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“As pessoas são responsáveis pela sua própria segurança”, diz porta-voz da intervenção do Rio

Coronel Roberto Itamar, porta-voz do General Braga Netto, diz que resultados da ação do Exército vão aparecer depois da intervenção concluída Ele desaconselha frequentadores de bailes funk nas favelas pelo risco de abordagem da PM

O general Walter Braga Netto, comandante militar do leste e interventor federal do Rio de Janeiro há dois meses, é conhecido por sua discrição. Desde que foi nomeado pelo presidente Michel Temer (MDB), em 16 de fevereiro deste ano, quase não ofereceu entrevistas coletivas e optou por não aparecer inclusive em momentos mais críticos, como quando a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes foram executados, no dia 14 de março. "Não havia motivo para fazer um exposição pública sobre uma questão que já estava sendo noticiada. Já havia ministros e outras pessoas falando. Ele trabalha muito e não é de muitas palavras", explica o coronel Roberto Itamar, porta-voz da intervenção federal escalado para falar com o EL PAÍS diante de um pedido de entrevista a Braga Netto, que atua com poderes de um governador do Estado para a área de segurança. Na ocasião, ele se limitou a soltar uma nota repudiando a execução. "O que mais se quer é desvendar o crime", assegura Itamar.

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A inédita intervenção federal na área de segurança pública do Rio, que pegou de surpresa inclusive o próprio Braga Netto, completou dois meses nesta semana e ainda busca resultados concretos para apresentar à população. Itamar, de 60 anos, explica que a intervenção vem se dividindo entre "ações emergenciais" para derrubar os índices de criminalidade de forma imediata e ações estruturantes, que tem como objetivo mexer em planos de carreira e recuperar os órgãos de segurança pública a longo prazo. Para isso, foi montado um grupo que monitora as diversas áreas e apresenta o diagnóstico dos problemas de cada uma. “A maioria dos resultados só vai aparecer depois da intervenção”, conta. Ele ressalta que a presença do exército no policiamento de ruas e estradas e em operações em favelas já vem ocorrendo desde julho do ano passado a partir de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), um mecanismo constitucional que permite ao Presidente da República acionar as Forças Armadas quando julgue necessário para ações específicas. Já a intervenção federal tem um caráter "gerencial e administrativo", uma vez que colocou o general Braga Netto como chefe da segurança pública fluminense. Além de comandante militar do leste, ele é o chefe dos órgãos de segurança do Estado, como a Polícia Civil e Militar, podendo emitir decretos e fazer nomeações.

Enquanto Braga Netto comanda dos bastidores, é o coronel Itamar quem atua como a face mais visível da intervenção, dando explicações sobre os próximos passos e medidas. Ao contrário de Braga Netto, que sempre aparece vestido com a farda militar, Itamar adota trajes de civis em suas aparições públicas. Vestindo um paletó escuro por cima de uma camisa branca ao receber o EL PAÍS, no Centro Integrado de Comando e Controle, mantém em suas falas um tom burocrático e ameno. É cuidadoso ao oferecer suas análises e opiniões, de modo a não comprometer a intervenção ou causar certa polêmica.

Sociedade responsável

Ainda assim, não se furta em dizer que, para ele, não basta combater a criminalidade apenas através da repressão. Apesar de ressaltar que a política de guerra às drogas é um assunto que cabe ao Governo Federal, que tem sua política nacional para o tema, explica que é preciso fazer "políticas públicas e privadas para conscientizar a população" a não consumir entorpecentes ilegais e não comprar produtos de origem duvidosa. Para ele, não se trata de combater apenas a oferta, mas também a demanda, colocando a responsabilidade também para a sociedade.

Em outro momento, quando falava da estabilização da Vila Kennedy, uma comunidade da zona oeste do Rio que foi ocupada por militares ainda em fevereiro, ressaltou que "as pessoas também são responsáveis pela sua própria segurança". O que isso quer dizer? “Se você mora em uma área de risco e sai às duas da manhã para ir num baile funk, ou está andando na rua ao lado de um cara armado... Aí, meu amigo, se houver uma operação policial naquele momento, vai sobrar para você. Você está andando ao lado de um cara de fuzil e acha que isso é normal? É preciso uma participação da sociedade no sentido de cuidar da própria segurança", argumenta.

A fala do coronel não só ilustra como também busca justificar alguns episódios recentes em que inocentes se tornaram alvo. No sábado do dia 7 de abril, 159 pessoas que estavam em uma festa em Santa Cruz foram presas preventivamente por serem suspeitas de vínculo com milicianos. Na ocasião, também foram apreendidos fuzis, pistolas, revólveres e granadas. No entanto, relatos de familiares indicam que a maioria das pessoas que estavam neste grupo não tem qualquer ligação com o crime e queria apenas aproveitar os shows da ocasião. Segundo publicou o jornal O Globo, um documento entregue pela Polícia Civil à desembargadora Giselda Leitão, responsável por avaliar os pedidos de habeas corpus dos presos, mostra que 139 pessoas do grupo não eram alvo de qualquer investigação. Dias antes, em 24 de março, a favela da Rocinha assistiu a morte de oito de seus moradores durante uma operação policial nas primeiras horas da manhã, na saída de um baile funk. Entre eles estava o dançarino Matheus da Silva Duarte Oliveira, de 19 anos, que morreu após receber um tiro nas costas.

Mas crise da segurança pública do Rio também mata pessoas dentro de casa, fora de situações em que, na visão de Itamar, estaria se expondo ao risco. Foi o que aconteceu na mesma Rocinha, em 29 de março, com o ajudante de pedreiro Davidson Farias de Sousa. Ele estava na varanda de casa, com seu filho ainda bebê no colo, quando recebeu um tiro fatal.

Questionado sobre a desconfiança dos moradores das periferias à respeito da ação policial, muitas vezes considerada abusiva, Itamar diz que "bons profissionais existem em todas as profissões, e maus profissionais também". Argumenta ainda que melhorar a relação entre policiais e cidadãos "é um desafio para todas as polícias do mundo". "Se o policial não age conforme deve proceder, deve ser sancionado, responsabilizado por má conduta", sublinha. E pondera: "Sei também que muitas é difícil, há situações em que a condição ambiental é difícil e a tensão do policial faz parte. Condições de luminosidade, suspeição que ele pode levantar naquele momento... O importante é que o policial esteja consciente do seu trabalho, bem orientado e seja um bom profissional".

Inteligência e legalidade

Já sobre a eficácia de operações policiais em favelas, muitas das quais resultam em mortes e pânico, diz que "são fruto sempre de trabalho de inteligência" e ocorrem sempre "dentro da legalidade, a partir de mandados da Justiça". "A intervenção em si não tem como mudar procedimentos técnicos adotados, resultado de anos de trabalho e maturados com o tempo", argumenta. "Qualquer operação é sempre um aprendizado, em qualquer situação. Desde julho do ano passado estamos aprendendo coisas novas, mas a técnica já é consagrada", diz. Explica ainda que existe uma guerra de informação: do mesmo jeito que a inteligência dos órgãos de segurança atua, os criminosos também recebem informações relativas a operações, fazendo com que já estejam preparados ou consigam fugir. Essa movimentação das facções, diz Itamar, pode acabar sendo vantajosa para a inteligência policial.

Foi durante uma ação do Exército e da Polícia Civil no dia 11 de novembro de 2017 que oito homens foram encontrados mortos na Favela do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. Quando os agentes entraram na comunidade, os corpos já estavam no chão. Os responsáveis pela chacina continuam sendo um mistério. Testemunhas afirmaram que os tiros vieram da área da mata e que, na noite do dia 10, viram homens descendo de rapel dos helicópteros, no escuro, para dentro da mata — tal e como havia ocorrido dias antes. Segundo o relato de um sobrevivente ao EL PAÍS, os atiradores surgiram da mata após atirar, vestiam preto e portavam capacetes e fuzis com mira a laser. Tal equipamento já foi apontado como sendo a mesmo que o utilizado pelas forças especiais do Exército. Mas Itamar desmente. Ressalta que as tropas não usam mira a laser, garante que nenhum homem estava na mata naquele dia e diz já estar provado que os militares presentes não deram tiros e são inocentes. Assegura também que o Exército vem colaborando nas investigações abertas pelo Ministério Público Estadual — ao qual garante ter enviado os depoimentos dos militares que estiveram na ação do dia 11 — e pelo Ministério Público Militar. "Pretensas testemunhas dizem ter visto helicóptero apagado, gente saindo da mata com luzinha no capacete... São coisas que não correspondem ao modus operandi ou aos equipamentos utilizados pelas Forças Armadas. Não tem sentido um helicóptero estar apagado, já ouviu o barulho que faz? São coisas relatadas que são fruto da imaginação de certas pessoas, que podem ter visto situações do tipo em filmes ou até mesmo anteriormente naquele local". Para ele, os responsáveis pela chacina foram facções criminosas que guerreiam entre si.

Números e ações da intervenção

Itamar cita como êxito da intervenção a estabilização da Vila Kennedy, que não acabou com o tráfico de drogas mas vem permitindo que "a polícia faça seu trabalho, que não haja conflitos entre facções criminosas, que as pessoas possam transitar em segurança e as crianças possam ir para o colégio". Também assegura que a intervenção vem observando uma tendência de queda em alguns índices de criminalidade que, em breve, "deve refletir nos números oficiais da Secretaria de Segurança Pública". Ele destaca o números da Semana Santa, com relação ao feriado do ano passado, quando foi observado uma queda de 68% no número de roubos de carga, de 47% em homicídios dolosos, de 35% em roubos a transeuntes e de 16% em roubos de veículos.

Mas no cômputo geral ainda não há dados positivos. Em março, os roubos de veículos aumentaram 7,1% com relação ao mesmo mês do ano passado. A mesma tendência foi observada no número de homicídios dolosos, roubos de carga e assaltos a pedestres, por exemplo. Dados do aplicativo Fogo Cruzado mostram o mesmo cenário. Dois meses antes da intervenção, entre os dias 16 de dezembro e 15 de fevereiro, foram registrados 1.299 tiroteios. Entre 16 de fevereiro e 15 de abril, 1.502.

Itamar explica que, "quanto mais os dias vão passando, mais desafios são percebidos". Entre os principais está a necessidade de fortalecer as instituições policiais, "no sentido de recuperar sua credibilidade não só perante si mesmas como também perante a população", ele reconhece. Ele também aponta a necessidade para a integração desses órgãos, sobretudo da área de inteligência. Entretanto, a intervenção desde o início esbarrou nos problemas financeiros que vêm se arrastando no Estado do Rio. Para que tenha êxito, verificou-se a necessidade de 3,1 bilhões de reais. Itamar recorda que, desse montante, 1,6 bilhão são relativos a atrasos no pagamento de funcionários públicos e atrasos no custeio de serviços contratados. "A lei não permite que o Governo Federal assuma encargos e pagamentos do pessoal do Governo do Estado", lembra ele. O 1,5 bilhão restante são relativos a investimentos futuros, que devem ficar como legado para o Estado. Dessa cifra total, o Governo Temer liberou através de uma medida provisória 1,2 bilhão. Os outros 300 milhões deverão ser arcados pelo Governo do Estado. Itamar garante que, apesar das dificuldades econômicas, "o governador Pezão tem colocado recursos à disposição".

Reciclagem e UPPs

Entre as ações reestruturantes que vêm sendo feitas, ele cita o curso ministrado pelo Exército de reciclagem de policiais. A meta é que 130 policiais por semana passem pelo programa, que ensina, por exemplo "como atirar com mais eficiência sem efeitos colaterais e sem atingir coisa que não é para atingir", explica Itamar. Outra meta é recuperar a inteligência da Polícia Civil, sucateada nos últimos anos, e integrar melhor com o sistema de inteligência da PM e das Forças Armadas. Ele ressalta que, apesar das dificuldades, "o sistema funciona bem", uma vez que "grande parte das informações são geradas a partir de fontes humanas". No entanto, ele aponta para a necessidade de que equipamentos sejam modernizados ou incrementados.

O coronel também diz que as 38 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) passarão por mudanças. Algumas serão mantidas e valorizadas, mas outras serão reestruturas ou até mesmo extintas. É o caso, por exemplo, da UPP da Vila Kennedy. Ela deverá ser substituída por uma subunidade do 14º Batalhão da PM. Soldados do Exército atualmente patrulham a região, mas em breve deixarão o local e passarão o bastão para os policiais militares que já se encontravam na UPP e que atualmente "passam por um processo de reciclagem para que possam ser empregados eficazmente".

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