Às armas, cidadãos!
Qualquer que seja o resultado da ação militar no Rio de Janeiro, sai perdendo a sociedade civil, sai perdendo a democracia
A quebra do estado de direito, com o surrealista processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff, concluído em 31 de agosto de 2016, liderado por Michel Temer e secundado pela direita brasileira, abriu um grave precedente contra a ordem jurídica. E, neste caso, a intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro, em nome do combate ao caos da segurança pública num estado falido e desgovernado, é um simples desdobramento desta mesma lógica autoritária. O problema é que esse caminho pode não ter volta...
Qualquer que seja o resultado da ação militar no Rio de Janeiro, sai perdendo a sociedade civil, sai perdendo a democracia. Se bem sucedida, as Forças Armadas se fortalecem; se malsucedida, se desmoralizam. Em ambos os casos, fortalecidas ou desmoralizadas, as Forças Armadas assumem um papel de protagonista da vida política brasileira. Fortalecidas, podem se sentir tentadas a tomar de vez as rédeas do poder. Desmoralizadas, podem vir a ser convidadas para assumir o comando do conflito que certamente se alastrará país afora.
E os políticos estão prontos a dar sua contribuição para nos afundarmos ainda mais nesse insano atoleiro belicoso. Com a bênção do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pré-candidato à Presidência da República, em breve deve ser colocado em votação o Projeto de Lei 3722/2012, do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), que flexibiliza o Estatuto do Desarmamento, que, desde 2003, restringe o comércio e o porte de armas e que teria, segundo estudo do Ipea, poupado 120 mil vidas desde sua implantação.
O projeto do deputado catarinense propõe a diminuição da idade mínima para aquisição de arma de 25 para 21 anos; proíbe sua compra apenas para condenados por crimes dolosos — hoje, o interessado não pode ter nenhum tipo de antecedente criminal; amplia o número de armas por pessoa de seis para nove e de munição de 50 para 600 por ano; libera a publicidade para todo e qualquer veículo de comunicação; torna desnecessária a revalidação do registro, que hoje é obrigatória de cinco em cinco anos; elimina a necessidade de comprovação da efetiva necessidade da arma, entre outros pontos.
O Brasil é hoje o país com o maior número absoluto de mortes violentas no mundo, cerca de 70 mil assassinatos em 2016, e o 16° no ranking em números relativos — cerca de 30 por 100 mil habitantes. Esse número vem crescendo, era de 26 por 100 mil habitantes em 2015, e equivale hoje a cerca de 12% do total de assassinatos ocorridos no mundo inteiro. Além disso, das 50 cidades mais violentas do planeta, 19 encontram-se no Brasil. Natal (RN) lidera essa triste estatística, com quase 70 mortes violentas por 100 mil habitantes, mais que o dobro da média do país.
Embora o Atlas da Violência indique que 70% dos assassinatos no Brasil sejam provocados por armas de fogo, o deputado Rogério Peninha Mendonça afirma que já conta com o apoio de 153 colegas para aprovação de seu projeto de lei — pelos seus cálculos, 136 se dizem contrários e os restantes 224 declaram-se indecisos. O projeto deve ser relatado pelo deputado Alberto Fraga (DEM-DF), coordenador da Frente Parlamentar da Segurança Pública da Câmara, a chamada Bancada da Bala...
O pré-candidato à Presidência da República e deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que concentra 18% das intenções de voto, segundo pesquisa Datafolha, é um entusiasta do militarismo e do armamento da população. Bolsonaro afirma que “o cidadão armado é a primeira linha de defesa de um país que quer ser democrático“. Para Bolsonaro, as armas são remédio para qualquer doença. Por exemplo: Feminicídio? “Mulher não precisa de lei de feminicídio. Ela tem é que ter uma pistola em casa”...
Antigamente, dizíamos que Deus era brasileiro... Mas parece que ele conseguiu o passaporte europeu e mudou-se para Lisboa...
Com esta coluna, encerro minha participação semanal, que se manteve, ininterrupta, desde 25 de novembro de 2013. A partir de março, minha colaboração passa a ser mensal.
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