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Holanda investiga como ex-general bósnio conseguiu veneno para se suicidar

Como a substância chegou às suas mãos, quem a forneceu e por que não foi detectada a pela segurança?

Isabel Ferrer
Bandeira de Slobodan Praljak, que se suicidou nesta quarta-feira
Bandeira de Slobodan Praljak, que se suicidou nesta quarta-feiraELVIS BARUKCIC (AFP)
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A Justiça holandesa abriu uma investigação para desvendar os detalhes do suicídio de Slobodan Praljak, o ex-general bósnio-croata que ingeriu nesta quarta-feira um veneno no Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia. (TPIY). Como a substância letal chegou às suas mãos, quem a forneceu e por que não foi detectada a tempo pelos serviços de segurança são as três incógnitas a ser resolvidas pelos promotores de Haia, a sede do tribunal. Praljak rejeitou energicamente a confirmação pelos juízes de apelação de sua pena de 20 anos de prisão, imposta em 2013, em primeira instância, por crimes de guerra contra os muçulmanos bósnios. De pé, tomou agitado uma bebida que acabou com sua vida nas duas horas seguintes. No momento, há múltiplas hipóteses em análise e não se descarta nenhuma delas, desde visitantes e parentes a conhecidos e até membros de sua equipe de defesa. Qualquer um pode ter lhe passado o veneno.

As medidas de segurança do tribunal, e do presídio que as Nações Unidas alugam para estes presos em Scheveningen, o distrito costeiro de Haia, são semelhantes. Contam com aparelhos detectores de metais, telas para observar o conteúdo de roupas e malas e a correspondente revista posterior. Praljak e outros acusados, ou condenados em processo de apelação, convivem na mesma zona da prisão. Sem divisões por etnias, recebem numerosas visitas. Uma vez no tribunal, sobem de celas no porão para a sala de sua audiência e têm contato direto com seus advogados. Se comprimidos ou líquido passaram despercebidos desta vez é algo que ninguém explica, por ora.

Praljak, que era também escritor e diretor de cinema e teatro, não se considerava um criminoso de guerra, e seu suicídio diante das câmeras, em público, foi uma denúncia com um toque exibicionista. Atribuí-lo à sua antiga condição de cineasta é algo quase óbvio, mas o fato é que outros dois réus, também condenados por crimes de guerra e contra a humanidade, como ele, pelo Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia (TPIY), fugiram dos holofotes e se suicidaram em suas celas. Sobre esses casos, incluindo a morte do ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic, pairam as dúvidas sobre as medidas de segurança da corte e da prisão da ONU onde permanecem os acusados da guerra dos Bálcãs.

O primeiro a morrer foi o servo-croata Slavko Dokmanovic, de 48 anos, que apareceu enforcado em 29 de junho de 1998 em sua cela de Scheveningen. Julgado pelo massacre do hospital de Vukovar (Croácia), da qual era prefeito, e onde paramilitares sérvios mataram mais de 200 pacientes, fora atendido na tarde de sua morte pelo médico da prisão. À meia-noite a luz de seu cubículo se apagou, o que Dokmanovic possivelmente conseguiu provocando um curto-circuito com uma maquininha elétrica de barbear. Pouco depois os guardas o encontraram enforcado. Sofria de depressão, mas não a ponto de lhe ser aplicado o protocolo de vigilância contra suicídios. Houve um período de sua prisão, porém, em que havia estado sob estrita supervisão. Não chegou a conhecer sua sentença.

Em março de 2006, Miln Babic, antigo presidente da região separatista sérvia de Krajina (Croácia), se enforcou, também em sua cela. Havia sido condenado a 13 anos de prisão por limpeza étnica contra a população não sérvia. Segundo contou o TPIY na época, Babic tinha sido visto às seis da tarde daquele dia sem que houvesse muita novidade. Meia hora depois, quando voltaram a checar sua cela, estava morto. Quanto a Slobodan Milosevic, o primeiro chefe de Estado a ser acusado de genocídio pela Justiça internacional contemporânea, a versão oficial é que faleceu de morte natural na prisão. Tinha hipertensão e tomava medicamentos. Se ultrapassou a dose dos comprimidos ou, pelo contrário, não os tomou para evitar a condenação, não foi possível comprovar. Antes de morrer, tinha pedido transferência para a Rússia para se tratar. A Justiça negou.

Os promotores holandeses guardam silêncio sobre a morte de Praljak, e a Sala 1 do tribunal, onde tudo aconteceu, está selada para a revisão dos legistas. A imprensa croata publica todo tipo de versões sobre a morte do que considera um “mártir da pátria” –nesta quinta-feira, o Parlamento do país manteve um minuto de silêncio. Em particular, se concentram na suposta lentidão dos serviços médicos proporcionados pelo TPIY para atender aos processados das guerras dos Bálcãs. Em Haia, testemunhas que presenciaram o suicídio na quarta-feira, já que Praljak tomou o veneno e foi retirado da sala da corte, declararam a este jornal que os paramédicos o atenderam ali mesmo. “Mas a ambulância demorou uma hora para chegar e levou outra hora até que fosse levado ao hospital (Haaglanden Medisch Centrum, em Haia)”. As mesmas testemunhas, que pedem para permanecer no anonimato, afirmam que viram ”sangue” e escutaram “gritos de dor do homem, que se retorcia”.

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