Os primeiros compartilhamentos da foto, que originalmente foi enviada em cores à agência, viram nela da “invisibilidade do nosso cotidiano” à “imagem da exclusão social”. Muitos enxergaram um menino perdido, pobre, assustado, sendo ignorado pela massa branca. Viu-se até a imagem das “consequências do golpe” e foi um “soco no estômago” de outros tantos. “Essa é a nossa humanidade hipócrita”, “que essa imagem sirva de reflexão para o que podemos ser em 2018: mais sensíveis, mais tolerantes, mais inclusivos”, “de um lado o encanto. Do outro a indiferença”, legendavam os internautas. Houve também quem, fugindo da interpretação racial, viu a autenticidade de uma criança curtindo o espetáculo enquanto os adultos davam as costas à pirotecnia para tirar seu melhor autorretrato. E também quem aproveitou a imagem e criou memes exaltando pautas da esquerda.
Enquanto a foto viralizava, ativistas do movimento negro lançavam uma outra questão: enxergaríamos essa foto da mesma maneira se o protagonista fosse um menino branco e loiro?
“O problema não é a foto, é a interpretação dela, do seu contexto. As pessoas que olham aquela foto estão pré-condicionadas a entender que a imagem de uma pessoa negra é associada a pobreza e abandono, quando na verdade é só uma criança negra na praia. Essa precondição é racismo estrutural, que vem da má educação do povo brasileiro sobre ele mesmo”, lamenta o escritor Anderson França.
França vê nesta foto o "fetichismo do preto, assim como há fetichismo pelo nazismo, fetichismo pelo oprimido assim como há fetiche pelo opressor". “Usamos o discurso incoerente de que estamos preocupados com a dor dele, mas na verdade nós sentimos prazer. Por isso nós escrevemos embaixo da foto textos enormes elucubrando sobre o abandono daquele menor, quem possivelmente seria o pai ou a mãe, por que ele fugiu, por que ele passa fome... Nós fetichizamos o sujeito. E ainda há quem queira um souvenir: comprar a foto. Mas não estão comprando a foto, estão comprando o que pensam sobre a foto”.

Sob o apelo “Parem com os estereótipos de crianças negras”, Mayara Assunção, do Coletivo Kianda, um grupo de mulheres negras que discute maternidade, arte, educação e cultura, escrevia: “Eu vejo uma criança que parou para olhar a queima de fogos no meio de uma festa. Sinceramente, nós temos que parar de achar que todo menino negro e sem camisa está abandonado, triste, sozinho, infeliz e contrastando com a felicidade dos outros. Temos que parar de achar que todo menino sozinho é criança que vive em situação de rua. Temos que parar de achar um monte de coisas. Inclusive, que é legal expor nossas crianças para a branquitude começar o ano com pena e compaixão de nós. Ah, por favor né, a gente tem essa mania horrível de reforçar os estereótipos de nossas crianças: ‘Que pena!’, ‘É o retrato do Brasil!’, ‘Imagem muito impactante, reforça as desigualdades do país’. Parem! Vocês nem sabem quem é aquele menino. E vocês não querem saber também. Para 2018, menos estereótipos para crianças negras por favor.”
Suzane Jardim, educadora e historiadora e cuja reflexão sobre a repercussão da imagem foi compartilhada mais de mil vezes, sustenta que “a questão é perceber como o corpo negro deixa de ser dotado de individualidade para se tornar um símbolo que dialoga com a culpa de pessoas que o percebem como inferior na primeira olhada”. E alerta: “Não há na imagem qualquer indicação de status social, precariedade ou abandono. Há uma criança sem camisa no mar observando fogos de artifícios maravilhada em uma imagem que de fato é bela, mas nada diz sobre questões sóciopolíticas”. Para Jardim “dar a essa imagem esse caráter de 'retrato da desigualdade' é presumir pela corporeidade do sujeito (no caso criança, negra, sem camisa) que ali há precariedade e sofrimento, o que só pode acontecer em uma sociedade que liga a negritude a esses elementos”.
O fotografo, que preferiu não ampliar o debate com a reportagem até encontrar a família da criança, não sabe o nome do menino. Nem se estava sozinho. Nem se era do Rio. Nem se mora num condomínio de luxo ou numa favela. "Eu estava a trabalho fotografando as pessoas assistindo aos fogos em Copacabana. Ele estava lá, como outras pessoas, encantado. Perguntei a idade (9) e o nome, mas não ouvi por causa do barulho. Como ele estava dentro do mar (que estava gelado), acabou ficando distante das pessoas. Não sei se estava sozinho ou com a família”, disse Landau em seu perfil de Facebook. A fotografia, como completou Landau, abre margem para várias interpretações. “Todas legítimas, ao meu ver. Existe uma verdade, mas nem eu sei qual é”. O fotógrafo foi criticado por expor a criança sem o consentimento dos pais e oferecer seu e-mail a quem se interessou em comprar a fotografia. Landau nega: “Nada foi comercializado por mim, e nem será, sem a autorização da criança e dos responsáveis”.
Pessoas virando as costas para a pobreza ou apenas uma criança?
A complexidade do debate que uma única foto alimentou se explica pela situação atual do país, segundo o psicanalista Tales Ab’Saber, autor do livro Lulismo, Carisma Pop e Cultura Anticrítica. “A foto tem uma vida própria. O movimento negro se inquieta com o clichê e a redução do papel do negro e a esquerda branca –e negra– vê nessa imagem o risco da cisão social brasileira, num tempo em que isso está de volta na pauta política. Vê pessoas festejando a vida e virando as costas para a pobreza, para nossa realidade”, explica Ab’Saber. “São duas correntes progressistas diferentes olhando em níveis diferentes, e a imagem fala das duas. As duas questões importam, não são excludentes”.
O fotógrafo e jornalista Fernando Costa Netto, proprietário da Doc Galeria de fotojornalismo e fotografia documental, enxerga o poder da imagem, “a fotografia com capacidade para mudar a vida de uma pessoa”. “É a fotografia derrubando presidentes, denunciando superlotação em hospitais, documentando as barbaridades das guerras ou mostrando o que a gente já sabe, o abismo entre os de branco e o pequeno sem camisa nessa foto do Lucas. Mesmo que a foto aponte outra coisa quando encontrarem o menino, o Brasil está muito bem espelhado pela foto em Copacabana”, avalia Netto. “Nós estamos aqui discutindo a força e o papel da fotografia, preconceito, o réveillon no Rio, a estética, a emoção, o documento, questionando... A fotografia está cumprindo o papel”.