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Greve dos caminhoneiros, vitrine desproporcional para a “intervenção militar”

Pedidos por golpe nas redes foram minoria dentre as publicações sobre paralisação. Contudo, a pauta intervencionista acabou ganhando destaque independente.

Manifestantes em Duque de Caxias (RJ), na segunda-feira.
Manifestantes em Duque de Caxias (RJ), na segunda-feira.Leo Correa (AP)

Na esteira da greve dos caminhoneiros, que surgiu como um movimento com pautas claras referentes ao preço do diesel, aqui e ali apareceram pedidos por uma "intervenção militar". A demanda ilegal por uma tomada de poder pelos militares foi defendida por alguns grupos de caminhoneiros e também por grupos independentes que pegaram carona na boleia de uma mobilização que parou o país sem causar rechaço. Foi uma inédita vitrine para um pedido que voltou às ruas a partir de 2013. Mas qual a dimensão desse aspecto no movimento? Além da percepção de que nem todo mundo que clamava pelos militares parecia se referir uma ditadura propriamente dita, diferentes análises das redes sociais mostram que, dentro do universo de menções sobre a greve dos caminhoneiros, os pedidos por um golpe — já que a "intervenção" que pedem não está prevista na Constituição — foram minoria.

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Ainda assim, o impacto não foi desprezível. Ao longo dos últimos dias de greve, os bloqueios em estradas foram engrossados por manifestantes vestidos de verde e amarelo que exigiam justamente que os militares agissem para tirar Michel Temer do poder. Alimentados por boatos vindos das redes de milhares de perfis, criou-se até mesmo em alguns pontos a expectativa por uma intervenção que nunca chegou. Ministros e generais precisaram dar entrevistas afirmando que um golpe estava fora de cogitação. “Intervenção militar é coisa do século passado”, chegou a dizer Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional e general de reserva do Exército.

Diferentes monitoramentos do tema nas redes sociais rastreiam a escalada da bandeira em termos de visibilidade. Ainda que a pauta já estivesse presente desde o início das paralisações, os pedidos por intervenção foram ganhando corpo nas redes sociais ao longo dos dias — resultando, simultaneamente, em uma amplificação desse tema nas ruas. Um dos estudos que mostra esse efeito é o da FGV DAPP (Diretoria de Análise de Políticas Públicas). Entre meia-noite do dia 20 de maio até esta quarta-feira, 30, o debate sobre intervenção militar somou 952.500 tuítes, mas só a partir do dia 24 houve uma maior mobilização em torno do tema. O maior pico de menções ocorreu por volta de meia-noite desta quarta, com 515 referências/minuto, conforme mostra o gráfico abaixo.

FGV DAPP

Já as notícias — falsas ou não — à respeito de uma possível intervenção militar conseguiram 2,1 milhões de interações no Facebook e no Twitter entre os dias 20 e 29 de maio, período em que foram registrados 2.500 links sobre o tema, segundo a FGV DAPP. Em ambas as redes, o pico de engajamento ocorreu no dia 24, conforme mostra o gráfico abaixo.

Outras análises mostram que nem sempre a greve dos caminhoneiros e os pedidos por intervenção militar andaram lado a lado. O sistema de monitoramento digital Torabit, por exemplo, analisou 659.015 publicações no Twitter, Instagram, YouTube, GooglePlus, Facebook, blogs e sites da Internet entre 12h de sexta-feira, 25 de maio, e 10h desta quarta-feira, 30. Descobriu que apenas 1,14% das publicações dentro do universo “greve dos caminhoneiros” estava relacionado a pedidos por uma "intervenção militar" — em números absolutos, apenas 7.486 posts de um total 659.015 mencionando a paralisação. Os dados coincidem com levantamento feito pelo Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Esse último levantamento mostra que, entre os dias 22 e 29 de maio, o termo “intervenção militar” sequer era um dos dez mais mencionados quando o assunto era a paralisação.

Entretanto, o estudo feito pela Torabit pondera: “É possível que o tema da intervenção tenha transcendido o assunto greve dos caminhoneiros e seja tratado de forma independente, ou em outra esferas, e até em quantidade maior nas redes”. Mais uma vez, sua análise coincide com a do Labic. Em coleta da expressão “intervenção militar” feita entre os dias 20 e 28 de maio, o laboratório mostra que o termo passou a ser usado com alta intensidade só a partir do dia 24, algumas vezes aliado à paralisação dos caminhoneiros, que já ia para seu terceiro dia. Nos períodos analisados pelo Labic, foram coletados 109.641 tuítes com viés intervencionista e 199.920 sobre a paralisação, o que mostra que, ao menos no Twitter, um tema andou dissociado da outro.

Nesse mesmo sentido, a FGV DAPP chama a atenção: "A construção dos discursos que contrapõem democracia e intervenção militar perpassa o contexto de paralisação dos caminhoneiros, que despertou ainda debates sobre corrupção e gastos parlamentares". O estudo ainda mostra que, entre as hashtags mais utilizadas durante a paralisação, estão #intervençãomilitarjá (13.300 ocorrências), #brasilnarua (9.200 ocorrências), #foratemer (5.300 ocorrências) e #euapoioagrevedoscaminhoneiros (4.900 ocorrências). "A primeira é utilizada por apoiadores da intervenção. A segunda está inserida em um debate proposto por perfis que defendem a democracia e são contundentes na rejeição à intervenção militar. A terceira é utilizada por perfis que se posicionam mais à esquerda do espectro ideológico e reforçam a ligação entre o presidente e as forças militares. A quarta é alvo de disputa entre defensores e opositores à intervenção militar – parte dos perfis favoráveis identifica a intervenção como uma das bandeiras defendidas pelos caminhoneiros", diz o estudo.

Quem são os influenciadores digitais

No Facebook, o Monitor do Debate Político no Meio Digital, plataforma gerida por especialistas da Universidade de São Paulo (USP), mostrou nesta terça-feira, 29, que o termo “intervenção militar”, apesar de não ser majoritário entre os que mencionam a paralisação dos caminhoneiros, provoca engajamento e distribuição. Das 10 publicações mais importantes sobre o assunto — que não raro contém notícias e pronunciamentos falsos —, apenas duas eram críticas à intervenção. Uma postagem da página “IntervencaoMilitar” ficou no topo do ranking, com 465.000 visualizações e 28.000 compartilhamentos. Intitulada “Brasília pegando fogo – Intervenção Militar”, a publicação já não podia ser acessada na manhã desta quarta-feira, 30.

Em um levantamento interno, o EL PAÍS também conseguiu encontrar os principais perfis do Facebook que estavam impulsando o tema da intervenção. Entre os cinco primeiros estão as páginas “O Brazil de Fora do Brasil” (145.000 seguidores), “Cruzada pela Liberdade” (294.000), “General Mourão – Eu Apoio” (231.000), “Intervenção Militar no Brasil” (430.000) e a já mencionada “IntervencaoMilitar”, que já não pode mais ser acessada. A página “O Brazil de Fora do Brasil”, por exemplo, chama o atual Governo Federal de “comunista” logo após compartilhar um vídeo antigo do presidente Michel Temer fazendo uma caminhada com a legenda: “Enquanto o país afunda sem segurança, saúde e educação, Temer vai caminhar ouvindo os brasileiros o chamando de ladrão”.

Em comum, as páginas não têm gestores claros e costumam compartilhar postagens e vídeos de figuras conhecidas na Internet, além de muitas notícias descontextualizadas e pronunciamentos de supostas autoridades. Nenhuma dessas páginas parece obter o monopólio da agitação política neste tema. O ambiente é fragmentado, com diversas vozes e diversos perfis amplificando esse debate, sem grandes lideranças claras. Algo parecido com o que aconteceu com a própria paralisação dos caminhoneiros, nas quais um motor importante foram as milhões de mensagens, informações e boatos enviados e recebidos por WhatsApp. O conteúdo movimentado nesta rede social, que é fechada, é difícil de ser mapeado pelas pesquisas.

No Twitter, a FGV DAPP identificou que, entre os principais influenciadores do debate, "estão perfis de caráter humorístico (@JenioQuadros e @felipeneto), perfis de militares (@GeneralGirao), influenciadores da internet (@QuebrandoOTabu) e expoentes da imprensa (@delucca e @folha)". Ainda segundo o centro de estudo, há uma disputa de narrativas em três perspectivas: há aqueles que reivindicam a intervenção militar e a consideram uma solução para a crise política e econômica no país; aqueles que criticam defensores da ditadura e trazem relatos de violações de direitos humanos sobre o período entre1964 e 1985; e, em menor número, aqueles que caracterizam a conjuntura atual como uma ditadura disfarçada de democracia. Esta terceira perspectiva, apesar de minoritária, logrou emplacar o tuíte mais compartilhado no período analisado. Ele foi escrito pelo perfil @bipolauren, que "não se encaixa nas categorias de influenciadores mencionados", segundo o estudo.

O arauto da intervenção

No Facebook, há também pessoas que, mesmo sem qualquer vínculo com os caminhoneiros ou com os principais influenciadores do debate, conseguem uma enorme audiência com suas publicações com viés intervencionista. Esdras Prado, por exemplo, é um dos que se tornou influencer. Seu perfil, com 24.000 seguidores, está ilustrado com uma foto sua vestido de farda do Exército na frente de uma bandeira do Brasil — uma clara montagem, como ele próprio admitiu em um vídeo. Já seu canal no Youtube tem mais de 29.000 inscritos.

Na segunda-feira, dia 28, Prado fez uma publicação ao vivo lendo um falso comunicado interno dos quartéis anunciando uma intervenção: “Em vista de não se ter mais governabilidade para comandar o país, e devido ao agravante que levou o país em um caos profundo, socioeconômico e político, através da paralisação dos caminhoneiros, de forma legítima e ordeira (...) convocamos em caráter de urgência a todas as OMs [Organizações Militares] do país para se prepararem de maneira rápida para nós exercemos o PDN, Plano de Defesa Nacional, e recolocarmos o país no trilho do desenvolvimento e do crescimento”. Na tarde daquele dia, manifestantes e caminhoneiros estacionados no quilômetro 281 da rodovia Régis Bittencourt, em São Paulo, recebiam o vídeo de Prado e aguardavam ansiosamente por uma intervenção que nunca aconteceria. No dia seguinte, o rapaz apagou seu perfil no Facebook — apenas por um dia — e publicou outro vídeo no YouTube dizendo que ele e sua família estavam sendo ameaçados.

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