Temos que falar sobre segurança, mas nossos políticos falam pouco e falam mal
Os brasileiros não devem ser iludidos por propostas que vêm fracassando há décadas. Merecem uma nova política de segurança pública baseada em fatos
A segurança pública deve ser um dos principais temas da corrida presidencial deste ano. Mas o debate deveria ser pautado em fatos e evidências, não em discursos simplistas. Membros da “bancada da bala” do Congresso — muitos dos quais provavelmente concorrerão à reeleição — vêm propondo projetos de lei que só piorariam a já deteriorada situação.
Por exemplo, defendem endurecer as punições, para diminuir a criminalidade. Porém, aumentar o tempo que as pessoas passam nas já superlotadas cadeias do Brasil representaria um presente às facções criminosas. Essas transformaram as prisões em verdadeiros campos de recrutamento: oferecem aos que ingressam no sistema uma segurança que as autoridades prisionais não garantem, e exigem, em troca, que os presos continuem fazendo parte da facção ao serem liberados.
Os mesmos políticos defendem que julgar e punir jovens de 16 e 17 anos como adultos melhorará a segurança. Não oferecem, porém, nenhuma evidência que sustente essa afirmação. Enquanto isso, estudos nos EUA mostram que adolescentes que são processados no sistema criminal para adultos têm mais chances de reincidir nos crimes depois de soltos em comparação com aqueles adolescentes que respondem no sistema de justiça juvenil.
O que o Congresso deveria fazer é aprovar reformas abrangentes para reduzir o número de presos provisórios no Brasil, e garantir segurança tanto aos adolescentes no sistema socioeducativo quanto aos adultos no sistema prisional, e oferecer-lhes reais oportunidades de trabalho e educação para que possam mudar o rumo de suas vidas.
Há também uma inação desastrosa do Congresso e de outras autoridades em relação a outras áreas para as quais o Brasil precisa desesperadamente de reformas.
A impunidade nos casos de violência policial enfraquece sobremaneira a segurança pública, mas um projeto de lei que aperfeiçoaria as investigações de homicídios cometidos por policiais está parado em Brasília há anos. Que morador de comunidade se apresentaria como testemunha ou denunciaria à polícia crimes ou criminosos depois de ver policiais agredindo e executando pessoas ou recebendo propinas de criminosos?
Esses abusos também colocam sob risco de represália outros policiais, em serviço ou fora de serviço. Além disso, vários policiais militares no Rio de Janeiro me relataram que não denunciaram os crimes de seus colegas por medo de possíveis retaliações, e até de serem mortos.
Mesmo após mais de uma década da aprovação da lei “Maria da Penha” de 2006, para coibir a violência doméstica, a sua implementação ainda está incompleta. Delegacias da mulher não têm funcionários suficientes, geralmente fecham durante a noite e aos finais de semana, e permanecem concentradas nas grandes cidades. Nossas pesquisas apontam que milhares de denúncias de violência doméstica não são investigadas adequadamente e jamais chegam aos tribunais.
Embora grande parte do mundo veja agora as drogas como uma questão de saúde pública, o Brasil continua com a sua retrógrada política de “guerra às drogas”, que contribui para a superlotação das prisões, violência nas ruas e o fortalecimento das facções criminosas. O Brasil deveria descriminalizar o uso de drogas e considerar reformas ainda mais profundas.
Eleições presidenciais apresentam uma excelente oportunidade para o debate público dos problemas de um país. Os brasileiros não devem ser iludidos por propostas que vêm fracassando há décadas. Eles merecem uma nova política de segurança pública baseada em fatos.
César Muñoz Acebes é pesquisador sênior da Human Rights Watch Brasil.
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