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A cidade onde metade da população depende da Previdência (e que atrai idosos pela qualidade de vida)

Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, é uma das facetas dos brasis do futuro. No caso, do estrato mais rico que envelhece. Mas mesmo dentro de uma bolha econômica, a cidade já enfrenta os desafios de uma população que se torna cada dia mais velha. Gastos com saúde estão acima da média nacional e seguem crescendo

Os aposentados Silva e Vilimar Sabin estão de mudança para Nova Petrópolis para tentar uma vida mais tranquila.
Os aposentados Silva e Vilimar Sabin estão de mudança para Nova Petrópolis para tentar uma vida mais tranquila.Tânia Meinerz

A cidade gaúcha de Nova Petrópolis, a 90 km de Porto Alegre, é hoje um dos possíveis retratos do Brasil do futuro. Não pelo avanço tecnológico e, menos ainda, pela arquitetura - dominada por construções germânicas do estilo enxaimel - herdada da colonização alemã. O que a torna futurista é o fato de concentrar uma população grande de idosos e aposentados. Atualmente, metade da população, estimada em 21.156 habitantes, recebe algum benefício previdenciário, seja ele aposentadoria, pensão, auxílio ou assistencial. Em outras palavras, metade da cidade depende do caixa da Previdência. Segundo a prefeitura, pelo menos 20% da população possui mais de 60 anos, um número superior à média brasileira, que no ano passado foi de 13%.

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Basta dar uma volta nas principais ruas e na praça central da cidade para constatar que são muitas as pessoas de mais de 60 anos que circulam no local. E elas não estão apenas nas vias e calçadas, mas também trabalhando dentro dos negócios e comércios do município que é famoso por produzir malhas e calçados. Dono de uma loja de variedades, Inácio Geraldo, de 70 anos, se aposentou aos 55 anos, após completar 37 anos de contribuição no regime geral do INSS, mas nunca pensou em parar de trabalhar. “Tenho vontade de seguir [trabalhando] até quando eu conseguir. Não dá para viver apenas da aposentadoria. Grande parte dela vai embora só com meu plano de saúde, por isso continuo fazendo meu pé-de-meia para os anos que já não vou conseguir tocar minha loja”, diz. Geraldo ressalta que o serviço de saúde da cidade é bom, mas mais voltado à prevenção. “Quando necessitamos algo mais específico precisamos ir a uma clínica privada ou para outra cidade”, diz Geraldo.

Hoje, Nova Petrópolis é uma das facetas dos brasis do futuro. No caso, do estrato mais rico que envelhece. Um local com renda mensal per capita de 2,5 salários mínimos (o que representa atualmente 2.495 reais), segundo dados do IBGE (2016). É praticamente três vezes mais que a renda mensal de 50% dos trabalhadores brasileiros que recebem, em média, 15% a menos que um salário, o equivalente a 848 reais por mês. O desemprego não é uma preocupação na cidade gaúcha, que tem um número reduzido de pessoas pobres - com renda familiar menor que 140 reais -, ou apenas 1,27%.

A professora aposentada Mônica Tavares, de 62 anos, se mudou para Nova Petrópolis em busca de tranquilidade e uma melhor qualidade de vida.
A professora aposentada Mônica Tavares, de 62 anos, se mudou para Nova Petrópolis em busca de tranquilidade e uma melhor qualidade de vida.Tânia Meinerz
Além da maior taxa de longevidade do Rio Grande do Sul, o envelhecimento do município se dá também pela chegada de idosos de outros lugares em busca de qualidade de vida

Mesmo dentro de uma bolha econômica, a cidade já enfrenta os desafios de uma população que se torna cada dia mais velha e acumula um grande número de aposentados, incluindo os moradores novos, principalmente idosos, que se mudam para Nova Petrópolis em busca de uma melhor qualidade de vida. O município tem uma cobertura de 100% de atenção primária na saúde, realizada em sete unidades básicas, e algumas especialidades de média complexidade. Os casos mais complexos, no entanto, são encaminhados para Caxias do Sul ou outros centros de referência. “Mas se a população continuar crescendo, não sei até quando o município consegue suportar. Hoje, a cidade gasta 23,85% da arrecadação em saúde e o mínimo é 15%. Já estamos acima e muito pela demanda. Precisamos manter um nível de prevenção de saúde para não demandar ainda mais gastos”, diz a secretária Municipal de Saúde e Assistência Social, Andréia Frota. Atualmente, Nova Petrópolis tem uma demanda grande nas especialidades de oftalmologia, ortopedia e cirurgia vascular que, no momento, não consegue ser suprida.

Com a reforma da Previdência na mesa de discussões, o Brasil tem sido obrigado a calcular os riscos de colapso em serviços essenciais como a saúde caso não haja mudanças no sistema de aposentadoria. Com mais velhos do que jovens, haverá menos trabalhadores na ativa para contribuir com a arrecadação para serviços públicos. Segundo Pedro Nery, autor do livro Reforma da Previdência. Por que o Brasil não pode esperar, os brasileiros têm um sistema de Previdência e de saúde financiados pela contribuição de trabalhadores na ativa. Essa equação, porém, pode gerar um problema para o financiamento do Estado. "Sem uma reforma da Previdência devemos ter um colapso cada vez maior de diversas políticas públicas", diz. A saúde deve ser duplamente penalizada, já que compete por recursos com a Previdência e, também, porque enfrentará maior demanda com o envelhecimento. "Essa é uma grande discussão que não estamos fazendo. O Sistema Único de Saúde (SUS) vai piorar muito, mas muito mesmo, nos próximos anos", explica.

Mas em Nova Petrópolis, trabalha-se para postergar a demanda por serviços de saúde. Com ajuda dos moradores, a cidade realiza atividades sociais e de recreação – como danças, passeios, voluntariado — para incentivar seus moradores a ter uma vida ativa e melhor. Hoje há seis seis asilos no município gaúcho, todos privados. “Não há recurso para uma casa asilar pública”, explica Frota. Apesar da cidade ser uma referência para quem busca esses lares, eles só atendem pessoas com um poder aquisitivo mais alto capaz de pagar mensalidades fixas que custam, no mínimo, 3 salários mínimos.

Se a cidade garante uma infraestrutura para atender e atrair moradores mais velhos, por outro lado vive a diáspora de uma grande parte dos jovens nascidos ali. Eles buscam educação superior e melhores oportunidades de trabalho em cidades maiores, como Caxias do Sul ou na própria capital. Assim, Nova Petrópolis vive uma metamorfose da faixa etária de sua população. Essa mudança é testemunhada pelo lojista Inácio Geraldo. “Imagina que eu tenho oito irmãos, mas tive quatro filhos e os que me deram netos tiveram apenas dois”, completa. A tendência de queda na chamada taxa de fecundidade observada por Geraldo é mundial, mas foi relativamente abrupta no Brasil. Em 1960, as mulheres tinham, em média, 6,3 filhos ao longo da vida. O número se reduziu rapidamente no país e, em 2010, ele já era menor que a taxa de reposição da população que é de 2,1. Isso significa que, nos próximos anos, a população brasileira vai parar de crescer e envelhecer. É esse o alerta que os especialistas em Previdência tem levantado. 

Nova Petrópolis é o microcosmo desse futuro. Além da longevidade dos seus moradores – a maior do Rio Grande do Sul (com uma expectativa de vida de 78,4 anos) —, e da queda na taxa de natalidade, o envelhecimento da população do município se dá também pela chegada de aposentados e idosos de outros lugares que decidem se mudar para a cidade em busca de uma qualidade de vida melhor na pacata localidade incrustada na serra gaúcha e que faz parte da turística “rota romântica”. “Aqui o mundo gira bem mais devagar”, brinca a professora aposentada Mônica Tavares, de 62 anos, que, desde 2016, decidiu deixar a movimentada Porto Alegre para comprar uma casa de madeira pré-fabricada às margens da RS-235, na Linha Imperial, a 10 minutos do centro de Nova Petrópolis. “Percebi que era hora de me mudar para um local onde eu pudesse envelhecer com paz e me sentir um pouco mais segura. Aqui acabo gastando menos e consigo me manter com a aposentadoria”, explica a aposentada que ressalta ter colecionado um número grande de experiências de violência na periferia da capital gaúcha.

Nova Petrópolis possui uma arquitetura marcada por construções germânicas do estilo enxaimel - herdada da colonização alemã.
Nova Petrópolis possui uma arquitetura marcada por construções germânicas do estilo enxaimel - herdada da colonização alemã.Tânia Meinerz

O bancário aposentado Vilimar Sabin, de 73 anos, pretende traçar caminho semelhante. Desde março, ele e a mulher estão hospedados em um flat para “testar” a vida na cidade que fica a 30km da turística Gramado, e é mais fria que a capital gaúcha. “Viemos de Porto Alegre atrás de tranquilidade, mas queremos ver se aguentamos o inverno daqui”, conta Sabin sentado em um dos bancos da praça principal, completamente florida.

Aposentados precoces

No caso de Nova Petrópolis, a grande quantidade de beneficiários da Previdência também tem outra particularidade. Nem todos são necessariamente pessoas idosas. Muitos conseguem a aposentadoria por tempo de contribuição antes dos 60 anos -, o que é comum em Estados mais ricos, que possuem mais trabalhos formais, como no Rio Grande do Sul. Já em Estados mais pobres, como os do Nordeste, se concentram um número maior de benefícios por idade mínima - hoje de 60 anos para mulheres e 65 anos para homens- e de menor valor. Esses lugares ainda recebem uma quantidade menor de benefícios, porque ainda estão atrás na transição demográfica.

De acordo com Nery, Estados mais ricos recebem benefícios de maior valor e em maior quantidade (mais idosos). Por sua vez, os mais pobres recebem benefícios menores (semi-contributivos, como a aposentadoria rural) e em menor quantidade (possuem mais jovens e menos idosos). “A Previdência é hoje de fato uma grande máquina de distribuir renda, mas não necessariamente para os mais pobres”, ressalta o especialista.

Os aposentados Iria e Jurandir dos Reis continuam trabalhando no campo para complementar a renda familiar.
Os aposentados Iria e Jurandir dos Reis continuam trabalhando no campo para complementar a renda familiar.Tânia Meinerz

No campo é preciso continuar a trabalhar

Atualmente, 20% dos mais de 10.000 beneficiários da Previdência no município recebem a aposentadoria rural, muitos deles como agricultores familiares, no valor de um salário mínimo (954 reais). Segundo o Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares da cidade, eles possuem 1.800 associados, sendo 70% deles aposentados e que, em sua maioria, continua trabalhando. É o caso de Romeu Grings, de 63 anos, que começou a receber sua aposentadoria em 2018, mas sabe que seu destino será trabalhar enquanto puder em sua granja de engorda de frangos, na zona rural do município. O salário mínimo não é suficiente para sustentar os gastos da casa e da mulher internada em uma clínica privada há três anos após apresentar um quadro de hidrocefalia. A aposentadoria dos dois não consegue cobrir a despesa fixa de três mil reais do valor da instituição médica e dos remédios. “Se eu não trabalhar não dá. Preciso me virar, porque não posso contar com o serviço público para ajudar minha mulher”, diz desolado.

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