Haia condena Karadzic a 40 anos de prisão por massacre de Srebrenica
Tribunal especial considera que o ex-líder servo-bósnio foi responsável também pelo cerco a Sarajevo
Radovan Karadzic, ex-líder político dos sérvios da Bósnia, foi condenado nesta quinta-feira pelo Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia (TPIAI) a 40 anos de prisão por crimes de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A sentença considera que ele foi o mentor político do massacre de 8.000 homens e meninos na cidade bósnia de Srebrenica, em 1995, numa tentativa deliberada de destruir a população muçulmana da Bósnia como um todo. Ele também foi condenado pelo cerco a Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, onde 12.000 pessoas perderam a vida devido à fome, a doenças e a ataques armados entre 1992 e 96. A sentença sai 21 anos depois do final da guerra de independência da Bósnia (1992-95), que matou mais de 100.000 indivíduos. Karadzic recorrerá da condenação.
“Ao matar todos os homens em idade de procriar [em Srebrenica] e comprometer assim o futuro da sua comunidade, fica claro um plano preconcebido para se desfazer deles”, dizem os juízes na sentença. O réu sabia do ocorrido “pelos relatórios regulares recebidos em tempo real, e era o único que poderia ter evitado a matança, na sua qualidade de presidente da denominada República Sérvia da Bósnia”. Além disso, o apoio de Karadzic no cerco a Sarajevo foi, segundo os juízes, “decisivo na campanha realizada por franco-atiradores para semear o terror entre os civis”. Os promotores, que pediam prisão perpétua, esperam que o veredicto contribua para a reconciliação de bósnios, sérvios e croatas.
A corte que processou Karadzic considera provado que ele elaborou um plano para “gerar um clima de insegurança que tornasse impossível a vida em Srebrenica e provocasse uma catástrofe humanitária, para depois ordenar às tropas servo-bósnias que ocupassem a cidade”. O general Ratko Mladic, apresentado pelo tribunal como o braço executor das decisões de Karadzic, anunciou durante a operação militar, em julho de 1995, que os homens com idades entre 16 e 70 anos “seriam examinados, e as mulheres separadas dos homens; os primeiros, por sua vez, deveriam ser divididos em grupos para distinguir entre soldados bósnios e civis”. A situação era tal que os muçulmanos bósnios “foram obrigados a partir, e começou a ficar claro que a ideia de eliminá-los fazia parte do mencionado plano preconcebido”. Tratava-se de uma limpeza étnica, que a promotoria atribui ao ex-político.
A sentença examinou em profundidade o ocorrido nos diferentes municípios bósnios durante a guerra e conclui que Karadzic “criou estruturas políticas, militares, policiais e paramilitares para expulsar do solo bósnio a população não sérvia – ou seja, os croatas e muçulmanos bósnios – e reivindicar seu território como se fosse deles próprios”. Karadzic, segundo o tribunal, só tentou controlar os milicianos “quando estes já tinham alcançado seus objetivos, que eram as suas próprias ordens”. Por outro lado, dizem os juízes, o dirigente transmitia a sensação de concordar com os crimes cometidos, “ao não persegui-los, ao negar o ocorrido nos municípios bósnios, ou ao dar explicações que sabia serem errôneas”. Mesmo que não tivesse a intenção de cometer os massacres, ele “sabia qual era a situação, a animosidade interétnica e o clima de impunidade em que operavam os soldados sérvios que executavam o plano comum de criar uma terra só para eles”. Uma das acusações de genocídio supostamente perpetrado em um desses enclaves foi retirada, mas isso não afeta o conjunto da sentença.
O ex-presidente era réu em 11 acusações de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade
Filho de um sapateiro e uma agricultora nascido em 1945 em Montenegro, Karadzic, hoje com 70 anos, foi um aluno brilhante na escola e se formou em psiquiatria. Poeta diletante, chegou a publicar sua obra e recebeu prêmios. Desembarcou na política na década de oitenta, pelas mãos do Partido Democrático Sérvio, empenhado em criar uma república própria na Bósnia (a República Srpska). Só havia uma forma de conseguir isso, segundo a promotoria do TPIAI: expulsando os bósnios e croatas, em especial os de credo muçulmano, que lá viviam. Karadzic não manchou as mãos diretamente. Mas foi, conforme agora aponta a sentença, o responsável pela imposição implacável do seu ideário político em todo o território sob seu controle. Quando os acordos de Dayton puseram fim à guerra, ele desapareceu.
Foi capturado 13 anos depois, em 2008, em Belgrado, usando o nome falso de Dragan Dabic. Tinha a documentação regularizada e exercia a medicina alternativa em uma clínica particular. Para dificultar sua identificação, havia substituído seu aspecto elegante por uma barba e cabelos muito longos. Uma vez em Haia, sede do tribunal, o ex-político foi mudando de estratégia. Inicialmente, tentou paralisar o processo, negando-se a colaborar. Slobodan Milosevic, ex-presidente sérvio também acusado pelo genocídio de Srebrenica, havia feito o mesmo e morreu de ataque cardíaco, em 2006, sem que a sentença tivesse sido proferida.
Mas a partir de 2009 Karadzic reapareceu bem vestido e barbeado, dizendo confiar em “um julgamento justo”. Exercendo sua própria defesa, pediu imediatamente uma prorrogação de 10 meses “para ordenar o material e confrontar a situação nas mesmas condições que a promotoria”. Os juízes rejeitaram o pedido e lhe impuseram um advogado ex-officio para assumir a defesa. Desde então, e sobretudo após a chegada das testemunhas da promotoria, Karadzic passou a se defender com declarações grandiloquentes.
“A causa dos sérvios da Bósnia era justa e sagrada”, disse em 2010, argumentando que esse grupo étnico corria o risco de ser exterminado pela população muçulmana. “Tudo o que os servo-bósnios fizeram foi se defender, mas isso foi interpretado como um crime”. Assim como Milosevic, ele aproveitou os holofotes do tribunal para expor “o sofrimento sérvio, que dura 500 anos”. Afirmou ser vítima de uma conspiração internacional, pois “jamais tive a intenção, ideia e muito menos o plano de expulsar muçulmanos e croatas dos territórios sérvios da Bósnia”. Sua única intenção, alegou, era “nos salvar da perseguição dos primeiros, dispostos a se apropriarem das nossas cabeças, bens e territórios”. Para evitar sua suposta responsabilidade no massacre de Srebrenica, Karadzic valeu-se da sua reconhecida eloquência. “Não soube do ocorrido até chegar a Haia”, afirmou, para surpresa geral. Em 2007, a Corte Internacional de Justiça da ONU, que também funciona em Haia, havia concluído que a matança desses 8.000 homens e meninos muçulmanos foi um genocídio, responsabilizando diretamente a Sérvia “por não impedi-lo”. Karadzic estava naquela época em Belgrado, exercendo a medicina alternativa.
Vendo que sua estratégia não surtiria efeito, passou a negar a existência de provas que pudessem condená-lo pelo pior dos delitos previstos pela Justiça internacional. “É um caso fabricado contra mim. Não há uma só prova que demonstre minha participação nesse genocídio e no terror desatado na Bósnia contra muçulmanos e croatas. O que os promotores estão fazendo é obrigar s que se sente no banco dos réus, junto comigo, todo o povo sérvio, a quem eu só queria proteger”. Os promotores, porém, apontaram-no como o motor da limpeza étnica, “porque se gabou de que eliminaria da Bósnia os habitantes muçulmanos e croatas, com a desculpa de que eles pretendiam criar uma república islâmica”. Ratko Mladic, general que chefiou o Exército servo-bósnio durante o mandato de Karadzic, responde pelos mesmos crimes no TPIAI. Mladic foi o suposto braço executor das ordens do seu chefe político.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.