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Bolsonaro concede indulto de Natal a policiais e outros agentes presos

Com benefício a condenados por “excesso culposo", presidente faz aceno à base em meio à crescente violência policial. Mandatário sofreu acidente doméstico e ficará em observação em hospital

O presidente Bolsonaro participa de cerimônia de Natal no Palácio do Planalto, no dia 19.
O presidente Bolsonaro participa de cerimônia de Natal no Palácio do Planalto, no dia 19.ADRIANO MACHADO (Reuters)
Felipe Betim
Rio de Janeiro -

O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta segunda-feira um decreto que concede indulto nataliano a policiais, militares do Exército e outros agentes de segurança pública que foram presos e condenados por terem “crimes culposos ou por excesso culposo”, segundo confirmou o Palácio do Planalto em nota. Isso significa que serão beneficiados aqueles agentes condenados por crimes “no exercício da função ou em decorrência dela”, sem intenção. O texto foi construído em conjunto com o Ministério da Justiça, chefiado pelo ex-juiz Sergio Moro, e será publicado nesta terça no Diário Oficial. Segundo o jornal O Globo, serão beneficiados os condenados que cumpriram ao menos um sexto da pena.

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Assim, Bolsonaro faz aceno à sua base após ter sido derrotado na votação do Pacote Anticrime na Câmara dos Deputados, que excluiu o trecho que ampliava o excludente de ilicitude. O Governo também espera pela tramitação de outro Projeto de Lei que isenta de punição os militares e agentes que atuam em operações sob o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Além disso, o indulto concedido a policiais vem em um momento de crescente violência policial. Segundo os dados mais recentes, os números de mortes cometidas por agentes públicos cresce em todo o Brasil, sendo o Rio de Janeiro o caso mais visível. Especialistas acreditam que a retórica tanto do presidente como do Governador Wilson Witzel acabam incentivando ações ilegais.

Em nota, o Planalto informa que o decreto também indultará os agentes ― policiais federais, policiais civis, policiais militares, bombeiros, entre outros ― que, “no exercício da função ou em decorrência dela, tenham sido condenados por atos praticados, ainda que no período de folga, com o objetivo de eliminar risco existente para si ou para outrem”. A Presidência da República justifica esse critério devido ao “risco inerente à profissão, que os expõem constantemente ao perigo; e pelo fato de possuírem o dever de agir para evitar crimes mesmo quando estão fora do serviço”.

Por fim, o decreto ainda beneficia os militares das Forças Armadas que estavam agindo em operações de GLO e “tenham cometido crimes não intencionais em determinadas hipóteses”.

O Planalto ressalta que não estão contemplados os agentes condenados “por crimes hediondos, tortura, crimes relacionados com organizações criminosas, terrorismo, tráfico de drogas, pedofilia e corrupção”. Também não alcança “condenados que tenham praticado infrações disciplinares graves, que tenham sido incluídos no regime disciplinar diferenciado em qualquer momento do cumprimento da pena ou que tenham descumprido as regras fixadas para a prisão albergue domiciliar ou para o livramento condicional”. E, finalmente, “não é extensível às penas acessórias do Código Penal Militar, aos efeitos da condenação (como, por exemplo, a reincidência) e à pena de multa”.

Promessa de isentar agentes

Bolsonaro foi eleito em 2018 prometendo ampliar o chamado excludente de ilicitude para policiais e outros agentes da segurança pública. Trata-se de um instrumento previsto no artigo 23 do Código Penal que exclui a culpabilidade de condutas ilegais em determinadas circunstâncias. Neste ano, o ministro Sergio Moro apresentou um pacote Anticrime que excluía a culpabilidade de policiais que alegassem “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Este trecho acabou ficando fora do projeto final aprovado na Câmara dos Deputados no início deste mês.

Contudo, Bolsonaro insistiu em sua promessa e apresentou no último mês outro Projeto de Lei que busca isentar de punição os militares, policiais federais e agentes da Força Nacional (formada por policiais de vários Estados) que cometam excessos ou matem durante operações sob o decreto presidencial de GLO. O indulto concedido nesta segunda segue os mesmos critérios do projeto apresentado. “Não adianta alguém estar muito bem de vida se está preocupado com medo de sair na rua com medo de ladrão de celular. Ladrão de celular tem que ir para o pau”, justificou Bolsonaro na ocasião.

O mandatário também alertou que o projeto ajudaria na repressão de protestos violentos. “Vai tocar fogo em ônibus, pode morrer inocente, vai incendiar bancos, vai invadir ministério, isso aí não é protesto. E se tiver GLO já sabe. Se o Congresso nos der o que a gente está pedindo, esse protesto vai ser simplesmente impedido de ser feito”. Naquelas semanas, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho zero três do presidente, defendeu um novo AI-5 ― o decreto da ditadura militar (1964-1985) que institucionalizou o terror cometido pelo Estado ― no Brasil caso houvesse radicalização de protestos de ruas, como no Chile. Ameaça que foi repetida em seguida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Em outras ocasiões, Bolsonaro também afirmou que o policial que mata em serviço deveria ser condecorado. Ao lançar uma campanha publicitária sobre o Pacote Anticrime, o mandatário de extrema direita afirmou que um alto número de autos de resistência “é sinal de que o policial trabalha”. Quando era deputado, chegou a defender a legalização de milícias e grupos de extermínio.

O indulto concedido a policiais vem em um momento de crescente violência policial. Segundo os dados mais recentes, os números de mortes cometidas por agentes públicos cresce em todo o Brasil. O Rio de Janeiro é o caso mais visível. Especialistas acreditam que a retórica tanto do presidente como do Governador Wilson Witzel acabam incentivando ações ilegais.

Além disso, Bolsonaro prega licença para matar quando o contexto geral já é de impunidade: no mesmo Rio, as ações policiais raramente passam pelo escrutínio das autoridades competentes, seja a Polícia Civil ou o Ministério Público, quando resultam em mortes. Ao menos três estudos e relatórios recentes indicam que mais de 90% dos autos de resistência — como são chamadas as mortes cometidas por agentes de Estado durante uma operação — não são investigados ou acabam arquivados.

Reafirmado a tradição do indulto presidencial no Natal ― um poder conferido pelo artigo 84 da Constituição ―, o Planalto também informa que serão beneficiadas as pessoas “que já não oferecem mais perigo ao retorno à vida em sociedade” e que, posteriormente à pratica do delito, “tenham sido acometidas por paraplegia, tetraplegia ou cegueira; sejam portadoras de doença grave permanente que imponha limitações severas; estejam gravemente doentes, em estágio terminal”.

Presidente sofre acidente doméstico

No final da noite desta segunda, a assessoria de imprensa da presidência informou que Bolsonaro sofreu um acidente doméstico. De acordo com nota, o presidente caiu no Palácio do Alvorada, residência oficial, e foi levado para o Hospital das Forças Armadas em Brasília. Não há maiores informações sobre as circunstâncias da queda. A presidência diz ainda que Bolsonaro “foi submetido ao exame de tomografia computadorizada do crânio, que não detectou alterações". Na manhã desta terça-feira o presidente recebeu alta hospitalar, após ficar um período em observação.

Colaborou Afonso Benites

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