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Aumento de ciclistas e pedestres mortos desafia políticas de mobilidade de Doria

Prefeito não construiu nenhum quilômetro de ciclovia ou ciclofaixas permanentes em seu primeiro ano de gestão

Bicicletada contra violência no trânsito em São Paulo.
Bicicletada contra violência no trânsito em São Paulo.Cris Faga (Folhapress)
Gil Alessi

Desde que foi eleito, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), queria que o motorista paulistano pudesse pisar fundo no acelerador. Com o lema “Acelera São Paulo” usado como slogan de campanha e mote para sua visão de modernização da cidade, o tucano buscou se distanciar ao máximo do legado de seu antecessor, o petista Fernando Haddad, cuja vitrine da gestão foram as ciclovias, ciclofaixas e ações de acalmamento do trânsito. Com poucos meses ocupando o escritório no Viaduto do Chá, Doria aumentou a velocidade nas marginais, anunciou a remoção de parte da malha cicloviária já existente e congelou a construção de novas. Agora, com quase um ano de gestão à frente da maior metrópole brasileira, o prefeito se depara com um dado alarmante: o aumento no número de ciclistas e pedestres mortos. E um balanço parcial de nenhum quilômetro de novas ciclovias ou ciclofaixas permanentes construídas.

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De janeiro a outubro deste ano foi registrado um crescimento de 55% no número de vítimas fatais em bicicleta com relação ao mesmo período de 2016: de 20 óbitos para 31. Os dados são do Infosiga, do Governo do Estado de São Paulo, que divulga balanços mensais sobre vítimas do trânsito. As informações chamam atenção porque o aumento de ciclistas mortos contrasta com a redução no número de pessoas mortas no trânsito em geral de janeiro a outubro, que teve queda de 5,8% (de 792 em 2016 para 746 em 2017). Ou seja, ciclistas passaram a morrer mais no trânsito em um momento no qual o total de vítimas diminuiu.

Para cicloativistas, o aumento de mortos sob duas rodas têm relação direta com as mensagens e incentivos da prefeitura para que motoristas andem mais rápido. “A gestão ignora que é papel do Governo fazer com que o motorista não libere seu instinto de dirigir rápido”, afirma Rene José Rodrigues Fernandes, pesquisador de políticas públicas da Faculdade Getúlio Vargas São Paulo e diretor do Ciclocidade, entidade do terceiro setor voltada à questão de mobilidade em bicicletas. Um dos exemplos destas mensagens, além do lema “Acelera São Paulo”, seria o uso do piloto aposentado de Fórmula 1 e Fórmula Indy Emerson Fittipaldi como garoto propaganda do aumento de velocidade nas marginais. O pesquisador destaca também que “as políticas de mobilidade ativa, voltadas para ciclistas e pedestres, foram suspensas, em detrimento de políticas voltadas para carros”. Prova do aparente descaso com o ciclista seria o fato de que, em um ano, a prefeitura não inaugurou nenhum quilômetro de novas ciclovias e ciclofaixas permanentes, apenas cerca de 10 km de ciclovias de lazer, abertas apenas aos domingos.

Em nota, a prefeitura rebateu as críticas feitas por Fernandes, e afirmou que “não aumentou a velocidade nas ruas da cidade (...) [o que poderia justificar o aumento das mortes], e a readequação da velocidade faz parte única e exclusivamente do Programa Marginal Segura”. De acordo com o texto, “a Companhia de Engenharia de Tráfego aumentou o rigor na fiscalização para infrações de desrespeito a ciclistas e pedestres, telefone celular, avanço de semáforo e falta de uso de seta nas conversões”. A prefeitura não sugeriu fatores para explicar as razões do aumento na mortalidade de ciclistas.

O consultor de engenharia de transporte de pessoas Horácio Figueira afirma que ainda não é possível fazer uma correlação entre o aumento do número de ciclistas mortos e os incentivos da gestão de Doria ao carro. “Essa relação só faria sentido se todos os ciclistas tivessem morrido na marginal, onde houve aumento de velocidade”, afirma. Segundo o especialista, "não é possível chegar a uma explicação. Não dá pra dizer se é descuido dos ciclistas, que estão se colocando mais em risco, ou se são os motoristas que estão mais agressivos”. De acordo com ele, nos últimos anos “existem mais ciclistas se aventurando nas ruas da cidade, o que é positivo, mas aumenta a exposição a acidentes e riscos”.

Para o consultor, muitos ciclistas “adquiriram péssimos hábitos dos motociclistas, como trafegar no corredor entre as faixas, furar sinais vermelhos e até andar na contramão”. Por outro lado, “o motorista continua dirigindo pela cidade igual uma criança em parque de diversão”. “Não existem ações educativas de longo prazo e permanentes para motoristas, ciclistas e pedestres. É preciso encher o saco do cidadão dizendo que não pode usar celular no trânsito e que é preciso usar a seta”. Figueira destaca ainda o aumento no número de pedestres mortos - de 327 de janeiro a outubro de 2016 para 340 no mesmo período deste ano, um aumento de quase 4%.

Retrocessos na legislação

“O motorista continua dirigindo pela cidade igual uma criança em parque de diversão”

Se a situação de quem anda de bicicleta em São Paulo é ruim, o horizonte pode se tornar mais complicado. A Câmara Municipal aprovou uma lei, sancionada por Doria, que altera os critérios para a implementação de ciclovias ou ciclofaixas na cidade, uma das grandes polêmicas da era Haddad, acusado de impor ciclovias na cidade. Agora novas vias para bicicleta só poderão ser criadas após a realização de audiências públicas e a apresentação de estudos de demanda e impacto viário na região. As justificativas para a medida, de acordo com o texto da lei, seriam a suposta “falta de demanda”, o risco a pedestres em alguns trechos e o prejuízo financeiro de lojistas com estabelecimentos nas vias com malha cicloviária. Todos os 10 vereadores signatários do projeto são do PSDB. Cicloativistas criticaram a medida, que segundo eles inviabiliza a ampliação da malha para bicicletas. Além disso, rebatem o argumento da falta de demanda afirmando que cabe ao poder público fomentar a demanda oferecendo infraestrutura segura para que mais pessoas passem a se locomover de bicicleta.

Segundo a prefeitura, o objetivo da nova legislação é “defender um amplo debate democrático para o planejamento cicloviário”, envolvendo “a sociedade, a comunidade de ciclistas, além de comerciantes e representantes das Prefeituras Regionais”. Ainda de acordo com a nota, a diretriz da gestão é “dar a máxima utilidade às ciclovias existentes, promovendo a interligação da malha cicloviária com terminais de ônibus, do Metrô e da CPTM”.

A nova legislação também alterou as ações prioritárias para mobilidade de bicicleta, que na gestão de Haddad eram as ciclovias e ciclofaixas (a primeira construída fora da pista de rolagem de automóveis e a segunda na própria pista). Agora a prioridade passam a ser as ciclorotas, que são vias compartilhadas por carros e bikes no mesmo espaço de rolagem, sem segregação ou sinalização no asfalto. Cicloativistas criticaram a medida, uma vez que na ciclorota a bicicleta fica mais exposta do que em uma via exclusiva. Sérgio Avelleda, secretário de Transportes, justificou a medida dizendo que “há ruas tão calmas que não faz sentido segregar a bicicleta”.

O texto sancionado por Doria diz que “o Sistema Cicloviário do Município de São Paulo deverá ser composto preferencialmente por faixas compartilhadas e ciclovias, sendo que a opção por ciclofaixas deverá ser adotada apenas quando não houver indicação técnica para a implantação de faixas compartilhadas e quando houver disponibilidade de espaço físico”.

Muitos vereadores da base aliada de Doria têm encampado a luta pela remoção de ciclofaixas. Vários deles organizam abaixo-assinados e protocolam requerimentos para retirar as vias para bicicleta em seus redutos eleitorais. O maior expoente desta vertente tem sido João Jorge (PSDB), que de acordo com a Folha de S.Paulo tenta excluir mais de cem trechos de toda a cidade. Ele também foi autor da lei que dificulta a implementação de novas ciclovias.

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Orçamento apertado e desrespeito às ciclofaixas

Fernandes, da Ciclocidade, também destaca que o orçamento da prefeitura destinado à construção e manutenção da malha cicloviária, que era originalmente 25 milhões de reais e 5 milhões de reais, foi congelado e reduzido para 8,9 milhões de reais e 60.000 reais. “Muitas ciclovias estão simplesmente desaparecendo por falta de manutenção”, afirma. No entorno da praça da Sé, região central de São Paulo, por exemplo, a tinta vermelha que indicava a via para bikes já descascou praticamente toda.

Questionada, a prefeitura não respondeu quanto foi gasto pela gestão na manutenção e ampliação da malha cicloviária. Em nota, a CET informou que foi criado “um grupo de trabalho que está finalizando o planejamento do sistema cicloviário da cidade”, e que “a meta é buscar sempre dar a melhor utilidade à rede existente, oferecendo segurança, corrigindo falhas e garantindo a conectividade entre as rotas de bicicletas e os meios de transportes coletivos”. De acordo com a prefeitura, “novos projetos (...) serão anunciados em breve”.

Mas essa não é a única informação desanimadora para a mobilidade sobre duas rodas em São Paulo. O número de multas aplicadas a motoristas que trafegam em ciclovias e ciclofaixas teve alta de 62% no período de janeiro a agosto deste ano com relação ao mesmo período de 2016. Os dados, do Portal Mobilidade, aparecem em reportagem do portal G1. Foram aplicadas 2.024 multas do tipo em 2017 ante 1.246 no ano passado. Além disso, cresceu também o número de multas para motoristas que estacionam em vias segregadas para ciclistas: de 1.632 para 2.026, aumento de 24%. O secretário dos Transportes creditou o fato a um aumento da fiscalização, mas cicloativistas afirmam que isso se deve a um aumento do desrespeito aos ciclistas.

“Muitas ciclovias estão simplesmente desaparecendo por falta de manutenção”

“Falar em aumento da fiscalização é uma piada”, afirma Fernandes. Ele cita dados da Companhia de Engenharia de Tráfego com relação ao número de multas aplicadas a motoristas que passam raspando quando cruzam com ciclistas, as finas: “São aplicadas 1,8 autuações do tipo por mês. Eu por dia levo umas quatro finas”. Pela legislação vigente, motoristas devem manter distância de 1,5 metro de bicicletas no trânsito.

As condições pouco amigáveis de trânsito para os ciclistas e problemas contratuais entre prefeitura e operadores tiveram reflexo também no sistema de bicicletas compartilhadas BikeSampa, o maior da capital. Segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de São Paulo, o uso da plataforma – cuja primeira hora é grátis - caiu 41,8% em um ano, de 703.000 viagens entre agosto de 2015 e julho de 2016, para 409.000 entre agosto do ano passado e julho de 2017. A reportagem aponta que “bicicletas quebradas, dificuldade para retirá-las das estações e falta de pontos estão entre as queixas”. A prefeitura decidiu abrir a plataforma para novos operadores interessados, mas o decreto ainda não foi regulamentado, o que precariza o serviço devido à insegurança jurídica provocada. Doria também não regulamentou o projeto de lei aprovado na Câmara e sancionado na gestão de Haddad que previa benefícios e incentivos para quem fosse trabalhar de bicicleta.

Os ciclistas não são os únicos condutores de veículos de duas rodas que têm pago com a vida na selvageria do trânsito paulistano. O número de motociclistas mortos de janeiro a agosto em São Paulo aumento 0,8% este ano: de 247 para 249 vítimas fatais.

Por fim, o número de motoristas (de carros e motos) mortos na marginal após o aumento da velocidade também cresceu. Em 2016 foram 26, e entre janeiro e outubro deste ano já são 27 mortos, segundo reportagem da Folha de S.Paulo. Doria foi categórico: "Não há qualquer correlação de que houve um aumento de acidentes e o fato de termos ampliado as velocidades nas marginais Tietê e Pinheiros."

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