Indígenas em Brasília: “Desta vez, não trouxemos nem as crianças e nem idosos”
Acampamento Terra Livre começa com clima tenso, mas pacífico. Primeiro dia foi marcado pela negociação sobre onde o evento poderia ocorrer
Em frente ao prédio da Agência Nacional de Mineração, três filas foram formadas em torno de contêineres e de um caminhão pipa. Com toalhas e sabonetes na mão, indígenas de diversas etnias do Brasil aguardavam sua vez para o banho no final da tarde desta quarta-feira em Brasília. Desde a madrugada, o concreto modernista da cidade abriu espaço para centenas de barracas e lonas que formaram o 15º Acampamento Terra Livre (ATL), realizado anualmente na capital federal para chamar a atenção para as pautas indígenas.
Logo pela manhã e já sob um sol forte, lideranças que montavam suas barracas em frente ao Congresso Nacional foram surpreendidas por policiamento pesado, com cavalaria, helicóptero e dezenas de agentes. Embora preparados, tendo a tensão como pano de fundo do encontro depois que o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, autorizou o uso das Força Nacional nas intermediações do evento, os organizadores não imaginavam que o ato repressivo ocorreria logo na manhã do primeiro dia.
Um coronel da Polícia Militar atravessou a rua que separava o lago do Congresso do gramado do acampamento para explicar, contudo, que tratava-se apenas das solenidades de abertura da Operação Tiradentes, iniciada nesta quarta-feira para reforçar a segurança em todo o país, e teoricamente, sem relação com o encontro indígena. Pediu que ninguém se alarmasse. Passado o susto, iniciaram-se as negociações. Até a manhã desta quarta, o local onde ocorreria o acampamento não havia sido divulgado, por questões de segurança. Enquanto indígenas fincavam as estacas no gramado, lideranças negociavam com autoridades, que não queriam que o evento ocorresse ali.
A proposta dos oficiais era que o encontro fosse no Memorial dos Povos Indígenas, a quase cinco quilômetros dali. As lideranças não queriam ir para um local tão longe. “Queriam jogar a gente lá no memorial, mas ali não tem visibilidade”, afirmou, mais tarde, Paulo Tupiniquim, do Espírito Santo. Após quase uma hora de conversa, o consenso foi que o encontro ocorreria atrás do Teatro Nacional, a menos de dois quilômetros dali. Pacificamente, os índios levantaram acampamento e levaram suas barracas até o novo local.
No caminho, o cacique Bruno Guajajara contou que a tensão deste ano estava maior do que nas edições anteriores do evento. “Desta vez, não trouxemos nem as crianças e nem idosos”, disse. “Em 2017 já foi bem tenso e depois disso decidimos não arriscar mais”. A tensão era consenso entre os participantes. “A gente não vai se render à ameaça de governo autoritário nenhum”, disse a líder Sônia Guajajara, que foi candidata a vice-presidenta na chapa do PSOL no ano passado. “O mundo está de olho no Brasil e nos povos indígenas. Fomos os primeiros a serem atacados em janeiro de 2019, mas também fomos os primeiros atacados em 1500. Vamos resistir”.
Sem a Força Nacional
Antes da abertura do encontro, lideranças se reuniram com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e a frente parlamentar mista em defesa dos direitos dos povos indígenas. Na audiência, os indígenas entregaram um pedido para que o Congresso Nacional não aprove a Medida Provisória (MP) que tira da Funai a competência de demarcar terras e passa para as mãos do ministério da Agricultura. A MP também tira a Funai da estrutura do Ministério da Justiça e a coloca na pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Essa é uma das principais reivindicações do ATL deste ano.
Realizada a cerimônia de abertura do acampamento, as danças e cantos de diversas etnias por todo o país — e após o banho — uma marcha seria realizada até o Supremo Tribunal Federal (STF). Ali, está programada uma vigília com danças e rituais. Nesta quinta-feira, é a vez de a Câmara dos Deputados receber uma audiência com as lideranças. Os organizadores esperam que cerca de 4.000 índios passem pelo acampamento, que termina na sexta-feira. Embora o decreto que permite o uso da Força Nacional tenha sido assinado na semana passada, nenhum oficial participou do policiamento neste primeiro dia e a patrulha foi feita somente por policiais militares.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.