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Os cremes que os dermatologistas não comprariam jamais

Há mais de 250.000 produtos distintos, mas boa parte deles não vale a pena

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Segundo os últimos dados apresentados pela Stanpa (Associação Nacional de Perfumaria e Cosméticos), os espanhóis gastam 140 euros (560 reais) em média por ano em produtos de perfumaria e cosméticos, e mais de 53% dessa cifra é empregada em cremes para cuidar do rosto e corpo.

Grandes lojas, perfumarias exclusivas e farmácias são os canais mais utilizados para adquirir os cremes que protegem a pele das agressões externas (poluição, raios UV, frio, secura). Eles prometem eliminar as marcas da passagem do tempo, reparar os danos hormonais - como as manchas ou acne - ou devolver à silhueta as curvas perdidas.

Salvo nos casos em que existe uma patologia declarada - como a acne, a psoríase, a atopia ou as alergias -, a compra não segue a orientação de especialistas e é imposta por influências muito mais banais, desde artigos em revistas a anúncios em que se utiliza como porta-voz um rosto conhecido, como estratégia de marketing, passando pela simples recomendação de um amigo.

Este é o primeiro erro que os dermatologistas apontam, porque, sob a promessa de “eliminar as rugas, as manchas ou rejuvenescer as feições”, muitas vezes usamos produtos que não são indicados para o tipo ou a idade de nossa pele e até mesmo podem causar mais danos que benefícios.

Segundo Juan José Vilata Corell, catedrático de Dermatologia da Universidade de Valência e membro da Academia Espanhola de Dermatologia e Venereologia (AEDV), “os cremes de uma mesma marca e indicação não servem para todas as pessoas que têm um objetivo específico porque a pele, como órgão vivo, pode reagir de modo diferente em cada indivíduo”.

 "Os produtos antienvelhecimento de hoje têm algo em comum com os de 20 anos atrás: sua eficácia mínima”, Ricardo Ruiz, diretor da Clínica Dermatológica Internacional

Um exemplo? Um cosmético para reduzir as manchas em cuja fórmula costumam ser incluídos ácidos, substâncias químicas como o kójico ou fítico, que branqueiam e esfoliam, pode ser agressivo para peles sensíveis ao sol ou à ingestão de um medicamento - os anticoncepcionais orais podem ter esse efeito colateral. Daí que antes de adquirir um tratamento cosmético específico é necessário realizar um diagnóstico prévio por um especialista (dermatologista, médico esteticista ou terapeuta esteticista).

"A eficácia de um produto é resultado de estar bem indicado ou escolhido para o problema cosmético a corrigir, pela qualidade dos componentes básicos que vão modificar o que desejamos e que esteja formulado no excipiente adequado”, explica Vilata.

É o que acontece com os cosméticos para combater as manchas. “É mais frequente que as pessoas usem um creme branqueador global, afirma a dermatologista Paloma Cornejo, para reduzir as manchas. No entanto, nem todos servem. A primeira coisa que é preciso ver é o tipo de mancha (envelhecimento, hormonal, medicamentosa...) porque nem todas são tratadas do mesmo modo. Dependendo de sua origem, devem ser enfrentadas com cosméticos à base de hidroquinona, ácidos branqueadores (kójico, lácticos, fítico…)”.

E aqui entramos no mundo que os dermatologistas mais temem: os produtos adquiridos pela Internet, “que prometem milagres", comenta a especialista. "Do tipo: Graças à sua fórmula revolucionária elimina manchas como o melasma e branqueia até as peles mais escuras... Além de problemas de formulação, os resultados podem ser adversos, falsos e até perigosos para a saúde”.

Luxo e eficácia não são sinônimos

No mercado cosmético podemos encontrar cremes de tratamento antienvelhecimento cujos preços oscilam entre os 30 (120 reais) e os 300 euros (1.200 reais). A grande diferença de preço significa melhores resultados? Quanto mais caro for um creme, maior sua eficácia?

"Para manter uma pele saudável, tanto em homens como em mulheres, basta um creme hidratante e um produto antienvelhecimento que contenha algum ácido, como o ácido glicólico”, Julián Conejo-Mir, catedrático de dermatologia da Universidade de Sevilha

Quanto a isso, a maioria dos especialistas tem a mesma opinião de Elena de las Heras, dermatologista do Hospital Ramón y Cajal, de Madri, que afirma que “um creme mais caro não tem por que ser melhor. Há alguns muito baratos que não são tão eficazes como os da dermofarmácia. No entanto, existem outros de alta cosmética caríssimos em que o preço é definido, além da sua fórmula, pelo prestígio da marca, o frasco, a publicidade, etc, e que não são mais eficazes que um de farmácia com ácido glicólico, grande gerador de colágeno, retinoico, antirrugas e firmadores; ou salicílico com propriedades perfeitas para tratar as imperfeições tanto cromáticas como epidérmicas, como o excesso de gordura e as impurezas.

Como afirma María José Ubillos, especialista em medicina antienvelhecimento e diretora do centro médico estético que leva seu nome, “podem ser encontrados cremes por 30 ou 40 euros que proporcionam a mesma eficácia que outros mais caros. A partir desses preços se vendem outros fatores, como o aroma, a textura, a exclusividade...” Já que é possível encontrar no mercado “cremes com relação qualidade-preço muito boa, é preciso desconfiar dos milagres, tanto a preços muito econômico como exorbitantes”.

Os dermatologistas não são partidários de recomendar o luxo, mas a eficácia: “Gastar mais de 30 euros em um creme cosmético é jogar dinheiro fora”, argumenta Julián Conejo-Mir, catedrático de dermatologia da Universidade de Sevilha.

O que realmente funciona

De acordo com esse especialista, “as substâncias como o caviar ou o extrato de seda não podem ser absorvidas pela pele, isso é puro marketing. Para manter uma pele saudável, tanto em homens como em mulheres, basta um creme hidratante e um produto antienvelhecimento que contenha algum ácido, como o ácido glicólico. Se a isso adicionarmos o uso diário de um protetor solar, já percorremos 60% do que temos de fazer”.

"Os cremes de uma mesma marca e indicação nem sempre servem para todas as pessoas que têm um objetivo concreto porque a pele pode reagir de modo diferente em cada indivíduo”, Juan José Vilata Corell, catedrático de Dermatologia

Outro dos cavalos de batalha dos especialistas em pele são os chamados cremes com efeito. Ricardo Ruiz, um dos dermatologistas mais combativos da profissão e diretor da Clínica Dermatológica Internacional, é muito claro: nunca os recomendaria como panaceia para o rejuvenescimento facial.

"Não existe um creme cosmético que contenha toxina botulínica (conhecida como botox e cuja missão consiste em paralisar de modo temporário - uns 6 meses - os micromúsculos para congelar o gesto de zonas como o contorno dos olhos ou a testa); não há cremes que tenham efeitos laser, um creme não pode ter um efeito lifting nem conseguir efeitos similares a uma dermoabrasão, uma técnica que consiste em polir a epiderme e renovar bem sua aparência utilizando alfa-hidroxiácidos ou algum aparato como o laser CO2 ou similar”.

Taxativo. E prossegue; “Todo ano surgem novos cremes milagre. Os produtos antienvelhecimento de hoje têm algo em comum com os de 20 anos atrás: sua mínima eficácia. Na realidade, a molécula em creme mais eficaz para melhorar a qualidade da pele continua sendo o ácido retinoico, perfeito para combater e reduzir as rugas, e que tem mais de 20 anos”.

O que de fato melhorou, segundo Ruiz, “é a textura, a qualidade e a estabilidade desses produtos. Mas sua eficácia contra a flacidez, rugas ou manchas continua sendo mínima. Os únicos cosméticos que se salvam do ataque são “os cremes de proteção solar, que realmente evoluíram muito, sendo hoje bem mais eficazes e mais agradáveis de usar que há alguns anos”. Nem células-tronco, nem baba de caracol nem caviar de uso tópico para rejuvenescer.

E os 'milagres' corporais, existem?

A opinião é unânime, até do outro lado do Atlântico, como afirma o prestigiado dermatologista David J. Goldberg, da Academia Americana de Dermatologia: “As curas tópicas contra a celulite que são propagandeadas não funcionam. Apesar do entusiástico anúncio de tais proclamas, nenhum creme, poção ou loção teve comprovação científica como produtor de algum efeito sobre esse problema”.

É bem verdade que podem melhorar a textura e a qualidade da pele de laranja, até dar um efeito de drenagem e conseguir a perda de volume, em água e líquidos retidos, mas “não chegam aos adipócitos onde a gordura está depositada”, esclarece.

"Gastar mais de 30 euros em um creme cosmético é jogar dinheiro fora”, Julián Conejo-Mir, catedrático de dermatologia da Universidade de Sevilha

Quanto às odiosas estrias, Rciardo Ruiz é claro: “O único produto que provou sua eficácia contra as estrias é o ácido retinoico, já que é capaz de gerar novo colágeno, que é o que uma estria necessita para melhorar. Os cremes antiestrias vendidos atualmente não demonstraram propiciar maior benefício que um creme hidratante normal”.

Concluindo: os dermatologistas não são a favor de recomendar cremes ‘milagre’, mas princípios ativos cuja eficácia tenha sido demonstrada por meio de estudos clínicos. Não são partidários do café com leite para todos, mas de uma orientação sobre cosméticos compatível com as necessidades e o estado de cada pele e problema, e defendem que sejam acompanhados por cuidados cosméticos simples, constantes e de estilo de vida –dieta, exercício, etc.

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