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Coluna
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Política ambiental acirra embate ideológico ao redor do mundo

Debate sobre como lidar com aquecimento global está se transformando em campo de batalha entre antiglobalistas e progressistas, com altos riscos para o Brasil

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e Jair Bolsonaro.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e Jair Bolsonaro.Antonio Cruz/Ag. Br.
Oliver Stuenkel

Em cada vez mais países, o debate público sobre como enfrentar a mudança global do clima está virando tema central do embate entre a extrema-direita e o campo progressista. Nos Estados Unidos, Alexandria Ocasio-Cortez, a nova estrela da esquerda, escolheu o combate contra o aquecimento global como peça-chave da sua mensagem, e o clima é prioridade dos candidatos do Partido Democrata ao desafiar o presidente Donald Trump, que rejeita as evidências científicas sobre as mudanças climáticas. Durante a recente campanha na Dinamarca, os social-democratas priorizaram o debate sobre o tema, escolha considerada decisiva para sua vitória apertada nas eleições contra o Partido do Povo Dinamarquês, da direita. Na Alemanha, o Partido Verde, que privilegia o combate contra o aquecimento global, está em franca ascensão e atualmente em segundo lugar nas pesquisas, enquanto a Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, apresenta a ameaça da mudança do clima como parte de uma "conspiração globalista".

Entre os progressistas, padrões sociais aceitáveis estão mudando de maneira inimaginável alguns anos atrás. Nos centros urbanos europeus, dominados pelo eleitorado cosmopolita, os donos de SUVs que consomem muita gasolina estão cada vez mais sujeitos ao ostracismo social. Em Berlim, por exemplo, ações de ativistas do movimento #NoSUV se tornaram frequentes no trânsito. Na Europa, postar fotos no Instagram de viagens aéreas intercontinentais para lazer gera cada vez mais comentários negativos. Na Suécia, já existe um termo específico, “Flygskam” (vergonha de voar, em tradução livre), reflexo de uma tendência de só viajar de avião quando for absolutamente inevitável.

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Em muitos países, a extrema-direita respondeu de maneira brilhante e conseguiu transformar o debate em uma guerra cultural. Em uma jogada sofisticada, a direita populista eliminou a dimensão científica do debate e acusou as chamadas “elites globalistas” de criar uma ameaça imaginária para minar o estado nacional, favorecendo plataformas internacionais (como as Nações Unidas), as quais ela acusa de pouca legitimidade democrática. Populistas de extrema-direita aproveitam ainda os alertas dos especialistas em clima para fomentar ódio contra as universidades, centros de pesquisa e o conhecimento científico como um todo.

Na Austrália, Scott Morrison, o candidato da direita nas eleições deste ano, seguiu essa estratégia e argumentou que as propostas da esquerda contra a mudança global do clima eram um ataque à vida tradicional do povo australiano. Ignorando que o país viveu uma onda recorde de calor em 2018 e a morte de centenas de milhares de peixes na Bacia Murray-Darling, ele conseguiu retratar ambientalistas como parte de uma elite cosmopolita arrogante e desconectada do povo. Funcionou. Morrison, ridicularizado pela elite nos centros urbanos, ganhou as eleições com uma margem pequena.

Considerando que o debate sobre mudança do clima veio para ficar, o Brasil corre o risco de ser considerado um pária por número crescente de países. Afinal, apesar da ascensão da direita, a vasta maioria dos governos percebe que o aquecimento é uma ameaça real à humanidade e requer respostas concretas. Como escreve Simon Kuper no jornal britânico Financial Times, "o aquecimento global vai dominar a política: menos água, mais doenças, produtividade mais baixa (...), refugiados do clima do Oriente Médio e da África. Todas as outras questões (...) serão secundárias."

O tema está ocupando espaço tão central no debate público europeu que até a recente conclusão do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia foi dominado pela preocupação com a política ambiental brasileira. Dias antes do anúncio do compromisso, a chanceler Angela Merkel, ao defendê-lo no parlamento alemão, afirmou que ele ajudaria a moderar o presidente Bolsonaro e argumentou que "não assinar o acordo em nada contribuirá para evitar o desmatamento de um só hectare no Brasil." Gabriel Felbermayr, presidente de um dos principais institutos de pesquisa econômica da Alemanha, defendeu publicamente a aliança, ressaltando que ela obrigaria Bolsonaro a manter o Brasil no Acordo de Paris, tirando o presidente brasileiro da parceria anti-clima com Donald Trump. "Sem a cooperação do Brasil, a proteção climática global não tem chance", lembrou.

A percepção de que o governo Bolsonaro está do lado errado da história em relação à mudança global do clima já está prejudicando a imagem do Brasil no mundo. A alegação de que a preocupação internacional com o desmatamento baseia-se em informações falsas e faz parte de uma estratégia de enfraquecer o Brasil, como recentemente fez o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, é um presente para quem trabalha contra a ratificação do acordo comercial no Parlamento Europeu.

Em entrevista recente à Folha de São Paulo, o embaixador alemão em Brasília, Georg Witschel, foi direto ao ponto. “Uma subida no desmatamento será um argumento para que parte da nossa sociedade civil organizada tente bloquear a entrada em vigor do acordo UE-Mercosul.” Não só o acordo comercial, mas também toda a relação do Brasil com a comunidade internacional, depende cada vez mais da capacidade da ala liberal-tecnocrata, liderada por Paulo Guedes e Hamilton Mourão, de ser impor contra os anti-globalistas obscurantistas liderados pelo presidente da República e seus filhos.

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel

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