Holanda é responsável por omissão no massacre de Srebrenica, diz tribunal
A Corte de Apelação de Haia considerou que os capacetes azuis holandeses encarregados de proteger o enclave atuaram “ilegalmente” ao entregar 300 bósnios muçulmanos às forças servo-bósnias
Um tribunal dos Países Baixos responsabilizou nesta terça-feira os capacetes azuis holandeses encarregados da segurança dos bósnios no enclave muçulmano de Srebrenica pela matança executada por tropas servo-bósnias em 1995.
Assim, a Corte de Apelação de Haia ratificou uma sentença de 2014 que considera os soldados holandeses responsáveis pelos danos sofridos pelos 300 bósnios mantidos no complexo da ONU em Srebrenica e entregues às forças servo-bósnias que os massacraram. A ação foi iniciada naquele ano pelas Mães de Srebrenica, que representam 6.000 pessoas.
“A Corte considera que o Estado atuou ilegalmente” e o “condena ao pagamento de uma indenização parcial” às famílias das vítimas, declarou o juiz Gepke Dulek, para acrescentar que as forças de paz holandesas facilitaram a separação dos homens e crianças muçulmanas “sabendo que havia um risco real de os sérvios da Bósnia os submeterem a um tratamento desumano”.
Os capacetes azuis holandeses foram os últimos integrantes da Força de Proteção da ONU, a Unprofor, enviados aos enclaves bósnios de Gorazde e Zepa, em Srebrenica. Declarados “zonas seguras” pelas Nações Unidas em 1993, esses enclaves receberam milhares de bósnios muçulmanos.
O contingente enviado a essas áreas só tinha autorização para usar a força em defesa própria, e não para proteger a população civil que vivia ali, apesar das advertências de que estava sendo realizada uma limpeza étnica.
Em julho de 1995, as tropas comandadas pelo geral servo-bósnio Ratko Mladic cercaram Srebrenica e os capacetes azuis dos Países Baixos entregaram os 300 bósnios abrigados na base militar de Potocari. O tribunal decidiu que os holandeses agiram “ilegalmente” e que o Estado holandês é “parcialmente” responsável pela matança. Oito mil homens e crianças morreram na pior matança cometida na Europa desde a II Guerra Mundial e que o Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia qualificou de genocídio.
A decisão é inédita porque a ONU e seu pessoal gozam de imunidade frente a processos judiciais, que só podem ser julgados pelas autoridades do país a que pertencem os trabalhadores da organização internacional envolvidos nos fatos em questão. Por esse motivo, as Mães de Srebrenica já perderam uma ação similar contra a ONU, apresentada ao Tribunal de Direitos Humanos de Estrasburgo em 2013. A corte europeia decidiu que a ONU gozava de imunidade.
Naquele mesmo ano, o Supremo Tribunal holandês confirmou uma decisão anterior da Corte de Apelação de Haia sobre um caso concreto: a morte de Rizo Mustafic, o eletricista do complexo dos capacetes azuis, e de Ibro e Mohamed Nuhanovic, pai e irmão de Hasan, o tradutor, que sobreviveu. Apesar de se tratar de “um caso particular separado do conjunto do genocídio”, o Estado holandês já não poderia invocar a imunidade das Nações Unidas para justificar a omissão de seus 400 capacetes azuis. Esse processo judicial abriu as portas para novas ações, como a que resultou na decisão desta terça-feira.
Além disso, 200 veteranos da Unprofor processaram os Países Baixos para obter uma indenização por enviá-los a “uma missão impossível” de cujo fracasso foram responsabilizados pela comunidade internacional, segundo informa o portal de notícias dutchnews. O advogado Michael Ruperti afirmou que cada um exige uma indenização simbólica de 22.000 euros – 1.000 euros por cada ano que passou desde a matança de Srebrenica – pelo trauma psicológico.
Em 2002, a investigação oficial do Instituto para Estudos de Guerra, Holocausto e Genocídio (NIOD) concluiu que as tropas holandesas não tinham como evitar o massacre porque não possuíam os meios necessários para isso, mas afirmou que silenciaram sobre o ocorrido. A publicação do relatório do NIOD provocou a renúncia em bloco do Governo de Wim Kok. “De maneira alguma assumimos a culpa pelo que aconteceu Srebrenica, mas assumimos nossa responsabilidade”, declarou então o primeiro-ministro social-democrata.
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