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Após Lava Jato em Curitiba e no Rio, expectativa se volta para força tarefa de São Paulo

Equipe tem integrantes que já atuaram em grandes casos, mas nenhum será exclusivo da Lava Jato. Caso Neymar, Satiagraha e JBS estão no currículo dos procuradores de SP

A procuradora Thameá Danelon Valiengo, da força-tarefa.
A procuradora Thameá Danelon Valiengo, da força-tarefa.
Gil Alessi

Nos quatro anos de Operação Lava Jato alguns dos procuradores da força-tarefa de Curitiba foram alçados ao status de popstars. As ações dos paranaenses desvendaram esquemas de corrupção do PP, MDB e PT, com Lula preso como troféu. No Rio, a força tarefa comandada pelo juiz Marcelo Bretas tem a prisão de Sergio Cabral e a ordem de prisão do doleiro mor Dario Messer nesta quinta como seus principais trunfos. Agora, os olhares começam a se voltar lentamente para São Paulo. Aqui, na maior metrópole do país, uma espécie de “prima-pobre” da equipe paranaense começa aos poucos a ganhar evidência.

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Criada em julho de 2017 com apenas três procuradores, o grupo recebeu só em fevereiro deste ano um reforço, e agora conta com 11 integrantes. A força-tarefa da Lava Jato paulista tem em suas mãos os inquéritos que envolvem Fernando Haddad, Alexandre Padilha, o suposto operador tucano Paulo Preto, que pode finalmente alcançar o PSDB, e agora parte dos processos de Lula. O grupo tentou colocar as mãos no caso de Geraldo Alckmin, mas a Procuradoria-Geral da República enviou os autos para o Tribunal Regional Eleitoral. Eles não descartam, no entanto, pedir o compartilhamento de provas contra o tucano.

Ao contrário da força-tarefa de Curitiba, nenhum dos 11 integrantes da força-tarefa paulista se dedica exclusivamente aos processos da Lava Jato. Aqui também não existe um juiz específico que centraliza todos os casos, papel desempenhado por Sérgio Moro. Por outro lado, o volume de processos é bem menor: no Paraná os procuradores acabaram concentrando tudo aquilo que envolve Petrobras, de Eduardo Cunha a Marcelo Odebrecht. Mas o que pode faltar em estrutura, a expectativa é que a equipe possa compensar em experiência. Algumas das maiores operações de combate à corrupção passaram pelas mãos de procuradores do grupo, como a Satiagraha, Chacal e a própria Lava Jato envolvendo políticos com direito a foro privilegiado. Veja quem são e onde atuaram os 11 procuradores da Lava Jato em São Paulo.

Thiago Lacerda Nobre

Nobre é o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo - cargo equivalente ao de Deltan Dallagnol em Curitiba. Integrante do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial em São Paulo e Coordenador do Núcleo de Apoio ao Combate à Corrupção, ele trabalhou por dois anos na Advocacia Geral da União, em 2006. O procurador ganhou fama ao denunciar o jogador de futebol Neymar, seu pai, Neymar da Silva Santos, e um ex-presidente e o atual mandatário do Barcelona, em fevereiro de 2016. Segundo Nobre, os quatro organizaram um esquema de sonegação fiscal e falsidade ideológica na transferência do atacante do Santos para o clube espanhol. A defesa de Neymar acusou o procurador de estar em busca "dos holofotes da mídia". Atualmente ele é também o chefe do Ministério Público Federal em São Paulo, tendo sido reconduzido ao cargo pela procuradora-geral da República Raquel Dodge em outubro de 2017, após ter vencido as eleições internas do órgão - não houve chapa de oposição.

Até o momento, Nobre tem sido conciliador na condução da força-tarefa. Dias após o governador Geraldo Alckmin deixar o cargo para poder disputar as eleições, a Lava Jato de São Paulo solicitou à Procuradoria-Geral da República a remessa do processo envolvendo o tucano, que não dispunha mais do foro privilegiado. O vice-procurador-geral, Luciano Mariz Maia, no entanto, optou por remeter os autos para o Tribunal Regional Eleitoral. A decisão foi vista como uma derrota da força-tarefa e uma vitória de Alckmin. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Nobre optou por não confrontar Maia: "Pessoalmente eu concordo, porque ele conhecia a investigação. Ele viu que o que tinha a ser apurado naquele instante é crime eleitoral, o que não afasta de modo algum eventual investigação correlata ou paralela da FT [força-tarefa] de São Paulo de outros fatos que possam surgir fruto da mesma origem".

Adriana Scordamaglia

Procuradora da República da área criminal, ela é ex-coordenadora do Grupo de Combate aos Crimes Cibernéticos da Procuradoria em São Paulo. Scordamaglia atuou na Operação Santa Tereza, de 2008, que investigou um esquema de desvio de verbas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS). Com o auxílio de grampos telefônicos feitos com autorização judicial, a equipe chegou a prender 11 empresários, advogados e servidores públicos. O Banco pagou mais de 300 milhões de reais, justificados com notas fiscais falsas de serviços de consultoria que nunca foram prestados e obras jamais realizadas. Além dos desvios, o grupo investigado também era suspeito de praticar o crime de tráfico nacional e internacional de mulheres. Um dos imóveis usados para lavar o dinheiro era uma casa de prostituição localizada no bairro dos Jardins, área nobre de São Paulo.

Para evitar que o caso fosse tirado da 2ª vara federal criminal, onde atuava, a procuradora chegou a esperar que o mandato do então prefeito de Praia Grande (São Paulo) Alberto Mourão (PSDB) terminasse para apresentar denúncia. A manobra evitou, ainda que temporariamente, que ele se beneficiasse do foro privilegiado. Posteriormente, o tucano se elegeu deputado e conseguiu escapar de Sacordamaglia. Ele sempre negou qualquer irregularidade. O deputado Paulinho da Força (SDD-SP) virou réu no Supremo Tribunal Federal em 2015 como resultado da Operação Santa Tereza. O parlamentar se disse vítima da quadrilha.

Além disso, Scordamaglia também participou do processo que levou à extradição do megatraficante colombiano Juan Carlos Abadia para os Estados Unidos, em 2008, e mandou arquivar processo movido pelo ministro do STF Gilmar Mendes contra o jornalista Paulo Henrique Amorim, que o acusou de proteger corruptos e vender sentenças. A procuradora também foi uma das signatárias de um abaixo-assinado de repúdio à decisão de Mendes de conceder o pedido de habeas corpus para o banqueiro Daniel Dantas, preso durante a Operação Satiagraha em 2008.

Anamara Osório Silva

Integrante do Grupo de Trabalho em Lavagem de Dinheiro e Crimes Financeiros, Silva é procuradora da área criminal. Ela também é membro do Grupo Executivo da Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República. Tem em seu currículo grandes operações, como a Chacal, que investigou atividades de espionagem da empresa de auditoria empresarial Kroll a mando do banqueiro Daniel Dantas, e a Satiagraha, que condenou Dantas a dez anos de prisão pelo crime de corrupção ativa. No entanto, Silva viu parte de seu trabalho ir por água abaixo com a anulação da operação pelo Superior Tribunal de Justiça por suposta contaminação da coleta de provas, em 2011. Em 2015 o STF confirmou a decisão.

O banco Opportunity, de Dantas, não foi o único que esteve na mira de Silva. No ano de 2009 ela denunciou o banqueiro Edemar Cid Ferreira por supostos crimes financeiros envolvendo o processo de falência e bloqueio de bens do Banco Santos. Ele teve sua mansão e quase uma centena de obras de arte avaliadas em mais de cinco milhões de dólares apreendidas. Em 2010 a procuradora ajudou a investigar um rombo de 2,5 bilhões de reais no banco Panamericano, controlado pelo Grupo Silvio Santos, que teria recebido um aporte irregular do Fundo Garantidor de Crédito. Dos 17 acusados, sete foram condenador pela Justiça. Nas redes sociais Silva compartilha matérias sobre prisão após condenação em segunda instância e de apoio à Operação Lava Jato.

Daniel de Resende Salgado

Salgado atuou como secretário de Pesquisa e Análise do gabinete do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de 2015 a 2017. Neste cargo, ele auxiliou Janot na condução dos processos da Operação Lava Jato em uma fase crítica do caso, que envolveu as delações da empreiteira Odebrecht e do frigorífico JBS. Em 2016, quando a Polícia Federal e o Ministério Público Federal tiveram rusgas quanto a quem deveria conduzir a negociação das colaborações premiadas, Salgado disse em entrevista ao portal Jota que “a coordenação jurídica e coordenação tática, no meu entendimento, deveria ser do MP". "A gente tem que pensar mais no interesse da sociedade e não no interesse corporativo e interesses meramente pessoais”, afirmou.

Em 2012 o procurador foi responsável por apresentar mais de uma denúncia contra o bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, vulgo Carlinhos Cachoeira, durante a Operação Monte Carlo, que investigava uma organização criminosa que explorava máquinas caça-níqueis e outros jogos ilegais no Estado de Goiás. Para além de Cachoeira, o caso respingou em vários políticos, como o então senador Demóstenes Torres (ex-DEM), que acabou sendo cassado no Congresso. Prefeitos, governadores e deputados também foram citados pela quadrilha nos grampos feitos pela Polícia, mas os processos não andaram. Em 2016 o STJ mandou soltar o bicheiro, condenado por corrupção, violação de sigilo e formação de quadrilha.

Quando a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assumiu o cargo, no final de 2017, Salgado pediu seu desligamento da equipe no Distrito Federal e foi remanejado para São Paulo. O procurador assina um livro em parceria com o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, intitulado Controle Externo da Atividade Policial pelo Ministério Público.

Janice Agostinho Ascari

A procuradora participou, em 2017, da denúncia contra o colega Ângelo Goulart Villela pelos crimes de corrupção, violação de sigilo funcional e obstrução de Justiça. Segundo a acusação, Goulart teria atuado como agente infiltrado do empresário e delator Joesley Batista, da JBS, durante a Operação Greenfield, que apurava desvios em fundos de pensão. A aparente traição do procurador foi um duro golpe para o MPF, e Janot se tornou alvo de políticos e críticos por ter uma banda podre em seu grupo.

Esta não foi a primeira vez que Ascari precisou se voltar contra um colega ou integrante do Judiciário. Ela participou do processo que levou para a prisão o juiz Nicolau dos Santos Neto, vulgo Lalau, condenado por, entre 1994 e 1998 desviar recursos da construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. A reboque do caso de Lalau, a procuradora também participou do processo contra o ex-senador Luiz Estevão, dono de construtoras que teriam se beneficiado com a fraude. Condenado a 31 anos de prisão, atualmente o ex-parlamentar cumpre pena no Complexo Penitenciário da Papuda.

O temperamento forte de Ascari também lhe trouxe problemas jurídicos. Em 2015 ela foi condenada no STJ por caluniar o juiz federal Ali Mazloum. Durante a Operação Satiagraha, em 2009, ela acusou o magistrado em um blog de "exorbitar suas funções” e “blindar e apartar os verdadeiros criminosos e denegrir a imagem dos investigadores”. De acordo com a procuradora, "o juiz, exorbitando de suas funções, abre uma linha paralela de investigação pró-Dantas, sob o argumento de 'interesses comerciais’”. Ascari foi condenada a pagar 50.000 reais por danos morais, além de ter tido seus direitos políticos suspensos, segundo o portal Consultor Jurídico.

Ascari tem um blog onde não posta desde 2016. Lá ela escrevia sobre feminismo, violência contra a mulher, combate à corrupção e shows de blues do guitarrista B.B King.

Lúcio Mauro Curado

Um dos mais novos integrantes da força-tarefa, Curado graduou-se em Direito em 2007 pela Universidade de São Paulo (2007). É especialista em Direito Tributário. Atuou em casos de supostos ilícitos financeiros na manutenção da rodovia BR 363, no Mato Grosso e de irregularidades nos gastos com saúde na cidade de Mogi Mirim.

Ana Cristina Bandeira Lins

Lins participou do processo para a elaboração de um marco regulatório com limites para as partículas de enxofre no diesel, e de uma ação para investigar obras do Programa de Aceleração de Crescimento no Rio de Janeiro, em 2014. No mesmo ano ela também pediu a abertura de inquérito para investigar empréstimos do BNDES para países da África e do Caribe, dentre eles o porto de Mariel, em Cuba, que recebeu financiamento de 690 milhões de dólares. Em 2012 ela ofereceu denúncia contra executivos ligados às empreiteiras Mendes Júnior e OAS pelo suposto desvio de dinheiro nas obras da avenida Águas Espraiadas (hoje avenida Roberto Marinho), em São Paulo, durante a gestão do ex-prefeito Paulo Maluf (1993 a 1996). Cerca de 200 milhões de dólares teriam sido embolsados de forma irregular. Ela também coordenou um grupo de debates para tentar frear a moda de se comemorar o Halloween - dia das bruxas dos Estados Unidos - no Brasil em detrimento de figuras do folclore nacional como o saci-pererê.

André Lopes Lasmar

Doutor em Direito Internacional Público, Lasmar trabalhou como procurador regional eleitoral no Amazonas. Também atuou nas áreas de Direitos Humanos e direito indígena.

Guilherme Gopfert

O procurador também é um dos mais novos da força-tarefa, tendo se formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2007, é especialista em direito tributário. Gopfert apresentou denúncia, em junho de 2017, contra oito pessoas acusadas de fraudes no programa Farmácia Popular em municípios do interior paulista.

Luis Eduardo Marrocos

Outro jovem integrante do grupo, em 2008 Marrocos pediu a suspensão da construção do complexo industrial-portuário Porto Brasil, no litoral paulista, e a revogação da licença ambiental do projeto. A LLX, empresa responsável pela iniciativa, era de propriedade de Eike Batista, e segundo o Ministério Público Federal as obras iriam afetar comunidades indígenas residentes no local. O procurador foi derrotado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que negou o pedido para o encerramento das obras. Posteriormente a própria LLX desistiu a empreitada.

Thameá Danelon Valiengo

Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, ela também é uma das coordenadoras do Núcleo de Combate à Corrupção da Procuradoria da República em São Paulo. Valiengo participou do processo contra o juiz Nicolau dos Santos, e da Operação Boca Livre, que denunciou 32 pessoas por um rombo de 21 milhões de reais em fraudes na Lei Rouanet, de incentivo à Cultura. A procuradora já participou de vários programas televisivos e na rádio, como o do apresentador Jô Soares, Roda Viva e o Pânico. Bastante ativa nas redes sociais, Valiengo defende em suas postagens o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol - de quem ela costuma repostar conteúdo no Facebook.

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