Brasileiro promete fidelidade a batons e cremes mesmo com alta de tributos
Terceiro maior mercado do mundo, setor cresce 10% e pagará mais impostos neste ano Para Dilma, bom desempenho das vendas reflete "vaidade intrínseca" dos cidadãos do país
Mesmo desempregada, Francineide Neres, de 19 anos, não passa uma semana sem comprar um item de maquiagem. “Vou intercalando: um rímel, uma base, batom, blush, delineador. Como era secretária, me acostumei a estar sempre arrumada para receber pessoas importantes e acabou virando uma paixão”, conta com uma sacola de uma perfumaria nas mãos.
Francineide reclama dos altos preços dos cosméticos, mas apesar de saber que eles devem subir após o aumento de impostos do setor decretado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e publicado nesta quinta-feira, não pensa em parar de comprar os produtos. “Sei que está tudo muito caro, mas é uma prioridade para mim, porque me sinto bem. Prefiro cortar outras despesas, eu dou um jeito”, explica.
O auxiliar administrativo Weverton Cavalcante, de 22 anos, também está disposto a fazer um “esforço” a mais para continuar comprando cosméticos. Ele separa 200 reais mensais para gastos com perfume, creme de barbear e corpo e xampu. “Acho que um pequeno aumento não vai mudar essa cultura do brasileiro, somos vaidosos”, explica.
Um dos indícios, que assim como Francineide e Weverton, os brasileiros não consideram esses produtos de beleza supérfluos, está no desempenho do setor. O Brasil é o terceiro mercado mundial de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, atrás apenas de Estados Unidos e China. Segundo os últimos dados disponíveis pela Associação Brasileira da Indústria e Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHBEC), o setor faturou 43 bilhões de dólares no país em 2013 e vem crescendo a uma média de quase 10% ao ano.
A presidenta Dilma Rousseff, em seu discurso no início da semana, exaltou a importância do setor ao afirmar que “somos um dos primeiros mercados de cosméticos do mundo” e que as brasileiras “têm a vaidade intrínseca, o que é muito bom para o país, para as empresas e para os trabalhadores”.
Porém, o segmento vê o crescimento ameaçado pelo decreto do governo que determina que, além dos fabricantes, as distribuidoras paguem o IPI (Imposto sobre Produto Industrializado). Segundo empresários, o aumento da carga tributária será repassada ao consumidor final.
A equiparação do imposto foi adotada pelo Governo para reforçar a arrecadação e ajudar no programa de ajuste fiscal de 2015. Segundo o Ministério da Fazenda, a mudança na tributação de cosméticos resultará numa arrecadação adicional de R$ 381,4 milhões em 2014. Já em 2015, o valor será de R$ 653,85 milhões, pois a cobrança valerá durante todo o ano-calendário.
“Sei que está tudo muito caro, mas é uma prioridade para mim, porque me sinto bem. Prefiro cortar outras despesas, eu dou um jeito”
De acordo com o jornal “Valor Econômico”, um estudo encomendado pela ABIHBEC e entregue ao Governo calculou os reajustes de preços necessários para absorver a cobrança do imposto. Em tinturas, o aumento de preço ao consumidor seria de 12,4%, assim como para os cremes , loções e maquiagem. Em produtos para barbear, a alta seria de 12,5%. Os cálculos, ainda de acordo com a publicação, foram feitos pela equipe da LCA Consultores e levaram em conta o aumento de todos os produtos. O Governo informou nesta semana que a cobrança do imposto se dará em produtos em que a tabela de IPI começa em 15%. Segundo o estudo, uma cobrança de IPI com efeito posterior negativo em volume e produção, poderia levar uma perda de 200 mil “oportunidades de trabalho”.
Setor tenta barrar mudança
Diante das mudanças, várias empresas do setor representadas pela ABIHBEC tentam derrubar a cobrança. Nesta quinta-feira, João Carlos Basílio, presidente da associação, e uma comitiva com os executivos das principais companhias, se reuniram com Jorge Rachid, Secretário da Receita Federal, em Brasília. O objetivo do encontro, segundo a ABIHBEC era mostrar os impactos negativos sobre o setor e a sociedade com o aumento da carga tributária.
"A medida é perversa, porque transfere para o atacadista - que é um comerciante- os custos da indústria", afirmou Basílio. "O setor não tem benefícios fiscais, e teve os preços reajustados abaixo da inflação no último ano, portanto o novo sistema não se justifica", acrescentou.
“Somos um dos primeiros mercados de cosméticos do mundo. [As brasileiras] têm a vaidade intrínseca, o que é muito bom para o país, para as empresas e para os trabalhadores”
Procuradas pela reportagem, algumas empresas do setor como a Natura, Boticário e Avon afirmaram que não comentariam os impactos das mudanças na tributação da indústria de cosméticos. A assessoria da Natura reforçou que o Governo ainda segue em negociações com o setor.
Em entrevista coletiva, representante da Receita Federal alegou que a equiparação entre o IPI da indústria e dos atacadistas de cosméticos foi necessária porque brechas na legislação permitem subfaturamento no comércio.
Alguns empresários já se preparam para entrar na Justiça por acreditarem que a cobrança seria ilegal. No entendimento da advogada Camila Galvão, do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, a medida pode ser questionada já que pode haver uma discussão se ela deveria ter sido decidida por lei ou por decreto. “Não é uma simples inclusão de produtos numa lista, é mais que isso. É a determinação que uma empresa, um distribuidor que não era contribuinte do IPI passa a ser. Há a inclusão de um sujeito passivo, então teria que ser por lei, mas o Governo entende que isso pode ser feito por decreto”, explica.
Perfumes e batons terão impostos mais altos
A Receita Federal informou nesta quinta-feira quais serão os cosméticos que sofrerão aumento de impostos a partir de 1º de maio. A lista de produtos inclui perfumes, maquiagem para lábios, olhos, preparações para manicures e pedicures, preparações capilares para alisamento ou ondulação de cabelos, laquês, preparações para barbear, sais perfumados e outras preparações para banho e perfumes de ambientes. Os itens estão no decreto 8.395, publicado nesta quinta-feira no Diário Oficial da União.
De acordo com o documento, empresas de um mesmo grupo fabricante de cosméticos devem passar a pagar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre suas vendas no atacado. Anteriormente, essa cobrança incidia apenas sobre as vendas feitas na indústria. Assim, embora alíquota não tenha subido, haverá um aumento da carga tributária.
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