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Justiça argentina proíbe escolas públicas de ensinar religião

A Suprema Corte decide em favor dos pais que denunciaram a província de Salta, no norte, por discriminar alunos que não querem estudar religião

Protesto contrário à proibição da educação religiosa em Salta, em agosto passado.
Protesto contrário à proibição da educação religiosa em Salta, em agosto passado.Télam
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A educação pública na Argentina deveria ser laica. A decisão remonta a 1884, e acaba de ser ratificada pela Suprema Corte de Justiça. Há 133 anos, o país sul-americano aprovou a lei 1420, o pilar sobre o qual se construiu seu sistema escolar público, gratuito e obrigatório, e que definiu que o ensino religioso deveria ser opcional, contar com autorização dos pais e ser ministrado fora do horário escolar. Nos últimos anos, a província de Salta, no norte do país, uma das mais católicas da Argentina, se distanciou dessa norma fundamental e aprovou lei que determinou que se rezasse no início das aulas e que a religião fizesse parte do plano de estudos em suas escolas públicas. A Suprema Corte de Justiça declarou nesta quarta-feira, dia 13 de dezembro, que a lei de Salta é inconstitucional por considerar que discrimina e viola a privacidade, como denunciou um grupo de pais.

Em seu julgamento, divulgado pelo Centro de Informação Judicial, a Corte “considerou provado que é habitual o ensino e a prática de catequese de um só culto (o católico apostólico romano)”. Para os juízes, “a norma questionada, ao incluir a educação religiosa escolar, dentro do plano de estudos e com o aval da respectiva autoridade religiosa, favorece condutas discriminatórias contra meninos e meninas que não integram o grupo religioso predominante ou qualquer outro, gerando, dessa forma, maior desigualdade”.

No Brasil, o Supremo Tribunal federal (STF) decidiu em setembro deste ano que o ensino religioso é compatível com a laicidade da educação, em uma decisão contrária a do país vizinho.

O tribunal máximo argentino exortou as autoridades provinciais a garantir o fim dos ritos religiosos durante o dia letivo e adaptar o currículo escolar. Também invalidou a obrigação dos pais de manifestar se desejam que seus filhos recebam educação religiosa.

“É uma sentença excelente, estamos muito felizes porque fomos nós que promovemos a ação e pelo que representa para os argentinos”, declarou ao EL PAÍS Torquato Sozio, titular da Associação de Direitos Civis (ADC), que se apresentou com os pais como querelante contra a província de Salta. Sozio admite que a sentença está limitada à província de Salta e não atinge outras regiões com leis educacionais semelhantes, como Catamarca e Tucumán, também no norte. Mesmo assim, cria um precedente e pode motivar outros pais a denunciar se os governos provinciais não prestarem atenção e determinarem mudanças contrárias à sentença judicial.

A decisão, aprovada por maioria, foi precedida de grande expectativa. Antes de tomar a decisão, os juízes da Corte Suprema convocaram audiências públicas nas quais se apresentaram as partes e meia centena de consultores, que expuseram suas opiniões sobre a denúncia. Na capital do estado, quase a 1.400 quilômetros a noroeste de Buenos Aires, nos últimos meses ocorreram marchas em favor e contra a educação religiosa.

O tribunal máximo de Salta tinha dado razão às autoridades provinciais, mas a ADC recorreu. O procurador geral na Suprema Corte, Vítor Abramovich, apoiou os querelantes ao destacar que muitas escolas de Salta, além de não oferecerem alternativas à religião, faziam constar nos boletins escolares dos alunos que rejeitavam as aulas os dizeres “não crente”.

“A aplicação das normas questionadas auxiliou, nos fatos, a segregação e a consolidação de preconceitos e estereótipos contrários às minorias religiosas, com a gravidade de que a escola pública primária é uma oportunidade essencial para formar meninos e meninas na diversidade e no pluralismo religioso”, determinou o promotor. A pouco tempo do próximo ano letivo, que começa em março, as aulas de religião das escolas públicas deverão voltar ao lugar extracurricular ao qual foram relegadas no século XIX.

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