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Sobram inconfidências de advogados na embaraçosa defesa de Najila no caso Neymar

Além das fotos e conversas íntimas divulgadas pelo jogador, modelo que o acusa de estupro acabou ainda mais exposta por profissionais que desistiram de defendê-la

Danilo Garcia de Andrade carrega Najila após depoimento em São Paulo.
Danilo Garcia de Andrade carrega Najila após depoimento em São Paulo.Amanda Perobelli (Reuters)

Pouco mais de uma semana depois de dar queixa à polícia, a modelo Najila Trindade sofreu outro revés em sua defesa na acusação de estupro movida contra Neymar. Na segunda-feira, o advogado Danilo Garcia de Andrade anunciou a desistência do caso, alegando quebra de confiança com a cliente. Segundo ele, Najila teria lhe acusado de planejar o arrombamento de seu apartamento para furto do tablet em que estaria armazenada a íntegra do vídeo gravado no hotel em Paris. De porte alto e cabelos no ombro, Andrade protagonizou uma imagem marcante na saída do depoimento de Najila, quando a carregou nos braços num gesto de proteção diante de afoitos jornalistas que a esperavam na saída. Mas, após deixar a defesa, Andrade disparou publicamente contra a cliente, insinuando que ela busca tirar proveito econômico da situação e não conseguiu  convencê-lo sobre o que realmente aconteceu na noite do encontro com o jogador. “Nada está acima dos meus valores morais e profissionais”, justificou.

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Não é o primeiro advogado de Najila que coloca em xeque sua versão e aumenta a especulação sobre a jovem modelo. À frente do caso antes do registro do boletim de ocorrência, José Edgard da Cunha Bueno Filho discordou da cliente e, para se defender depois de ser acusado por tentativa de extorsão pelo pai de Neymar, divulgou o termo de rescisão de contrato com a modelo indicando como motivo “alteração na verdade dos fatos”. Por meio de nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não chegou a recriminar a conduta do advogado, mas ressaltou que profissionais inscritos no Conselho podem ser punidos por exposição indevida de informações pessoais. “É dever ético resguardar o sigilo e as comunicações feitas pelo cliente, que são absolutamente confidenciais, ressalvada a hipótese de grave ameaça à honra, entre outras. Todas as infrações disciplinares são apuradas pelo Tribunal de Ética e Disciplina e tramitam em absoluto sigilo.”

Mesmo em casos midiáticos, a indiscrição de advogados ao revelar detalhes de processos e contratos soa incomum. Essa é a avaliação de Tiago Lenoir, mestre em Direito e advogado que defendeu o ex-goleiro Bruno Fernandes, condenado pelo assassinato de Eliza Samudio, entre 2012 e 2014. “Desde que deixei sua defesa, jamais teci comentários a respeito do processo”, diz Lenoir, observando que advogados devem seguir o artigo 112 do Código de Processo Civil. Pela norma, os defensores podem renunciar a um caso desde que comuniquem o cliente. No entanto, ainda devem permanecer responsáveis por representá-lo por um período de 10 dias. “Quando nos tornamos advogados, fazemos o juramento de manter sigilo sobre o processo, respeitando o cliente e a outra parte. Expor avaliações pessoais ou minúcias do caso é, no mínimo, antiético.”

O principal motivo para abandonar a defesa de Najila, de acordo com Bueno Filho, foi o fato de a modelo ter prestado queixa na polícia à sua revelia e registrado a ocorrência como estupro, e não como agressão, pelo entendimento do advogado. Em entrevista ao SBT, a ex-cliente disse que, desde o primeiro momento, havia deixado clara a intenção de denunciar Neymar por violação sexual. Na última terça-feira, a Promotoria de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público de São Paulo criou uma força-tarefa composta por três promotoras para acompanhar o desdobramento das investigações. Um dos objetivos é assegurar que Najila não tenha direitos desrespeitados em meio ao procedimento de ampla defesa exercido pelo jogador. “Qualquer juízo de valor precipitado pode prejudicar uma das partes. É preciso evitar, sobretudo nesses casos de grande repercussão, o julgamento público e moral da mulher”, afirma a promotora Fabiana Dal’Mas Rocha Paes.

Cortado por lesão da seleção, que disputa a Copa América a partir desta sexta-feira, Neymar prestará depoimento em São Paulo na véspera da estreia brasileira no torneio. Ao contrário de Najila, que recorreu à figura de apenas um defensor, o jogador contratou uma assessoria de comunicação com foco em gerenciamento de crises, além de uma equipe jurídica especializada para cuidar do caso, encabeçada pela advogada feminista Maíra Fernandes. Ao assumir a defesa do atleta, ela publicou um texto em seu perfil no Facebook explicando que aceitou o caso por entender, depois de analisar os autos, se tratar de uma “falsa acusação de estupro” que “não ajuda a causa feminista”.

Neymar vai depor em São Paulo nesta quinta-feira.
Neymar vai depor em São Paulo nesta quinta-feira.Mauro Pimentel (AFP)

Por causa da manifestação, o Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) decidiu afastar Fernandes da organização. Em um comunicado, o órgão afirmou respeitar o devido processo legal e a ampla defesa. No entanto, integrantes da entidade julgaram que a declaração da advogada, ancorada em sua trajetória feminista, desacreditava o relato de Najila com intuito de atrair a opinião pública para o lado do atacante do Paris Saint-Germain. “Feminismo não é estratégia de defesa. Nem tudo o dinheiro dele [Neymar] pode comprar. Você não está sozinha, Najila”, disse Soraia Mendes, coordenadora nacional do CLADEM.

A modelo tem sido alvo de críticas por não mostrar o conteúdo completo (7 minutos de vídeo) de que dizia dispor, pela versão desencontrada do arrombamento de seu apartamento – algo que a polícia negou – e pelo entra e sai na defesa do caso, que já é difícil por ter um astro milionário do outro lado.

Além de Danilo Garcia de Andrade e José Edgard da Cunha Bueno Filho, a modelo ainda teve o auxílio de outra advogada. Yasmin Pastore Abdalla havia transferido a direção do caso a Andrade para se dedicar apenas à assistência pessoal de Najila. Antes de passar o bastão, ela enviou um áudio à reportagem do EL PAÍS afirmando que “a vítima não vai se calar” diante de pressões. Ainda com procuração para defendê-la, Abdalla foi a única entre os que já estiveram à frente da acusação a não constranger Najila com declarações à imprensa.

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