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Protestos voltam à Tunísia depois de jovem jornalista se suicidar em praça pública

Aberrazak Zorgui ateou fogo em seu corpo em protesto contra a pobreza no berço da Primavera Árabe No primeiro semestre de 2018, país teve 281 suicídios ou tentativas de suicídio por motivação econômica

Enfrentamento entre a polícia antidistúrbios e manifestantes na terça-feira em Kasserine (norte da Tunísia). 
Enfrentamento entre a polícia antidistúrbios e manifestantes na terça-feira em Kasserine (norte da Tunísia). Amine Ben Aziza (REUTERS)

”Hoje decidi desencadear uma revolução ... Estou cansado de promessas quebradas", disse Abderrazak Zorgui olhando para a câmera em uma mensagem gravada na segunda-feira e postada logo em seguida nas redes sociais. Vinte minutos depois, ele se matou. Zorgui, um jovem jornalista em situação precária, morreu por causa de queimaduras enquanto estava sendo tratado no hospital. Com sua ação trágica pretendia imitar Mohamed Bouazizi, o vendedor ambulante cujo suicídio deu início à revolução de 2011. A poucos dias do oitavo aniversário da fuga do ditador Ben Ali sátrapa, a agitação social aumentou rapidamente na Tunísia.

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A decisão de Zorgui, 32 anos, não correspondeu somente ao desespero causado pela sua situação, mas tinha uma motivação política marcada pelo sofrimento de toda uma geração de jovens desempregados sem perspectivas de futuro. "Há pessoas que não têm absolutamente nada. Há regiões sem um tostão. Há gente que está morta mesmo estando viva", diz ele em seu vídeo, postado em redes sociais e amplamente compartilhado. "Vou protestar sozinho. Vou me imolar e, se alguém puder encontrar um trabalho graças a mim, ficarei feliz ... Talvez o Estado reaja", acrescenta.

Ele se suicidou na Praça dos Mártires, na cidade de Kasserine, capital de uma das províncias mais pobres do país. Precisamente em uma região vizinha, Sidi Bouzid, com uma problemática social parecida, foi onde surgiu a primeira centelha revolucionária em 2011. A morte de Zorgui provocou uma reação de ira entre os jovens em Kasserine, com confrontos com a polícia nos dois últimos dias. Segundo fontes policiais, cerca de trinta pessoas foram presas. Embora em menor intensidade, também houve distúrbios nas áreas de Teburba e Jebeniana, onde um rapaz tentou se imolar, mas outros manifestantes o impediram.

A enorme desigualdade entre as províncias costeiras e o interior do país foi um dos detonantes da revolta contra o regime de Ben Ali, cuja propagação a outros países da região levou à chamada "Primavera Árabe". Apesar do sucesso da transição para a democracia na Tunísia, os habitantes das áreas e bairros marginalizados reclamam que nada mudou para eles depois da revolução. Em lugares como Kasserine, a taxa de desemprego entre os jovens é superior a 50%, dobrando a média nacional.

A ação desesperada de Zorgui não é um caso isolado. Nos primeiros seis meses de 2018 houve 281 suicídios ou tentativas de suicídio, segundo a fundação FTDES. Na maioria dos casos, os autores eram homens entre 26 e 35 anos e sua motivação era econômica ou social. Nos últimos oito anos, dezenas de jovens tentaram imitar Buazizi ateando fogo ao próprio corpo. "Este é um suicídio de protesto. Sem atenção ou apoio do Governo, partidos políticos ou sindicatos, muitos jovens se sentem completamente desamparados e consideram que seu corpo é seu único recurso para o protesto", diz o sociólogo Abdesattar Sahbani, especializada em suicídios.

O mês de janeiro costuma ser o mais "quente" na Tunísia. No ano passado, o Governo baixou o toque de recolher para impedir uma onda de protestos sociais que levaram a tumultos noturnos em várias cidades. Este ano, a mesma situação pode se repetir, talvez agravada, já que a temperatura social ficou superaquecida nas últimas semanas.

Além das várias greves setoriais – advogados, professores, transportadores –, há a convocação de uma greve geral para 17 de janeiro pelo todo-poderoso sindicato da UGTT. Se às mobilizações nas ruas de jovens desempregados se somar o poder organizacional da central sindical, o Governo ficará sob forte pressão, abrindo uma crise política com consequências imprevisíveis.

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