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O par perfeito não é a pessoa ideal (se quiser que o amor dure)

Emoções caducam, e o romantismo leva à frustração. Quais qualidades deve ter a companhia sentimental para que a relação seja longa?

“O que você está dizendo? Não posso acreditar, vocês eram o casal perfeito!”. María não deixou de escutar essa frase desde que terminou com Eduardo, seu namorado de toda uma vida. Eles se conheceram no colégio e, após 15 anos de namoro, se casaram. Em seu entorno foi o casamento do ano. Após uma festa inesquecível e uma lua de mel que durou um mês, decidiram dividir a hipoteca de uma casa geminada no subúrbio de Madri, os gastos de um 4x4 e a criação de um bebê. Os dois eram profissionais de sucesso, bonitos, esportistas, seres modelares que nunca foram motivo de fofoca. Fiéis e perfeitos, pareciam feitos um para o outro. Mas, um belo dia, a relação acabou. Foi uma bomba que desconcertou amigos e familiares, cegos pelo brilho de um casal ideal que não o era tanto assim.

A fachada era perfeita, mas, na realidade, María e Eduardo não eram compatíveis. Não funcionavam juntos a tal ponto que nunca foram capazes de resolver nenhum dos problemas que apareciam. Eles se limitavam a deixá-los de lado para retomá-los em outro momento, que nunca chegava (o que acontece quando não se segue os conselhos adequados no caminho à felicidade). O que realmente chegou foi o dia em que aquela bola imensa de conflitos sem resolução se tornou grande demais, excessivamente pesada, e caiu em cima dos dois, esmagando-os. O casal perfeito perdeu o rumo e desmoronou.

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A metade da laranja é uma invenção de 'marketing'

Pode ser que o entorno do casamento não possa explicar o que aconteceu, mas María sabe muito bem o que houve. A união se quebrou quando acabou a época de eterna lua de mel, justamente quando os dois começaram a sentir os sintomas do estresse pós-romântico, um termo criado pelo psicólogo John Bradshaw para definir o final de uma fase em que tudo é perfeito, a atividade sexual não decai e as imperfeições felizmente passam inadvertidas. Provavelmente, María julgou seu casamento somente pelos cafés da manhã na cama, as rosas vermelhas e os jantares surpresa, se enganou ao pensar que tinha um par perfeito. Agora sabe que isso teria sido impossível.

E perguntar a um psicólogo e a um sexólogo se o casal perfeito existe é como mencionar o diabo. “Essa metade da laranja é uma ideia de marketing, somos seres imperfeitos em contínuo desenvolvimento e crescimento, e ninguém pode te satisfazer 100% em todas as tuas fontes de satisfação. Uma relação vai crescendo, evoluindo e se modificando ao longo da vida”, afirma taxativamente Miren Larrazabal, psicóloga especialista em psicologia clínica, sexóloga e presidenta da Sociedade Internacional de Especialistas em Sexologia. Basta fazer um exercício de memória (se você está muito estressado, talvez seja mais difícil), repassar os amores de uma vida, incluindo os platônicos, e se fazer algumas perguntas para ver que é assim. Qual deles se aproximou mais do que você considera perfeição? Alguma dessas relações não viveu altos e baixos, desafios, decepções e sofrimentos? Se a resposta é afirmativa, por que não continuou com essa pessoa? Certamente não deu tempo de conhecê-la muito, e ocasião de enfrentar problemas verdadeiramente sérios.

E depois existem pessoas incapazes de ver a realidade, que ficam obcecadas em um ideal do amor que não existe. É a opinião de Soraya Calvo, sexóloga e professora da Universidade de Oviedo, que fala sobre o dano provocado pela propagação da ideia de casal ideal e perfeito. “Desvirtua a vida em casal porque as metas geradas por essa ideia romântica do amor são inalcançáveis e geram muita frustração quando não são atingidas. Além disso, o ideal é algo diferente para cada pessoa e sociedade, de modo que sequer podemos definir o conceito”, diz. O perfeito, se a pretensão é que a relação dure, é prestar atenção em qualidades mais mundanas.

Mudança do casal: do perfeito ao consciente

“A maioria das pessoas pensa que o amor é suficiente, mas não é verdade, o amor não é suficiente para a convivência. São necessárias habilidades de convivência, que estão relacionadas à comunicação, à capacidade de resolução de problemas e às habilidades de negociação. É isso que irá gerar a satisfação e o bem-estar do casal, algo que tem pouco a ver com o que as pessoas entendem como casal ideal, esse que não tem problemas. A diferença entre uma pessoa que se diz satisfeita com sua vida em casal e uma infeliz não são os problemas, e sim a maneira de enfrentá-los”, diz Larrazabal.

É justamente isso o que aborda o livro The Secrets of Enduring Love: how to make relationships last, que reúne os resultados de um estudo para o qual os cientistas entrevistaram mais de 4.000 casais do Reino Unido, e que acompanhou detalhadamente o comportamento de outros 50 para determinar o que fazia sua relação funcionar. De acordo com os autores, o sucesso da longa convivência se deve à capacidade de comunicação e de resolução de conflitos.

“O casal perfeito deve mudar o nome para casal consciente e compatível. Existem pessoas que são mais ou menos compatíveis, mas o que é preciso ver é se temos metas parecidas, se temos maneiras de viver parecidas, se queremos ou não ter filhos e se temos momentos de lazer parecidos. Esses momentos de lazer podem ser diferentes, mas temos que ser capazes de lidar com essa diferença sem que se transforme em algo incompatível para nossa vida em casal”, de acordo com Soraya Calvo. Não se trata de fazer as mesmas coisas o tempo todo e estar sempre juntos, mas sim de encontrar um ponto em comum, porque um casal deve ter, além dos espaços pessoais, um nutrido espaço em comum. “Se não existe, a relação acaba”, afirma a sexóloga.

Quando o amor romântico impede a progressão

Também há outra realidade que não podemos deixar passar batido, que cada pessoa, em cada momento de sua vida, procura coisas diferentes. Existem casais que são muito compatíveis, mas que passam por momentos vitais diferentes que acabam modificando sua compatibilidade inicial. Como essas mudanças influenciam em uma relação consolidada? Até a mudança de horário de trabalho pode gerar distanciamento em um casal. Se as duas pessoas estão há anos sincronizadas e, de repente, suas rotinas mudam drasticamente, não ter tempo em comum pode causar um problema que é preciso saber lidar. “E é mais difícil solucioná-lo se a relação se basear no amor romântico e ideal, em que é mais importante o tempo em comum perdido”.

Essa atitude pode parecer imaturidade, mas Miren Larrazabal frisa que não são somente os jovens que acreditam no par ideal. É um modelo que influencia os jovens e os mais velhos, “mesmo sendo verdade que, quando você é muito jovem, vive em um contexto que te torna mais apto a sofrer esse estado um pouco alterado de consciência, em que o amor é vivido com mais paixão, mas também existem pessoas de 50 anos cheias de mitos e ideias distorcidas sobre o que é o amor”, diz a especialista.

A conclusão é que ter expectativas irreais no amor gera incompreensão e frustração, porque o amor todo-poderoso e absoluto não existe. “É verdade que todos nós podemos ter certas expectativas (o ideal de homem e mulher), mas é preciso pensar e não se deixar levar pelo que se sente, porque as emoções caducam, ou pelo menos caducam tal como as entendíamos no começo da relação. Ao longo da vida em casal, o amor sentido precisa dar lugar ao amor pensado, esse é o ponto”, diz a sexóloga Soraya Calvo. A relação que a longo prazo pode ser mais frutífera (ainda que isso nunca possa ser assegurado), afinal, é a consciente e compatível. Se tudo se basear em mitos e ideais, é muito maior a probabilidade de que não se resolvam os conflitos que surgirem em sua vida e que a relação termine em ruptura.

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