Quantos mais vão precisar morrer para essa guerra acabar?
Usar a execução de Marielle para legitimar a intervenção é de um oportunismo político vergonhoso e expõe a fragilidade dessa iniciativa. É preciso reafirmar: militarização, não em nosso nome
Completaram-se dois meses da bárbara execução de Marielle, e a pergunta “Quantos mais vão precisar morrer para essa guerra acabar?”, publicada pela vereadora nas redes sociais e reproduzida em todo o mundo, persiste. Essa frase traz a reflexão rápida de uma mulher que passou a vida contextualizando a realidade do Rio de Janeiro a partir do questionamento da ideia de “guerra às drogas” como justificativa da letalidade embutida na política de Segurança Pública. Por isso, é importante lançarmos luz sobre de que “guerra” Marielle se refere para que não se legitime a falácia, sobre a qual a Mari sempre criticou, de que o Rio estaria submetido a uma “guerra”.
Enquanto socióloga, mestre em Administração Pública e estudiosa do tema, a vereadora utilizou por diversas vezes a tribuna da Câmara Municipal, cabe observar seus vídeos nas redes sociais, para refutar a ideia de “guerra”. Nessas ocasiões, ao criticar a letalidade policial, denunciava, munida de dados e também por conhecimento de causa, que os alvos cotidianos e prioritários são jovens negros da favela e periferia. Além dos problemas gerados à população que vive nos locais submetidos por horas a fio de operações policiais sem qualquer resultado concreto. E uma de suas principais críticas era a de que a favela não é um problema de polícia e sim de política.
Há uma tentativa discursiva de desvirtuar o que está de fato por traz das denúncias que Marielle levantava. Além do racismo, machismo, feminicídio, lesbofobia, transfobia, Mari tratava sobre o grau de letalidade da política de segurança pública. Não é à toa, que a execução sumária de Marielle é utilizada pela elite política para justificar a necessidade de uma intervenção federal. Algo que até a véspera de seu assassinato, criticava e apresentava argumentos para tal. A segurança, para ela, precisava ser pensada a partir de um conjunto de políticas públicas estruturantes e não de polícia, armas e tanques militares.
O Observatório da Intervenção, coordenado pela Silva Ramos, revelou com base no número de trocas de tiros, levantados pelo laboratório Fogo Cruzado, um aumento significativo nos dois meses após a intervenção federal. Além de contabilizar um número maior de pessoas mortas em chacinas, em comparação ao mesmo período do ano passado. Há ainda uma caixa-preta que impede a transparência sobre os valores gastos pelos cofres públicos com a intervenção, além dos objetivos e estratégias empregadas para um possível retorno social na segurança pública.
Isso só ratifica a percepção de que um governo equivocado que investe em políticas retrógradas se pauta por uma estratégia de marketing através das Forças Armadas. E submete toda a população do Rio de Janeiro, principalmente a das favelas, ao seu laboratório de experimentos pré-eleitorais. Temer já anunciou a sua intenção de candidatura mesmo com altos índices de rejeição e o próprio interventor, general Walter Braga Netto, afirmou que “o Rio é o laboratório para o Brasil”
Marielle era relatora da Comissão Representativa da Câmara Municipal do Rio com o objetivo de fiscalizar a Intervenção Federal. Usar a bárbara execução sumária de que foi vítima para legitimar a Intervenção do Temer é de um oportunismo político vergonhoso e expõe a fragilidade dessa iniciativa que já deu água. Há um processo de militarização da segurança pública que se expressa concretamente na vida das pessoas que vivem nas favelas e periferias do Rio de Janeiro. É preciso reafirmar: militarização, não em nosso nome.
Renata Souza, 35 anos, é jornalista e pré-candidata a deputada estadual do Rio de Janeiro pelo PSOL. Foi chefe de gabinete da vereadora Marielle Franco, a quem conheceu na Maré quando ambas estudavam e militavam no cursinho pré-vestibular.
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