, há muito tempo reclama um financiamento especial para fazer frente à crise que atravessa, mas a Liga recusava. Desta vez o PD, que governou a cidade por tantos anos, parece disposto a estudar o assunto.

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