Não à delação do marqueteiro é revés para Lava Jato e alívio para PMDB do Rio
Proposta de Renato Pereira foi rejeitada pelo STF, mas acabou divulgada de forma inédita. Situação cria imbróglio legal na corte e é mais um golpe nas investigações
Narradores talentosos conseguem construir histórias à semelhança de uma boneca russa, como se uma trama escondesse outra sucessivamente. Não à toa a proposta de delação do marqueteiro Renato Pereira parece ter virado uma dessas. As declarações do estrategista que se tornou a cara do sucesso eleitoral do PMDB do Rio parecem saída de dentro da delação da Odebrecht contra os principais políticos fluminenses, só que com novas provas e novos crimes. Tem potencial não só de acabar de vez com os planos do partido que dominou a cena no Estado como, de quebra, já criou um novo e delicado imbróglio legal no Supremo Tribunal Federal para a Operação Lava Jato.
Embora sejam raros os casos de delações recusadas pelo Supremo Tribunal Federal na operação – antes de Pereira, só o ex-deputado Pedro Corrêa teve proposta rejeitada pela corte – a situação do marqueteiro pode abrir um precedente para que novas propostas de delação sejam recusadas em sequência, na visão do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Isso porque, depois do acordo firmado entre Pereira e Janot, o ministro Ricardo Lewandowski rejeitou a homologação da delação porque entendeu que o ex-procurador geral concedeu benefícios penais sem que houvesse previsão legal para isso. Pereira tinha conseguido de Janot o perdão judicial em vários crimes narrados, mesma situação do empresário Joesley Batista. E o Supremo Tribunal Federal já tinha deixado essa possibilidade de benefício em aberto no julgamento em plenário que validou a delação da JBS. Mas Lewandowski foi voto derrotado naquela ocasião e agora abriu nova divergência ao analisar o caso do marqueteiro.
A discordância de Lewandowski também trouxe uma situação inédita. Sob o argumento de que já tinham sido publicados na imprensa trechos da delação de Pereira, o magistrado tornou pública a íntegra dos depoimentos, vídeos e documentos do marqueteiro. Se algum delatado não sabia quais riscos corria, a retirada de sigilo da proposta de delação terminou de mostrar quais foram os crimes revelados pelo marqueteiro e facilitou a ocultação de provas pelos criminosos delatados. Pereira ficou sem o bônus do benefício penal, mas arcou com o ônus de ser alcaguete e o Ministério Público avalia que a retirada de sigilo também trouxe risco à segurança da família do marqueteiro.
Com a recusa da delação de Pereira também foram prejudicadas investigações da força tarefa da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, de acordo com o procurador Eduardo El Hage. Sem acordo homologado, as revelações podem acabar inutilizadas, porque o Ministério Público Federal tem considerado que não podem ser utilizadas provas e informações obtidas em proposta de delação premiada caso um acordo não seja assinado e homologado. Ou seja, sem homologação, é como se nada existisse a não ser que procuradores descubram as provas por conta própria de outras formas. El Hage criticou a rejeição da homologação, porque a delação do marqueteiro revelaria crimes desconhecidos na área de comunicação do Governo do Rio de Janeiro e da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Os depoimentos iniciais do marqueteiro mal tinham começado a desvelar todos os crimes. Pereira ainda não tinha detalhado como funcionou a guerrilha virtual de apoio ao PMDB nas redes sociais, por exemplo, nem o favorecimento de órgãos de imprensa na publicidade do Governo do Rio de Janeiro, assuntos insinuados na proposta de delação. E o marqueteiro tomou o cuidado de falar apenas que cometeu a prática de “caixa dois” na proposta de delação, como o empresário Emilio Odebrecht chamava de “ajuda” aquilo que procuradores consideravam serem pagamentos de propina. Para os procuradores que analisaram a delação de Pereira, não foram delatados apenas pagamentos de "caixa dois". Para investigadores, a delação de Pereira trouxe provas de lavagem de dinheiro e crimes contra a administração pública em contratos dos governos Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão – no governo do Rio – e Eduardo Paes – na Prefeitura do Rio. E Paes, mesmo depois da delação da Odebrecht, ainda é cogitado como candidato ao governo do Rio em 2018 – a delação do marqueteiro pode enterrar esses planos.
Cabral, preso e condenado a 72 anos e quatro meses de prisão, já estava em situação comprometedora mesmo sem as revelações do marqueteiro. Mas a delação poderia dar impulso para ações penais contra o ex-prefeito Eduardo Paes e o governador Luiz Fernando Pezão. Não à toa advogados de políticos do PMDB pediram acesso à delação de Pereira logo depois da divulgação da rejeição do acordo por Lewandowski.
No caso do ex-prefeito do Rio, Pereira disse que começou a receber pagamentos em espécie de Paes antes da campanha eleitoral de 2012. Segundo a proposta de delação do marqueteiro, o ex-prefeito “avisou que eu seria procurado por Leandro Azevedo, da Odebrecht, o que de fato ocorreu”. Azevedo já tinha revelado esses pagamentos em acordo de delação premiada. Mas Pereira trouxe provas complementares: e-mails e informações sobre os locais de entrega dos pagamentos. O marqueteiro também revelou os locais em que recebeu pagamentos em espécie de um assessor de Paes, lotado na Prefeitura do Rio, entre agosto e setembro de 2012.
O marqueteiro também narrou como foram os encontros com Pezão, em seu apartamento, de onde saíram definições para receber pagamentos dissimulados em 2014. Pereira disse que recebeu pelo menos 5 milhões de reais da construtora Andrade Gutierrez, que foram repassados por ordem de Pezão. Segundo o marqueteiro, Pezão tinha combinado esses repasses com o empresário Sérgio Andrade, sócio da Andrade Gutierrez.
Mesmo no auge da Operação Lava Jato, na campanha de 2016, Pereira disse que voltou a receber pagamentos dissimulados. O marqueteiro contou, na proposta de delação, que ganhou cerca de 180 mil reais por mês, em espécie, antes da campanha oficial, pouco depois de uma reunião em março de 2015 com Paes e seu candidato à sucessão, o deputado Pedro Paulo Carvalho Teixeira (PMDB). O dinheiro também foi entregue por funcionários da Prefeitura, de acordo com o marqueteiro. Antes da campanha oficial, Pereira disse que também recebeu um pagamento, combinado com Paes, do empresário Jacob Barata, hoje um dos presos da Operação Lava Jato.
"Diante disso, em maio de 2016, fui chamado à Prefeitura para discutir o pagamento das parcelas referentes aos três últimos meses de pré-campanha, à produção de filmes para o PMDB e a despesas extras. Nessa oportunidade, Eduardo Paes consultou-me sobre a possibilidade de realizar um último pagamento via caixa dois, com o objetivo de sanar todas as despesas pendentes (cerca de dois milhões de reais) com um único empresário, o sr. Jacob Barata, do Grupo Guanabara", afirmou em proposta de delação. "Dias depois, enquanto estava viajando, recebi mensagem de Eduardo Paes via Wickr solicitando que uma pessoa da Prole fosse buscar um milhão de reais em espécie na sede da Guanabara Diesel, na Avenida do Brasil", acrescentou.
O marqueteiro também delatou que recebeu pagamentos dissimulados para ajudar a senadora Marta Suplicy (PMDB) e que foi beneficiado em licitação pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf (PMDB), com quem combinou o resultado. Na Fiesp, Pereira fez a campanha "quem vai pagar o pato?", que colocou um pato de borracha na Avenida Paulista.
Ao falar de todos os pagamentos delatados, o marqueteiro disse que eram oriundos de serviços de campanha, mesmo fora de anos eleitorais. Justificou que fazia serviços eleitorais para Paes e Pezão mesmo antes das campanhas oficiais. Mas, na avaliação de procuradores, a situação é mais complicada do que o simples “caixa dois”, porque houve ocultação da origem desses pagamentos e o marqueteiro disse que participou de fraudes e combinações de resultados de licitações na Prefeitura do Rio e no Governo do Rio, antes e depois das campanhas.
O marqueteiro João Santana também tinha a versão de que só recebeu pagamentos de "caixa dois" e que usou todos esses recursos para saldar dívidas de campanhas, mas acabou condenado por lavagem de dinheiro pelo juiz Sérgio Moro. Para complicar a situação dos políticos, foi nesse processo de Santana que o tesoureiro João Vaccari Neto, do PT, acabou condenado pela primeira vez em segunda instância por intermediar o repasse de dinheiro de um empresário para Santana. Se adotados os mesmos critérios que condenaram Vaccari e Santana, os políticos do PMDB precisam torcer para continuar inútil a delação do marqueteiro.
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