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José, 82 anos, duas aposentadorias e trabalhando. O retrato do Brasil que envelhece

País tem mais de 7,5 milhões de idosos na ativa e número deve crescer com as mudanças na Previdência. Entre 2012 e 2018, total de brasileiros que tinham 60 anos ou mais saltou de 6,5% da força de trabalho para 8,1%

José Aloysio Neumann, de 82 anos, trabalha diariamente em sua corretora de seguros.
José Aloysio Neumann, de 82 anos, trabalha diariamente em sua corretora de seguros.Tânia Meinerz
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Aos 82 anos e com duas aposentadorias, o corretor José Aloysio Neumann não pensa em parar de trabalhar. Dono de uma corretora de seguros em Nova Petrópolis, uma cidade pacata de 20.000 habitantes no Rio Grande do Sul, ele credita sua vitalidade ao fato de acordar cedo e, diariamente, ir ao escritório que possui na parte de baixo da casa em que mora há décadas com a esposa. "Eu continuo para não ficar parado, os aposentados que não fazem nada não duram", explica. Apesar de estar no ramo há 60 anos, sua experiência profissional é variada: já teve um emprego em um escritório de contabilidade, foi vendedor de carros e juiz de paz do Estado.

Sua relação com o trabalho começou cedo. Dos 10 aos 14 anos, quando se preparou para a vida religiosa, precisava trabalhar na limpeza da instituição onde estudava. O período gasto para custear sua formação acabou sendo computado como tempo de serviço para a aposentadoria e Neumann se aposentou, precocemente, aos 47 anos. Nessa época, ele já atuava também como juiz de paz, celebrando casamentos no cartório de Registro Civil que ficava a poucos metros de sua casa. O cargo fez com que décadas mais tarde, o corretor se aposentasse novamente, agora por outro regime, como servidor do Estado. "É um valor baixo que ganho, mesmo tendo dois benefícios, não é muita coisa. Claro que tudo também depende do nível de vida de cada um. Mas hoje tenho um gasto fixo grande com meu plano de saúde", conta o aposentado, que sabe que o acúmulo de benefícios pode estar com os dias contados para novos beneficiários caso a reforma da Previdência, apresentada pelo Governo de Jair Bolsonaro, seja aprovada.

José Aloysio Neumann, de 82 anos, guarda em um cofre sua antiga carteira profissional onde está registrado que trabalha de corretor desde 1959.
José Aloysio Neumann, de 82 anos, guarda em um cofre sua antiga carteira profissional onde está registrado que trabalha de corretor desde 1959.Tânia Meinerz

Nos últimos anos, Neumann foi diminuindo o ritmo de visitas às casas de possíveis novos clientes e começou a ver a praticidade nas negociações via celular. "O certo é o corretor correr atrás, mas já tenho minha clientela. Hoje o pessoal quer conversar tudo pelo celular. Nem quer ver a cara. O bom é que os clientes já te procuram um pouco mais decididos, só te perguntam o preço", diz. Enquanto a saúde permitir, a ideia de Neumann é seguir essa rotina. "Imagina que, neste ano, já faço 35 anos desde que me tornei um aposentado. Já tenho os anos para me aposentar como aposentado", brinca.

Seguir na ativa, porém, nem sempre acontece por vontade e escolha do aposentado. Muitos precisam continuar no mercado de trabalho para conseguir fechar as contas no fim do mês. A realidade brasileira mostra que o valor médio das aposentadorias do regime geral é baixa e varia entre Estados mais ricos e mais pobres. No INSS do setor privado, a maior parte dos beneficiários, 83,4%, recebe menos de dois salários mínimos. A busca por um complemento de renda pode ser uma das explicações para o crescimento do número de idosos e aposentados na força de trabalho brasileira. Em 2012, 6,5% dos trabalhadores brasileiros tinham 60 anos ou mais. Em seis anos, este índice saltou para 8,1%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). São mais de 7,5 milhões de idosos trabalhando e essa conta deve subir com a mudança demográfica do país.

Há 5 anos aposentado, o sonho de deixar de trabalhar continua distante de Jurandir dos Reis, de 66 anos. O benefício rural é de apenas um salário mínimo, o que não consegue cobrir seus gastos.
Há 5 anos aposentado, o sonho de deixar de trabalhar continua distante de Jurandir dos Reis, de 66 anos. O benefício rural é de apenas um salário mínimo, o que não consegue cobrir seus gastos.Tânia Meinerz

"Esse aumento do número de idosos no mercado de trabalho dialoga com dois pontos: o aumento da população com mais de 60 anos no Brasil e também este momento de crise econômica que estamos vivendo nos últimos anos",  explicar Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE). Na avaliação de Azeredo, a tendência é que o número de pessoas com mais de 60 anos no mercado continue aumentando. "Além do movimento de envelhecimento da população, as novas regras da Previdência, caso sejam aprovadas, não permitirão aposentadorias precoces", completa.

Aposentado há cinco anos, o sonho de deixar de trabalhar continua distante para Jurandir dos Reis, de 66 anos. A aposentadoria rural mensal de 998 reais não consegue cobrir nem os 1.113 reais que gasta com o plano de saúde. "Nos últimos anos passei por quatro cirurgias, então não quero abrir mão do meu plano e contar apenas com o SUS", diz Rei, apontando para uma cicatriz do lado esquerdo da boca, de onde foi retirado um tumor. Para que as contas da casa em que vive com a mulher aposentada, a sogra, de 94 anos, o filho e uma nora, fechem no azul, ele e a família precisam trabalhar na horta que fica no fundo do terreno onde produzem aipim, hortelã, coentro, salsinha, milho, batata doce, entre outros alimentos. Duas vezes por semana, o filho leva parte dos produtos para serem vendidos na Ceasa (Centrais de Abastecimento) do Rio Grande do Sul, que fica na capital gaúcha, a 90 km de Nova Petrópolis. O que não é vendido vai geralmente para o lixo.

As marcas de sol no corpo e os calos nas mãos do aposentado denunciam que o trabalho, que começa às vezes antes do sol raiar, é penoso. "Faça um calorão ou muito frio não temos descanso. Precisamos irrigar, capinar, colher e plantar no ritmo da natureza", conta Reis ao dirigir um quadriciclo com uma caçamba de madeira pelas suas plantações em uma manhã ensolarada de março. Desde jovem trabalhando no campo, Reis trocou apenas alguns anos da sua vida rural pela legislatura. Foi vereador da cidade de Nova Petrópolis entre 1997 e 2000, mas não conseguiu que o tempo de contribuição no cargo político aumentasse um pouco o valor do seu benefício previdenciário. "O jeito é ir trabalhando e me adaptando às mudanças do campo, que vai ficando cada dia mais velho. A 'gurizada' quase toda já não quer ficar aqui na roça", diz.

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