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O flerte com o horror que adiou em um dia a final da Copa Libertadores

O mundo esperava o extraordinário de River x Boca, mas foi testemunha do comum nos estádios de Buenos Aires

Torcedores do River enfrentam a polícia antidistúrbios no sábado em Buenos Aires.Foto: atlas | Vídeo: S. P. (AP) | ATLAS

Bem-vindos ao futebol argentino, bem-vindos à sociedade argentina, bem-vindos à polícia argentina. E bem-vindos, também, à Conmebol, essa organização tão inimaginável que não teria sido inventada por Gabriel Garcia Márquez e o restante da literatura fantástica sul-americana. O mundo esperava o extraordinário, a final das finais, a selvageria bem entendida, mas foi testemunha do comum nos estádios de Buenos Aires e arredores: o flerte com o horror. O que parecia apaixonante do fanatismo genuíno do torcedor e do jipe do turista, o parque Kruger do futebol, adiou em um dia o começo da final da Copa Libertadores.

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Se em 2015 dois torcedores do Boca jogaram gás de pimenta nos jogadores do River no intervalo da disputa das oitavas de final da Copa Libertadores, se há um mês um torcedor do San Martín de Tucumán foi assassinado pela torcida do Boca em Formosa, e se na quarta-feira os torcedores do All Boys (uma equipe da Terceira Divisão) fizeram com que os policiais recuassem através de pauladas e agressões — e são exemplos ao azar —, por que deveria surpreender que um punhado de torcedores do River atacasse a pedradas os jogadores do Boca quando chegavam ao Monumental para jogar a partida do século?

O superclássico argentino mais determinante da história, a final jamais imaginada, deveria começar às 17h locais (18h de Brasília), mas nessa hora o capitão do Boca, Pablo Pérez, com outro jogador, Gonzalo Lamardo, entrava em um hospital próximo ao estádio Monumental para tentarem se recuperar dos cortes que receberam após o selvagem ataque dos torcedores do River quando o ônibus que levava o elenco chegava a Núñez. Não foram os únicos jogadores feridos: outros colegas disseram ter ficado machucados e imagens filmadas dentro do ônibus comprovam como alguns vidros estavam quebrados.

A Conmebol primeiro anunciou que o começo do jogo atrasaria uma hora e depois o postergou até às 19h15 locais (20h15 de Brasília), enquanto os arredores do Monumental eram um campo de batalha. Assim como os jogadores do Boca foram vítimas da barbárie desse grupo de torcedores, os adeptos do River também receberam a ferocidade da polícia argentina.

A entrada dos espectadores, mesmo sem incidentes, foi feita a golpes de cassetete e gases lacrimogêneos das autoridades de segurança, até mesmo a 500 metros do estádio. Grades derrubadas e torcedores chorando, não importa se crianças e mulheres, foram um retrato da tarde portenha. Pelo menos não estavam os torcedores visitantes, tal como acontece desde 2013 na Primeira Divisão, apesar do pedido do presidente Macri quando River e Boca se classificaram à final da Libertadores.

O desastroso comportamento de uma parte do público e do operativo de segurança, apesar de contar com 2.000 policiais — nenhum dos quais cobria a entrada dos jogadores do Boca —, frustrou o que parecia o último respiro do futebol argentino. Além da presença do presidente da FIFA, Gianni Infantino, centenas de torcedores do River e espectadores neutros viajaram da Europa para um acontecimento inédito. Muitos diziam antes do jogo que teriam mais oportunidades de voltar a se casar do que presenciar outra final da Libertadores entre Boca e River, rivais há 100 anos.

“Alguns jogadores estavam tossindo, com ânsia de vômito. Minha garganta doía e agora comecei a ter dor de cabeça”, disse Carlos Tévez, no vestiário visitante, enquanto a Conmebol apressava o começo da partida. Porque o show deve continuar, de acordo com o filme mais visto na Argentina nas últimas semanas, o de Freddy Mercury.

Já depois das 19h em Buenos Aires e após muita pressão para que o jogo fosse disputado contra a vontade dos representantes dos dois clubes, a Conmebol anunciou que a partida de volta estava adiada. A partida seria disputada neste domingo às 17h locais, 18h de Brasília, mas, a pedido do Boca Juniors, a Conmebol decidiu suspender a final, com data ainda por se definir.

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