Partido xenófobo e movimento antipolítica disputam o direito de governar a Itália
As eleições dão força inesperada às opções radicais e deixam uma situação de ingovernabilidade pela falta de maiorias claras no Congresso
As eleições do domingo passado na Itália ameaçam jogar o país em mais uma etapa de ingovernabilidade. Embora essa tenha sido a principal característica da política italiana há décadas, agora aparece misturada com um fenômeno novo: os triunfadores da eleição são forças radicais que querem quebrar o tradicional equilíbrio partidário do país e demonstram muito receio em relação à União Europeia (UE). O partido mais votado foi o Movimento 5 Estrelas (M5E), criado pelo humorista Beppe Grillo há oito anos com o slogan de "políticos va fan culo (vai tomar no cu)". Mas os grillini, como são chamados na Itália, não têm maioria para governar e a outra alternativa é a Liga, um partido nacionalista da região mais rica do país que ao longo da campanha mostrou um forte discurso xenófobo contra a imigração. O grande derrotado foi a centro-esquerda do Partido Democrático (PD), cujo líder, o ex-primeiro ministro Matteo Renzi, renunciou neste segunda-feira.
A Liga e o M5E estão eufóricos. Matteo Salvini, líder da Liga, um partido que nas últimas eleições não passou de 4,1% dos votos e se encontrava em ruína moral e financeira, obteve o melhor resultado de sua história (cerca de 18%). Graças a esse apoio, Salvini ultrapassou pela primeira vez aos seus aliados da Força Itália (FI), do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi -que ficam em 14%, quase cinco pontos embaixo-, e pode liderar uma coalizão de centro-direita que soma mais apoios que o 5 Estrelas. Na manhã desta segunda-feira, em suas primeiras palavras, Salvini reivindicou seu direito de governar a Itália. Não é o único. Luigi di Maio, candidato a primeiro-ministro do Movimento 5 Estrelas, que atingiu 32% dos votos, também se apresentou como “vencedor absoluto” e informou que está disposto a procurar alianças com outras legendas, diante da ausência de uma maioria.
"Estamos abertos à negociação com todas as forças políticas", disse Di Maio. Salvini, por sua vez, descartou uma aliança com o M5E, com o qual compartilha o receio em relação à União Europeia. “Não mudo de equipe no meio da partida. Temos o direito e o dever de governar nos próximos anos. Não vamos fazer coalizões estranhas. É a coalizão que ganhou e a que poderá governar. Não vejo a hora de começar”, acrescentou.
O líder da Liga demonstrou suas qualidades antissistema. Criticou os meios de comunicação, os bancos, a União Europeia e se derramou em carinhosos elogios a Marine Le Pen, líder da direita radical francesa Frente Nacional. Antieuropeísta?, lhe perguntaram. “Agora escutaremos que subiu a taxa de risco, Berlim, Bruxelas... Mas na Itália quem decide são os italianos. Os mercados não têm nada a temer. Pelo contrário, aqui pagarão menos taxas e será um paraíso para quem quiser abrir empresas.”
A Itália foi votar neste domingo ameaçada pela ingovernabilidade e dormiu ainda mais inquieta. Depois da Espanha e da Alemanha, o país dos 64 Governos em 70 anos sofre as consequências do fim do bipartidarismo e do claríssimo avanço das forças radicais. Cerca de 46 milhões de italianos foram chamados a resolver um imbróglio que as pesquisas vinham prognosticando durante semanas. Votaram em torno de 73% dos eleitores, quase dois pontos abaixo do comparecimento registrado há cinco anos. E a opção de protesto, a mensagem contra o establishment e os possíveis arranjos pós-eleitorais triunfaram na Itália, enquanto despencavam as forças mais próximas do centro político Força Itália e Partido Democrático (PD). O resultado pode jogar a política do país em uma situação de bloqueio.
O M5E é o vencedor com um grande resultado, mas não será capaz de chegar à maioria necessária. Pode conseguir na casa das 230 cadeiras da Câmara de Deputados, quando a maioria absoluta se situa em 316. A coalizão de centro-direita, somadas todas as suas forças, superaria em mais de seis pontos os grillini, mas seu resultado (umas 250 cadeiras) tampouco ajudaria a desbloquear a contenda e teria de buscar mais parceiros se quiser seguir em frente com um projeto em que houve mudanças muito significativas.
A Liga de Matteo Salvini surpreende e obtém cifras históricas com as quais supera a Força Itália no campo da centro-direita. O líder xenófobo e eurocético se converte em referência do principal bloco político. O espetacular resultado lhe permitiria, entre outras coisas, formar um governo com o M5E, a opção que mais inquieta a União Europeia e os mercados. Ambos os partidos, e essa é uma grande novidade, somariam nas duas casas a maioria necessária para governar. Mas a essa opção parece difícil. O PD desaba, com cerca de 19% dos votos (23% se forem somados seus coligados). A primeira consequência do fracasso foi a renuncia de Renzi, que anunciou que seu partido ficará na oposição e não governará com forças "extremistas, antisistema e antieuropeístas".
Tanto o M5S quanto o centro-direira tinham a calculadora no sul do país. Ali se decidia realmente a contenda. O norte era dado como garantido nas fileiras de Silvio Berlusconi e companhia, mas as regiões da Sicília, Campanha, Puglia e Lazio, as mais pobres do pais, iriam ser a chave do enigma eleitoral italiano, o mais incerto de que se tem lembrança em um país cuja política não é precisamente simples de decifrar. O M5S avançou muito na conquista desse território, que se tingiu de amarelo, a cor dos grilllini. Na Sicília levou todos os colégios de uma só cadeira. A divisão norte-sul agora também é política na Itália.
Articulações e mercado
Desde que deixaram de ser publicados os resultados das pesquisas, há duas semanas, os números falavam de um complicado quebra-cabeças nos três blocos: a centro-direita, a centro-esquerda e o M5E. A gravidade do assunto e a pressa para solucioná-lo, de qualquer modo, serão determinados agora pelos mercados e uma taxa de risco que começarão a causar danos se o bloqueio não for resolvido. O presidente da República, Sergio Mattarella, e as instituições já trabalham em um cenário de consultas e pactos para evitar o caos. Os mercados, certamente, teriam preferido uma grande coalizão entre a centro-esquerda – o Partido Democrático de Matteo Renzi e +Europa de Emma Bonino— e a Força Itália, um artefato político parecido com o que no domingo recebeu luz verde na Alemanha. Mas já não é possível. O desmoronamento do PD e a debilidade de Berlusconi não vão permitir essa solução.
O partido fundado por Beppe Grillo terá de fazer sacrifícios se quiser formar parte de um Executivo. O mais claro, renunciar a sua promessa de não entrar em alianças de governo. No seio do M5E se falou da questão por toda a semana. E uma possibilidade evidente seria formar um Governo com o PD de Renzi e a esquerda de Livres e Iguais, mas os social-democratas já descartaram essa possibilidade. Em 2013, o então secretário-geral do PD, Pier Luigi Bersani, buscou um pacto com o M5E, o famoso Governo de mudança, que fracassou e até lhe custou o cargo. Muitos no PD temem que seriam engolidos em uma aliança assim.
A outra opção levaria o M5S a um acordo com a Liga e seu pequeno parceiro, os pós-fascistas Irmãos da Itália. Uma combinação que entusiasma personagens como Steve Bannon, o ex-assessor do presidente dos EUA, Donald Trump, que se encontra em Roma como torcedor das opções mais populistas (dito por ele mesmo).
A militância do M5E não veria bem os pactos. Mas o partido liderado por Luigi di Maio não permite que seus representantes se candidatem a mais de duas legislaturas, uma norma que afeta o próprio candidato a primeiro-ministro, que encara agora seu segundo mandato. Se não houver governo e as eleições tiverem de ser repetidas, não poderia voltar a se candidatar. Isso poderia ajudá-lo a reconsiderar algumas de suas promessas. Alessandro di Battista, um dos grandes expoentes da legenda, apontou o preço: “É um triunfo, uma apoteose. Agora todos terão que falar conosco."
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