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Relação entre Rússia e EUA

Trump ignora críticas e convida Putin para nova reunião em Washington

Presidente norte-americano afirma que reunião com mandatário russo foi um "grande sucesso, exceto para o inimigo real do povo, os veículos de notícias falsas"

Putin, durante o encontro com seus embaixadores nesta quinta-feira em Moscou.
Putin, durante o encontro com seus embaixadores nesta quinta-feira em Moscou.Mikhail Svetlov (Getty Images)

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, atacou nesta quinta-feira os círculos norte-americanos que recriminaram o comportamento do presidente dos EUA, Donald Trump, na cúpula bilateral desta semana em Helsinque, acusando-os de anteporem suas ambições políticas aos interesses dos EUA e do mundo. O mandatário russo advertiu que há em Washington “forças que levianamente estão dispostas a sacrificar as relações russo-americanas por causa das suas ambições na luta política interna”.

Perante o corpo diplomático russo, que se reúne por inteiro a cada dois anos na sede do Ministério de Relações Exteriores em Moscou, Putin declarou que a reunião com Trump foi “bem-sucedida em seu conjunto” e levou a “acordos úteis”. Opinou ainda que “teve início o caminho rumo a mudanças positivas”. Putin disse ter conversado com seu homólogo norte-americano sobre a necessidade de “encontrar uma agenda positiva que aponte para o trabalho conjunto e a busca de pontos de convergência”. “Seria ingênuo supor que os problemas acumulados durante anos seriam resolvidos em poucas horas. Ninguém contava com isso”, observou. “O importante é que afinal ocorreu uma cúpula plena, que permitiu falar diretamente”, sentenciou.

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Por sua vez, a porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, anunciou que Trump pediu a seu conselheiro de segurança nacional, John Bolton, que convide Putin a Washington nos próximos meses. "Essas conversas já começaram", explicou Sanders no Twitter sobre a preparação do encontro. Ela também revelou que em Helsinque ficou acordado que as equipes de segurança dos dois países vão manter um processo de diálogo.

Horas antes, Trump voltou a elogiar sua reunião com Putin em Helsinque e sugeriu que ambos manterão um segundo encontro para aprofundar alguns dos assuntos tratados. “A cúpula com a Rússia foi um grande sucesso, exceto para o inimigo real do povo, os veículos de notícias falsas”, escreveu no Twitter, em sua habitual diatribe contra a imprensa, numa mensagem que também pode ser interpretada como uma resposta às muitas vozes nos EUA que apontam Putin como um inimigo ao invés de amigo. “Estou desejando [que chegue] nosso segundo encontro para que possamos começar a implementar algumas das muitas coisas faladas, incluindo o freio ao terrorismo, a segurança para Israel, a [não] proliferação nuclear, ataques cibernéticos, comércio, Ucrânia, paz no Oriente Médio, Coreia do Norte e mais. Há muitas respostas, algumas fáceis e outras difíceis, a estes problemas, mas todos podem ser resolvidos”.

Entretanto, Putin advertiu para presença de forças nos EUA dispostas a sacrificar “os interesses de seus negócios” e a “perder contratos bilionários”, o “mercado russo” e “postos de trabalho inclusive dentro dos EUA”, além de “sacrificar os interesses de seus aliados, tanto na Europa como no Oriente Médio, por exemplo os interesses do Estado de Israel”. Putin opinou que “a ninguém parece interessar” que ele tenha falado com Trump sobre as garantias de segurança para Israel nas colinas do Golã, no marco da operação na Síria.

“Veremos, é óbvio, como os fatos irão se desenrolar, ainda mais quando determinadas forças na América tentam rebaixar e desacreditar os resultados do encontro em Helsinque”, sentenciou o líder russo. Ele se referiu ainda ao tratado New START (“tratado de redução de armas estratégicas”, na sigla em inglês), que data de 2011 e expira em 2021. “Se hoje, agora mesmo, não tiver início o trabalho para prorrogá-lo, dentro de um ano e meio simplesmente expirará e desaparecerá”, alertou. “Nos EUA, vemos que há forças que põem seus interesses de grupo e de partido acima dos interesses nacionais”, reiterou. Concluiu que se trata de gente “poderosa e forte”, capaz de convencer milhões de seus concidadãos sobre diversas histórias difíceis de engolir com uma lógica normal.

Putin também advertiu aos diplomatas russos que eles deverão levar em conta suas avaliações no trabalho prático em relação aos EUA. O dirigente russo tornou a insistir em algo que tanto ele como Trump afirmaram em Helsinque, ou seja, que os EUA e a Rússia, sendo as principais potências nucleares do mundo, “têm uma responsabilidade especial em garantir a estabilidade estratégica e a segurança”. Putin afirmou que existem “sérios riscos de agravamento da situação” no sudeste da Ucrânia e acusou os dirigentes ucranianos de provocarem essa situação ao “não observarem as obrigações contraídas e renunciarem a uma solução pacífica do conflito”, demonstrando “falta de desejo de manter o diálogo com seus cidadãos” e uma aposta na “via da força”.

Da reunião da segunda-feira em Helsinque não aflorou publicamente nenhum acordo entre Washington e Moscou. Toda a atenção girou em torno das declarações de Trump, numa entrevista coletiva posterior ao lado de Putin, em que ele questionou claramente a tese que a Rússia teria interferido na campanha eleitoral norte-americana de 2016, como já concluíram os serviços de inteligência dos EUA.

Pressionado por uma onda de indignação, inclusive entre seus aliados republicanos, Trump tentou retificar suas palavras na terça-feira: alegou que havia cometido um lapso verbal e que respalda plenamente seus serviços de inteligência. Mas na quarta-feira entrou de novo em um conflito linguístico ao afirmar que a Rússia não estava tentando retomar os ataques cibernéticos contra processos eleitorais nos EUA, como advertiu a espionagem norte-americana, para depois ser contradito pela porta-voz da Casa Branca.

O Executivo dos EUA anunciou nesta quinta-feira que Trump rejeita a proposta de Putin de interrogar na Rússia cidadãos norte-americanos acusados de irregularidades, e confiou em que o presidente russo extradite os 12 analistas de inteligência que foram acusados na sexta-feira passada de piratear correios eletrônicos do Partido Democrata durante a campanha de 2016. Pouco antes, a secretária de Segurança Doméstica, Kirstjen Nielsen, tinha enfatizado que não há dúvida de que a Rússia interferiu nas eleições de 2016 e que os EUA devem estar preparados. Algo muito parecido disse na véspera o diretor do FBI, Christopher Wray.

Por sua vez, o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, anunciou que pediu a dois comitês legislativos que preparem possíveis medidas para evitar novas intromissões eleitorais. E vários congressistas democratas pediram que o intérprete norte-americano que esteve com Trump durante a reunião de duas horas e meia com Putin seja chamado a depor —os tradutores eram as únicas outras pessoas presentes no encontro—. A intimação tem pouca chance de prosperar, pois parece improvável que os republicanos, apesar das suas recriminações pelas declarações de Trump em Helsinque, dificilmente irão se distanciar ainda mais do presidente.

Uma cobertura que omite o atraso na idade de aposentadoria

Depois de transmitir ao vivo o pronunciamento de Putin, o canal estatal de TV Rússia 24 apresentou um longo programa dedicado aos novos armamentos russo que Putin mencionou em março no seu discurso do estado da nação. Depois da descrição das destrutivas características dos novos equipamentos, o programa argumentava que esse arsenal torna inúteis os planos norte-americanos de instalar um escudo antimísseis global. O amplo espaço dado aos temas militares na TV estatal em um dia de semana à tarde contrasta com a sobriedade e a linguagem neutra usada pela mídia estatal e por veículos pró-Governo para informar sobre a reforma do sistema previdenciário.

Estas coberturas têm por objetivo esconder ao máximo a expressão “aumento da idade de aposentadoria”, que praticamente não aparece nos títulos da imprensa escrita, segundo uma análise do site noticioso Meduza. A lei que aumenta a idade de aposentadoria (de 60 a 65 anos para os homens e de 55 a 63 para as mulheres) foi aprovada em primeira votação nesta quinta na Duma Estatal, a câmara baixa do Parlamento.

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