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Embate entre Trump e o número dois da Justiça se torna uma crise institucional nos EUA

Futuro do promotor Rosenstein, decisivo na investigação da trama russa, está em perigo

Amanda Mars
O promotor geral adjunto dos Estados Unidos, Rod Rosenstein, em julho em Washington
O promotor geral adjunto dos Estados Unidos, Rod Rosenstein, em julho em WashingtonAP

O número dois do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Rod Rosenstein, o responsável por supervisionar a investigação da trama russa a cargo do promotor especial Robert Mueller, caminha na corda bamba. Mais do que nunca e com tudo o que isso significa. Nesta segunda-feira, 24, durante algumas horas, Washington submergiu em um de seus peculiares dramas: o promotor geral adjunto se dirigia à Casa Branca para se reunir com John Kelly, chefe de gabinete, e receber algo semelhante à carta de demissão, o que incendiou a imprensa e as redes sociais porque abria uma crise de considerável tamanho: significaria a demissão por parte do Governo do responsável por um processo que tenta esclarecer se ocorreu conivência entre o entorno de Donald Trump e o Kremlin na ingerência eleitoral de 2016, investigações que o presidente chama de “caça às bruxas”.

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Durante o final de semana surgiram informações segundo as quais Rosenstein teria proposto em 2017, em diferentes conversas com membros do Departamento de Justiça e do FBI, gravar Trump para mostrar sua incapacidade como presidente e destitui-lo invocando a 25° emenda da Constituição. O vice-promotor negou esse extremo desde o começo, adiantado em primeiro lugar pelo The New York Times na sexta-feira, 21, que citou diferentes fontes anônimas. Mas no atual clima político de Washington muitos desmentidos não são levados em consideração.

A imagem de Rosenstein e outros funcionários do Departamento de Justiça e do FBI conspirando contra Trump encaixa com o panorama descrito no começo do mês por um funcionário de alto escalão no já famoso artigo anônimo no Times, em que falava de uma espécie de corpo de “resistência” interna que trabalhava secretamente na Administração para boicotar as ideias mais perigosas do mandatário republicano. O texto colocou também que a ideia de expulsar Trump do cargo pela via constitucional chegou a ser considerada. E chovia no molhado: acabavam de ser publicados trechos do último livro do jornalista Bob Woodward, Fear, apontando também a uma espécie de “golpe de Estado administrativo”.

Com esse caldo de cultura, no começo desta segunda-feira, o portal de informação política Axios publicou que o vice-promotor havia apresentado sua demissão “verbalmente”. A maior parte da imprensa relatou depois que se encaminhava à Casa Branca para se demitir. Mas no começo da manhã, um comunicado da porta-voz, Sarah Sanders, apagou o fogo em um breve comunicado em que dizia que “a pedido de Rod Rosenstein, ele e o presidente Trump tiveram uma longa conversa para discutir as recentes informações” e que ambos se reuniriam novamente na quinta-feira, quando o mandatário voltar de Nova York, onde se encontra pela Assembleia das Nações Unidas. A tempestade diminuirá durante algumas horas.

Mas a disputa Trump-Rosenstein não começou há dois dias por conta do artigo. É preciso voltar a mais de um ano atrás, quando o vice-promotor geral decide colocar a investigação da trama russa nas mãos de um renomado jurista: Robert S. Mueller, algo que tirou o presidente do sério e que deu lugar a mais de um ano de investigações sem, até agora, sinais de finalizar em breve. O caso consiste em uma série de ciberataques e campanha de propaganda que os EUA atribuem a Moscou para favorecer a vitória de Trump sobre Hillary Clinton nas eleições presidenciais de 2016, e a dúvida se o círculo do hoje presidente participava de algum modo desse esquema. Rosenstein se transformou no principal responsável dessa investigação em março, quando seu superior, o promotor geral, Jeff Sessions, precisou deixar o processo por mentir no Senado sobre reuniões com o embaixador russo em Washington. As investigações continuaram à época com o diretor do FBI, James Comey, como líder e com Trump cada vez mais irritado.

O assunto deu um giro de oitenta graus em maio de 2017. No começo desse mês, em uma dessas decisões incendiárias, o presidente demitiu Comey. Precisamente, justificou a medida com um relatório de Rosenstein, em que o número dois da Justiça questionava como o diretor dos federais trabalhou com e fechou o caso dos e-mails de Clinton. A medida não poderia despertar mais suspeitas sobre a independência do FBI: ainda que argumentasse outros motivos, a imagem mostrava um presidente dos EUA liquidando o chefe que o investigava.

'Fedor' no Departamento de Justiça

E então Rosenstein, um funcionário com quase três décadas de experiência no Departamento de Justiça, próximo aos republicanos, mas respeitado pelos democratas, mudou o curso dessa história nomeando Muller promotor especial, o que lhe outorga uma ampla margem de manobra para investigar, não somente assuntos relacionados à trama russa, mas qualquer outro suposto crime que encontrar na investigação. Desse trabalho parte, por exemplo, o caso do pagamento a duas mulheres durante a campanha eleitoral para se calarem sobre suas supostas relações sexuais com o à época candidato, o que significa um crime de financiamento ilegal.

Trump bradou inúmeras vezes contra Sessions por sua recusa no caso, origem do poder de Rosenstein no assunto, e em geral contra o Departamento de Justiça. As críticas às vezes vão além da trama russa. No começo do mês, atacou o promotor geral pelas acusações federais contra dois congressistas republicanos que são candidatos à reeleição em novembro. “Duas vitórias fáceis agora em dúvida porque não há tempo suficiente. Bom trabalho Jeff”, escreveu no Twitter. Na sexta-feira, durante um comício no Missouri, prometeu acabar com o “fedor persistente” no Departamento de Justiça.

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