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O mito do amor romântico pode estar prejudicando sua saúde

Nas sociedades ocidentais, o amor romântico costuma ser apresentado pelo clichê das duas metades que se procuram

O mito grego do amor continua vivo na cultura popular, nas histórias de amor e nas comédias românticas
O mito grego do amor continua vivo na cultura popular, nas histórias de amor e nas comédias românticasPIXABAY

Nas sociedades ocidentais, o amor romântico costuma ser apresentado por meio do clichê das duas metades que se procuram para recuperar sua antiga completude. Poucos têm essa sorte, já que se trata de um mito que remonta a Platão. Na mitologia grega, os amantes perfeitos viviam unidos e foram divididos em dois. O amor, portanto, é o desejo de encontrar aquela parte que se perdeu.

Esse mito continua vivo na cultura popular, nas histórias de amor e nas comédias românticas, e influencia nossa identidade social, que é formada, em muitos casos, por representações estereotípicas e programadas das relações. Com frequência, de maneira menos consciente, continuamos procurando nossa “outra metade” – o ideal –, mas as taxas de divórcio demonstram que esse ideal não existe.

Com frequência continuamos procurando nossa “outra metade” – o ideal –, mas as taxas de divórcio demonstram que esse ideal não existe

Hoje em dia, muita gente foge para o mundo virtual em busca da relação ideal. Os encontros pela internet, o flerte por meio de mensagens e o sexting costumam servir de antídoto para a solidão, a falta de intimidade e a experiência dolorosa da perda. No ciberespaço podemos ser quem e o que quisermos. Isso nos proporciona prazer, mas nos seduz e nos arrasta para o imaginário, para o universo do inconsciente, para o mundo virtual onde são satisfeitos imediatamente os desejos que nem sabíamos que tínhamos.

É fácil ficar viciado nesse mundo porque o amor da vida real não pode competir com ele. Para algumas pessoas é difícil, ou mesmo impossível, voltar à realidade, como mostram o crescente vício na internet e a infidelidade na rede. Isso pode dar lugar a diversas reações emocionais (estresse, desespero, raiva, dor) e de conduta (brigas, consumo vingativo de pornografia, divórcio, dependência química, bulimia e anorexia). A relação entre o estresse, as feridas sentimentais (as patologias amorosas) e a saúde mental (depressão, transtornos obsessivos compulsivos, insônia) e física (esgotamento) é bem documentada.

As consequências do amor

As consequências a longo prazo não são tão bem conhecidas, mas podemos imaginar. Sabemos que a qualidade de nossas relações e circunstâncias sociais pode ter uma repercussão profunda em nosso cérebro.

Para algumas pessoas é difícil, ou mesmo impossível, voltar à realidade, como mostra o crescente vício na internet

Os recentes avanços em epigenética – um conjunto de modificações de nosso material genético que muda a maneira como os genes são ativados e desativados sem alterar os genes em si – indica que existe uma relação entre as experiências sociais, a expressão dos genes, as mudanças neurobiológicas e a variação na conduta. Um conjunto de provas cada vez mais extenso explica como o entorno social penetra em nossa mente por mecanismos epigenéticos e como estes afetam nossa descendência. Em outras palavras, os efeitos físicos produzidos pelas experiências sociais podem ser transmitidos.

Se as emoções, os pensamentos conscientes e as crenças inconscientes de fato fazem parte de nosso entorno social e influenciam nossos genes através dos mecanismos epigenéticos, quais são as possíveis consequências, em longo prazo, do mito do amor romântico? E se os processos epigenéticos desempenham um papel importante nos transtornos psiquiátricos e as patologias amorosas (as feridas sentimentais) podem virar problemas de saúde mental, é possível estabelecer uma relação entre ambos? Como não há estudos de coorte longitudinais, nos quais um mesmo grupo de pessoas é observado durante um longo período de tempo, simplesmente ainda não sabemos.

O que sabemos é que as ideias socialmente construídas do amor romântico e do casamento são parte integrante de nosso eu

O que sabemos é que as ideias socialmente construídas do amor romântico e do casamento são parte integrante de nosso eu. Começam na primeira infância e se prolongam ao longo da adolescência e da idade adulta. Digite “amor romântico” no Google para ver o que sai. Conscientemente ou não, desenvolvemos expectativas sobre nossas relações amorosas e tentamos torná-las realidade. Quando essas ideias são inalcançáveis, o estresse é inevitável. E o impacto do estresse em nosso sistema imunológico, em nosso coração e em nossa saúde mental é amplamente comprovado.

Já é hora de deixarmos de buscar um amor fictício. Os atos de amor são tão diversos quanto as pessoas. Frequentemente são prosaicos, mas solícitos. Se acabarmos com o mito do amor romântico, poderemos começar a ter expectativas mais realistas das relações e, com isso, viver vidas mais saudáveis e felizes.

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