Justiça espanhola paralisa a exumação dos restos mortais do ditador Franco
Governo espera retomar “nos próximos meses” a transferência, que estava prevista para segunda-feira
Passados 43 anos do enterro do ditador espanhol Francisco Franco no Vale dos Caídos, e a seis dias da data prevista para sua exumação, o Tribunal Supremo da Espanha paralisou a transferência de seus restos mortais do monumento à sua vitória na Guerra Civil (1936-39), onde repousa desde 1975, para um mausoléu familiar do cemitério de El Pardo, onde jaz sua esposa. Cinco magistrados da quarta turma do tribunal acataram por unanimidade nesta terça-feira um pedido de liminar da família para suspender a operação, na qual o Governo socialista de Pedro Sánchez trabalha praticamente desde que assumiu.
O Supremo considera que manter a exumação sem uma sentença firme sobre o mérito da questão poderia causar um “prejuízo” aos autores do pedido “e especialmente aos interesses públicos encarnados no Estado e em suas instituições constitucionais, os quais se veriam gravemente afetados se, exumados esses restos, o recurso fosse acatado e fosse preciso devolvê-los ao lugar onde se encontram”. É exatamente o que argumentavam os sete netos do ditador, que falavam de “dano irreparável” se a operação seguir adiante. “Nenhuma família deve ser obrigada a passar por duas exumações e três enterros de um de seus seres queridos enquanto não se esgotarem todas as vias jurisdicionais onde possa fazer valer seus legítimos direitos”, dizia o recurso.
O Governo não desiste
O Executivo, porém, não dá o braço a torcer. “A suspensão cautelar implica que o Governo adiará a exumação até que nos próximos meses se dite a sentença sobre o mérito da questão. Não é estranho que o Tribunal Supremo, a pedido de uma das partes, suspenda a execução de uma decisão cuja legalidade ainda tem que ser revista. Obviamente a suspensão cautelar não indica nada sobre o mérito da questão. Na verdade, o Governo está convencido de que o Supremo rejeitará o recurso, como veio fazendo até agora com todos os recursos apresentados pela família Franco”, disse o palácio de La Moncloa em nota. “Alcançar o objetivo final importa mais que todo o caminho que tivermos que percorrer”, declarou a vice-primeira-ministra Carmen Calvo na segunda-feira, 3, diante da possibilidade de que o tribunal suspendesse a exumação
O EL PAÍS revelou os planos da exumação em 17 de junho de 2018, mas o processo se complicou muito mais do que o Governo esperava. A família do ditador e a Fundação Nacional Francisco Franco recusaram em até 14 ocasiões os instrutores do expediente administrativo e, desde que o Executivo confirmou sua intenção de exumar os restos do Vale dos Caídos para transformar o monumento em “um lugar de memória e reconciliação”, impôs todo tipo de obstáculos ao processo, incluindo um pedido de honras militares para o novo enterro e a proposta de realizá-lo na catedral de La Almudena, em pleno centro de Madri.
O Governo havia dado um prazo à família para escolher o novo lugar de sepultamento, mas não previu que os netos pudessem indicar a cripta de La Almudena onde jazem os restos da filha do ditador, que morreu em dezembro de 2017. O Governo enviou um representante ao Vaticano em busca do apoio da Igreja e finalmente alegou razões de ordem pública – “evidentes riscos à segurança pública e à mobilidade” – para vetar a catedral como novo lugar de enterro. O Vale dos Caídos, que fica no município de San Lorenzo del Escorial, a 58 quilômetros de Madri, continua sendo hoje o que Franco queria que fosse: um grande monumento para imortalizar sua vitória na Guerra Civil. Levar seus restos à catedral poderia ser simplesmente transferir o lugar de culto do franquismo a uma zona turística na capital.
A família já tentou paralisar o processo meses atrás, mas o alto tribunal na época rejeitou frear os trâmites, porque o Governo ainda não havia concluído o procedimento administrativo. O Supremo, isto sim, reservou-se a última palavra, ao deixar a porta aberta aos netos de Franco para apresentarem um recurso quando o Executivo terminasse o processo – como afinal ocorreu. Em abril passado, a Justiça pediu ao Governo a ata da reunião do Conselho de Ministros de 15 de março em que se decidiu que a exumação dos restos do ditador e posterior sepultamento no cemitério de Mingorrubio, em El Pardo, teria lugar em 10 de junho. E nesta terça-feira o tribunal finalmente acatou o pedido de liminar da família.
Queixa pela imparcialidade do juiz Requero
A Associação para a Recuperação da Memória Histórica apresentou nesta segunda-feira uma queixa ao Poder Judiciário por entender que um dos magistrados, José Luis Requero, não era imparcial, pois se manifestou anteriormente contra a chamada memória histórica e mantém uma relação de amizade com o advogado Santiago Milans de Bosch, que colabora com a Fundação Franco. Membros da plataforma intitulada Nem Vale nem Almudena, que agrupa uma centena de entidades, convocaram um protesto nesta terça em frente à sede do Supremo. “Cada dia que Franco passa em Cuelgamuros [o vale onde fica o monumento franquista] representa um insulto à sociedade espanhola e à democracia”, afirmam.
A proposta de exumar os restos do ditador para transformar o Vale dos Caídos – uma anomalia internacional, segundo os relatores da ONU que o visitaram – em um lugar de memória foi aprovada duas vezes no Congresso dos Deputados. Em 2017, por 198 votos a favor e 140 abstenções, e em 2018, por 172 votos a favor, 164 abstenções (do PP e Cidadãos) e dois contra (de deputados do PP que disseram ter se enganado).
Sepultado sob uma laje de 1,5 tonelada, com flores frescas colocadas diariamente sobre sua tumba, Franco resiste no monumento aos caídos, a maior vala comum da Espanha, onde foram enterrados sem consentimento familiar centenas de republicanos exumados de fossas e valas espalhadas por todo o território nacional.
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