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Corrida contra o tempo após queda de ponte em Gênova: “Cansados, podemos cometer erros”

Principal hipótese é que a estrutura não tenha suportado o peso dos veículos. Pelo menos 39 morreram

Bombeiros e equipes de resgate junto aos restos da ponte que caiu em Gênova.
Bombeiros e equipes de resgate junto aos restos da ponte que caiu em Gênova.STEFANO RELLANDINI (REUTERS)

Mesmo antes de desabar na terça-feira, deixando pelo menos 39 mortos, incluindo três menores, todos em Gênova já olhavam com temor para a imponente ponte Morandi, uma estrutura com 90 metros de altura e mais de um quilômetro de comprimento. Agora, dirigem o olhar com receio para os escombros. “Cedo ou tarde alguma coisa tinha que acontecer. Sempre estava em obras”, é o comentário mais ouvido na cidade nas horas seguintes ao acidente. Enquanto isso, crescem as dúvidas sobre a vulnerabilidade da infraestrutura e a sensação de que a catástrofe poderia ter sido evitada.

Por volta de 11h30 desta terça (hora local), chovia intensamente em Gênova e dezenas de automóveis cruzavam a imensa estrutura que coroava o panorama da cidade quando repentinamente uma parte da ponte veio abaixo, levando 35 veículos consigo, segundo os cálculos dos bombeiros.

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Idriss é um caminhoneiro de Parma que diariamente transporta mercadorias a partir de Gênova. Estava cruzando a ponte quando o instinto lhe fez frear em seco. Viu os primeiros cabos caindo, e depois o piso da ponte. “Aconteceu diante dos meus olhos, não consigo apagar essa imagem, ainda a vejo”, diz. Conseguiu parar bem na beira do abismo. Deu ré até encontrar mais carros, depois desligou o motor e desceu do caminhão. “Outro caminhoneiro deixou o motor ligado e saiu correndo. Com a chuva não se via nada, só gente fugindo enquanto gritava.” Idriss passou a noite, à espera de recuperar seu caminhão, no centro cívico Buranello, um dos albergues improvisados para os quase 500 desabrigados. Junto com Muller Batubitz, um motorista esloveno, que conheceu fugindo da ponte e de quem não se separa, recorda: “Somos afortunados, para nós foi nascer de novo. Dois segundos a mais e não estávamos aqui para contar”.

No mesmo local dorme também Daniele Dubbini. É músico e dirigia pelo viaduto, voltando para casa após um show. “Vi a ponte desabando diante de mim e não entendia bem o que estava acontecendo. Parecia um filme apocalíptico”, afirma, com o semblante cansado. “Todos tentávamos dar marcha à ré, até que vimos que não era possível, então descemos dos carros e começamos a correr enquanto dizíamos a quem encontrávamos para fazer o mesmo.” Relata também o pânico e, em seguida, a solidariedade. “Quando chegamos ao túnel, as pessoas tiravam sua roupa seca para nos dar. Alguns se abraçavam”, diz. “Tive medo até uma hora atrás”, balbucia, antes de ir dormir.

No Buranello dezenas de voluntários levam pizzas e um pouco de massa; distribuem mantas – as temperaturas despencam durante a noite e a umidade dispara em Gênova –, travesseiros e roupas. Também organizam traslados a outros albergues da cidade que ainda têm disponibilidade.

Com a ajuda dos voluntários, Filippo vai se mudar para outro alojamento. “Dou minha casa por perdida. Não sei quando poderei voltar a entrar nela em condições seguras”, afirma, enquanto segura uma sacola com o que, no momento, são todos os seus pertences: duas calças e um par de camisas que pegou às pressas antes de sair para pernoitar fora.

A primeira hipótese é que a estrutura da ponte, uma das artérias nevrálgicas da região, por onde passa diariamente um grande número de pessoas e mercadorias, cedeu por causa do peso dos veículos. Enquanto as causas não são esclarecidas, as equipes de resgates continuaram trabalhando por turnos e sem trégua durante toda a noite. “É importante saber quando parar. Se estivermos cansados corremos o risco de cometer erros”, diz um voluntário da Cruz Vermelha, que prefere não dizer seu nome, enquanto se prepara para ser substituído pelo grupo seguinte e se despede por algumas horas. São 2h da madrugada, e o trabalho continua a toque de caixa.

Bombeiros, voluntários da Defesa Civil e da Cruz Vermelha e equipes da unidade canina dos corpos de segurança se distribuem por turnos para rastrear os escombros e fixar a estrutura da ponte, para evitar novos desabamentos.

A prioridade é encontrar sobreviventes sob os escombros. Entretanto, infelizmente o mais frequente é que voltem com cadáveres. Ao pé das ruínas há uma equipe de psicólogos que durante o dia atendeu feridos e familiares de vítimas e desaparecidos. Também estão lá para prestar apoio às equipes de resgate. Não trabalham em condições simples, e a noite é crítica, recordam. Todos elogiam o trabalho dos outros, e juntos formam uma cadeia de salvamento precisa e impecável. “Os bombeiros são autênticos heróis” diz um voluntário da Defesa Civil, também exausto.

A área tem um constante vaivém de cães de resgate, nos quais todos depositam as esperanças de encontrar possíveis sobreviventes retidos entre os enormes escombros. Guindastes e escavadeiras não param de entrar e sair da área isolada. Emmanuelle Grissi, representante do corpo de bombeiros da região do Piemonte, explica que se trabalha como num terremoto, entrando nos escombros para tentar achar túneis e abrir vias entre os escombros, sem remover as ruínas, para chegar aos sobreviventes. “Trabalharemos 24 horas por dia”, diz, antes de começar a coordenar a instalação de um acampamento de apoio logístico às equipes de emergências. “Estamos nos preparando para continuar trabalhando durante muito tempo.”

O gigantesco vazio deixado pelos quase 200 metros de ponte é quase sinistro, e a estrutura mutilada oferece uma trágica visão panorâmica da cidade. Os imensos guindastes e os grandes helicópteros de resgate que transitam pela área sem cessar parecem diminutos ao lado das ruínas, que se amontoam sobre a estrada que passa sob a ponte, como se fossem uma colossal pilha de papelão amassado. A imagem oferece uma ideia da dificuldade dos trabalhos de retirada dos escombros e busca por vítimas.

Perto dali, um grupo de moradores comenta o desastre. “Cresci aqui e todos aconselhavam a não passar pelo viaduto, porque era perigoso. Meu pai sempre dizia que havia sido mal construído, inadequado para a climatologia daqui”, diz Giordano Liampi. “Fizeram-no assim para economizar ao máximo os recursos”, queixa-se Mariela. “Eu sempre tentava bordear a cidade para não passar por lá”, murmura Illaria. “Se não tivesse caído hoje, cairia dentro de seis meses, um ano, dois…” acrescenta Ahmed.

A cidade de Gênova, rodeada pelo mar e pelos imponentes montes Apeninos, é estreita e comprida. Só duas vias a cruzam de leste para oeste: uma era a autopista do viaduto, e a outra é uma estrada nacional cheia de semáforos. “Quando chegar setembro, os deslocamentos na cidade vão ficar insustentáveis”, diz Luigi Gattaleschi, taxista da cidade, que como a maioria dos genoveses passava várias vezes por dia pela ponte Morandi, “e sempre com bastante respeito”.

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