Uma tarde com Pelé: o Rei só fala sobre pais, filhos e legados
“O melhor jogador de futebol? Hoje é Messi, até ontem era Neymar e, como atacante, sempre Ronaldo”
Dizem que Pelé se transformou no Brasil, que a sua história é a mesma do país, uma narrativa de potencial, superação e talento. A menos que a história seja contada por ele mesmo, então o gênero se torna um pouco mais épico: a relação de um filho com o pai. “Eu só queria ser ele. Ele era jogador de futebol, então, desde pequeno eu só queria ser jogador de futebol. Acho que tive um pouco mais de sorte”, conta. As pouco mais de cem pessoas que estão diante dele riem com a piada: o jogador está em uma pequena sala do mesmo hotel, o Hyatt de São Paulo, onde pouco antes foi homenageado na abertura do Fórum Econômico Mundial. Aqui sua obrigação é falar de sua sobre sua vida e mostrar seu conhecido encanto. O qual, nesta tarde de quarta-feira, passa pelo fato de que o ex-jogador de 77 anos, o Rei, o jogador do século, o autor de 1.283 gols e vencedor de três Copas do Mundo, reflete insistentemente sobre seu pai.
“Meu pai nunca ganhou uma Copa do Mundo, então eu decidi fazer isso por ele”, afirma quando perguntado sobre suas maiores influências. O que, supostamente, desencadeou uma das maiores histórias brasileiras do século. Em 1958, Pelé, com 17 anos de idade, estava na Suécia prestes a ganhar sua primeira Copa. Seria um marco para ele e para a nação. “Quando comecei a decolar como jogador, não tínhamos noção de outros países. Quando cheguei à Suécia, pensei que todo mundo sabia tudo sobre o Brasil, mas não era verdade. Isso me deixou furioso. No final, fomos um dos principais motivos pelos quais o Brasil ficou conhecido.”
Aquela grande vitória foi seguida pela conquista da Copa de 62, uma jornada que, no entanto, o levou à sua maior frustração: a Copa do Mundo de 1966, que não ganhou e que, de fato, o deixou machucado nas mãos das defesas de Portugal e da Bulgária. “Quando você vai para sua primeira Copa do Mundo, você vai sem pressão, mas às seguintes você vai com a missão de ganhar. E nesse caso, tive aquelas lesões, joguei e perdemos, e disso me arrependo. Não da minha derrota, mas das lesões.”
É uma tarde agradável para ele, como convém a alguém que se aposentou há décadas. Não é o momento de falar sobre sua saúde frágil, que meses atrás o obrigou a cancelar a participação em um evento internacional, nem de como nas poucas aparições públicas que fez desde dezembro é visto com um andador ou uma cadeira de rodas (“meu carro novo”, diz novamente, como vem fazendo em cada ocasião desde então). Sim, é uma oportunidade para anunciar sua intenção de criar uma fundação para os mais jovens e contar a história de onde veio essa ideia.
Esta remonta a 1969, quando marcou seu milésimo gol e disse à imprensa que o dedicava às crianças. “Duas semanas antes tinha saído cedo do treino [no Santos] e vi dois meninos tentando roubar o carro de um jogador. Me aproximei para gritar com eles e me disseram: “Não estamos roubando ninguém do Santos, estamos roubando alguém do São Paulo”. As cem pessoas riem novamente. “Quando marquei o gol, eu dediquei a eles, não foi algo muito pensado.” Então ele acrescenta, com esse tom tão característico de avô, que não quer que nos esqueçamos de uma grande verdade: “O importante são os jovens. Eles são a base do amanhã”.
Falando em jovens, é perguntado sobre os jogadores de hoje. Mas evita as polêmicas como se fossem bolas dos adversários: “Hoje Messi, até ontem Neymar, e como atacante, Ronaldo”. Se tivesse que escolher entre Pelé e Maradona: “Minha mãe ficaria muito triste se dissesse Maradona”.
No final do evento, quase todo mundo se aglomera em torno desse homem. Ele está sentado e conta suas aventuras, mas continua sendo o Rei. Alguém que já pensa em legados, em crianças, em pais e no que será do reino. “A alegria de um gol é como a alegria do nascimento de um filho: depende das circunstâncias. Não é a mesma coisa um filho que nasce da mulher que você ama, e não é a mesma coisa um gol marcado quando o jogo está 0 x 0 que quando está 5 x 0 ou 4x0, que não é nada”, filosofa pouco antes de encerrar a sessão. “O importante de um gol é a necessidade que você tiver dele.”
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