Dilma Rousseff: “Lula continua sendo o candidato do PT nas eleições”
Ex-presidenta afirma que uma vitória eleitoral do ex-presidente devolveria a estabilidade ao Brasil
Dilma Rousseff não gosta de pegar o caminho mais fácil. Ou, como ela mesma explica em sua passagem por Madri, onde deu uma conferência sobre a crise política brasileira na Casa de América, na terça-feira, ela gosta das “saídas desconfortáveis”. Com essas palavras explica por que não renunciou à presidência do Brasil quando, em 2016, começou o processo de impeachment que a afastou do poder. E é a mesma expressão que usa para explicar por que o Partido dos Trabalhadores (PT) mantém Luiz Inácio Lula da Silva como candidato para as eleições presidenciais de outubro (em que lidera as pesquisas), apesar de ter sido preso no último domingo depois de ter sido condenado a 12 anos por corrupção. Para ex-presidenta, a sentença contra Lula é “a terceira fase do golpe parlamentar e midiático” que, segundo ela, teve seu “ato inaugural” com sua destituição, continuou com a implantação de um Governo “que não tinha respaldo nas urnas” e hoje “corrói a democracia” brasileira.
Pergunta. Qual é o plano do PT para as eleições?
Resposta. Para nós, Lula continua sendo o candidato. Acreditamos que temos razão e no Supremo Tribunal Federal [onde se votou se o líder deveria ir para a prisão depois de ter sido condenado em segunda instância] houve um empate, cinco a cinco... A Constituição brasileira diz o seguinte: “Todos são iguais perante a lei”, em seu artigo quinto. Nesse artigo há um inciso, o 57, que diz: “Ninguém pode ser considerado culpado se sua sentença não transitou em julgado”. Ou seja, sem ter esgotado todos os instrumentos para se defender. Esse item é a presunção de inocência. Porque eu posso te prender e depois o tribunal te solta. Então, eu te prendi irregularmente e você cumpriu uma sentença sem culpa. Mas quando o processo de impeachment começou, em 2016, [a oposição] mudou a interpretação, não a Constituição, e disse que se podia prender provisoriamente. Quando o habeas corpus de Lula foi julgado, houve um empate no Supremo, que a presidenta da corte [Cármen Lúcia] decidiu contra ele. Nessa discussão, a maioria está inclinada a voltar à interpretação de que não se pode prender ninguém antes de “transitar em julgado”.
P. Mas se em setembro o Tribunal Superior Eleitoral anular a candidatura de Lula, o PT estaria fora das eleições.
R. Como você acha que o Brasil se sente sabendo que o presidente [Michel Temer] dirige uma quadrilha [de criminosos], ou que há gravações, provas materiais, contra o candidato que derrotei em 2014 [Aécio Neves]? Eles podem se candidatar e Lula não pode? Que justiça é possível em um país onde isso acontece? Precisamos que o país volte a se unir, o país não pode continuar dividido. Não é possível que o que nunca aconteceu antes, o assassinato da vereadora Marielle Franco, os tiros contra a caravana de Lula, seja a forma de fazer política. Para que isso seja superado, não há outro caminho que não seja o das eleições. É por isso que acreditamos que temos todo o direito de participar. Por que essa insistência em que o partido deve retirar Lula? Porque ele tem o apoio incontestável dos votos e do povo. Quem é o candidato dos golpistas? Alckmin com 5%?
P. Além de Lula, há vários líderes do PT envolvidos em esquemas de corrupção.
R. Tenho a tranquilidade de dizer que fui investigada e, até hoje, não fui condenada ou processada por nada.
Não deveria ter governado com um vice-presidente corrupto e traidor
P. Durante o seu Governo nunca suspeitou?
R. No Brasil houve um processo em 2006, o chamado Mensalão [pela compra ilegal de votos no Congresso durante o primeiro Governo de Lula], o primeiro processo contra o PT. Havia três teses. A primeira se chamava domínio do fato, que era uma distorção de um jurista alemão. É a predominância do fato, isto é, que o fato [crime] não precisa de provas específicas. Quando o procurador Dallagnol acusa Lula não traz anotações, é o único caso na história do Ministério Público em que um PowerPoint foi usado para acusar uma pessoa. Ele diz: “Não tenho provas, tenho convicções”. A segunda questão [tese] era: quanto mais alto na hierarquia, maior culpa, e você não precisa de caracterizações específicas porque o cargo da pessoa define a culpa, ou seja, criminaliza a presidência da República em nosso período, os presidentes são culpados. Terceira...
P. Mas não há autocrítica no PT?
R. Não, não é questão de autocrítica. É questão de institucionalidade legal. Aqui não se faz isso, não se pode, não se faz isso com [Mariano] Rajoy. Se você tem um problema com Rajoy, você tem que dizer por que ele é culpado e não [simplesmente] que ele é o primeiro-ministro. O fato de ocupar esse cargo não acarreta nenhuma culpa.
Houve uma distorção do poder judiciário no país para derrotar o PT
P. A senhora está dizendo que não houve corrupção em seu partido?
R. Não, estou dizendo que houve essas três características. Isso é justiça, não o que eu acredito ou deixo de acreditar. No Brasil há uma distorção do poder judiciário, eles tinham que nos derrotar [o PT] e fizeram a justiça do inimigo. A ironia é que aqueles que forneceram as armas fomos nós. Lula fortaleceu o Ministério Público, aumentamos os salários da Polícia Federal e eu fiz a lei das organizações criminosas, que institui a delação premiada e [mudou] o fato de que no Brasil aquele que corrompe não era criminoso, apenas quem era corrompido, e, portanto, as empresas que corrompiam não eram criminalizadas.
P. A senhora acredita que seu Governo fez todo o possível para combater a corrupção?
R. Meu Governo fez o que pôde e eu demiti vários deles. Eu vejo isso como Montesquieu: “Não pense que as pessoas são virtuosas, crie instituições virtuosas”. Eu estive no G-20 quando as questões relacionadas ao que aconteceu na crise [da Europa e dos EUA] foram discutidas. Você acha que a corrupção existiria sem os paraísos fiscais? E que os paraísos fiscais antes do 11 de setembro eram combatidos? Por que se diz que a Suíça lava mais branco? A corrupção é algo que tem de ser combatida com estruturas nacionais e internacionais. O G-20 não estava combatendo a corrupção, mas o terrorismo. Mas os canais para lutar contra o terrorismo são os que combatem o narcotráfico, a evasão fiscal e a corrupção. Estão imbricados.
Meu Governo fez o que pôde para combater a corrupção
P. O que mais a senhora poderia ter feito durante o seu mandato?
R. Poderia ter feito muita coisa mais. Quanto mais me afasto daquele período, mais consigo pensar no que deveria ter feito. Não deveria ter convivido com um vice-presidente corrupto – então eu não sabia – e traidor. Para evitar a crise, concedemos isenções fiscais a muitas empresas. Eu não deveria ter aplicado isso a tantas porque elas embolsaram o dinheiro e não criaram empregos e nem aumentaram sua capacidade. Muitas pessoas que eu pensava que eram uma coisa são outra... Existem muitas medidas. Por exemplo, o Brasil precisa de distribuição de riqueza e isso não existirá sem uma reforma tributária.
P. Qual cenário a senhora prevê para as eleições?
R. Se deixarem que tenhamos eleições. Lutaremos por isso. Até a ditadura militar teve que realizar eleições para criar uma imagem de tranquilidade. Acho que se [o vencedor] fosse Lula, a estabilidade voltaria ao Brasil. É o que espero. Mas acho que farão tudo para que Lula não volte.
P. E sem Lula na equação?
R. Eu acredito que o campo popular vença. Não é só Lula a questão. Ele disse isso, e com razão: “Estarei na eleição vivo ou morto, preso ou livre, condenado ou absolvido, porque represento uma ideia e uma proposta. Eles descobrirão que, mesmo que estiver preso, milhões de brasileiros serão Lulas”. É o que aconteceu. Quando ele foi condenado em primeira instância, aumentou [seu apoio nas pesquisas]; na segunda instância, voltou a crescer, ao contrário do que acontece com os outros políticos. Depois que saímos do julgamento dos meios de comunicação – Lula tem 70 horas de televisão nacional contra ele –, não se moveu nem um minuto para baixo, só para cima [nas pesquisas], e isso é desesperador para a imprensa brasileira. A próxima geração de políticos já surgiu. Então, eu não acho que se consiga um retrocesso total no Brasil. Na última ditadura, resistimos durante 21 anos. É o segundo golpe que eu vivo. Fiquei três anos na prisão e um dia passei em revista às tropas.
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