Polícia Federal prende Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro
Diretor do COB também foi detido em operação que investiga possíveis compras de votos para a escolha do Rio como sede da Olimpíada 2016
A Justiça e a Polícia Federal brasileiras parecem cada vez mais perto de demonstrar que a vitória do Rio de Janeiro como sede olímpica foi uma farsa. Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) desde 1995, foi preso nesta quinta-feira, 5 de outubro, e é apontado como intermediador e “figura central” de um esquema criminoso que uniu os interesses econômicos de empresários e políticos do Rio com os dos membros do Comitê Olímpico Internacional (COI), dispostos a vender seus votos para a escolha da cidade olímpica de 2016. Junto a Nuzman foi preso também Leonardo Gryner, braço-direito do presidente do COB e ex-diretor de operações do comitê Rio 2016. Ambos serão indiciados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Nuzman costumava se autoproclamar como o “pai da Olimpíada” e reivindicava seu papel na vitória. “Eu trouxe os Jogos para o Brasil”, dizia.
A operação da Polícia Federal, batizada de Unfair Play- segundo tempo, é um desdobramento da Lava Jato e foi motivada por um pedido do Ministério Público francês, no fim do ano passado, após encontrar indícios de corrupção na candidatura do Rio em investigação sobre doping no atletismo.
A suspeita é que o Rio, com a mediação de Nuzman, comprou o voto do senegalês Lamine Diack, ex-presidente da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), por, pelo menos, dois milhões de dólares. Diack, além de ter votado a favor do Rio no processo de escolha da sede de 2016, ainda teria influenciado outros dirigentes esportivos do continente africano a fazerem o mesmo. Nesta quinta, a Polícia Federal divulgou e-mails que contêm troca de mensagens entre Nuzman e Papa Massata Diack, filho de Lamine, o qual mostrava a inquietação dos “nossos amigos” pela demora em receber os valores da propina. Num dos e-mails, o filho do senegalês afirma que o atraso no pagamento gerou "de nosso lado todo tipo de constrangimento de pessoas que confiaram no nosso comprometimento em Copenhague".
Segundo as investigações, o empresário Arthur César Soares de Menezes, conhecido no Rio como Rei Arthur por ostentar os mais rentáveis contratos com o Governo do Rio, foi o responsável por pagar a propina semanas antes da escolha, em outubro de 2009, em Copenhague. Gryner, segundo o jornal Folha de S.Paulo, admitiu em depoimento ao Ministério Público que encontrou com Soares e discutiu com ele o patrocínio de eventos da IAAF, entidade dirigida por Lamine Diack. A reunião foi intermediada por Sérgio Cabral, ex-governador do Estado.
O Rei Arthur está foragido há dois meses, mas não é o único sob a mira da Justiça. A Olimpíada foi um grande negócio para a cidade, e os investigadores têm indícios da participação de outros empresários na fraude para se beneficiar economicamente depois com a obtenção de contratos públicos e privados associados ao evento. Todos os suspeitos são parte da camarilha do ex-governador Sergio Cabral, hoje preso e condenado a mais de 45 anos de prisão por corrupção. “Os Jogos foram uma das melhores estratégias para a capitalização político e econômica. Trouxeram investimentos, obras foram realizadas e contratos de serviços foram firmados com várias empresas já denunciadas. Os amigos da corte [de Cabral] tiveram seus lucros, e por outro lado pagaram a propina que vem sendo demonstrada”, afirmou a procuradora Fabiana Schneider.
Os bens de Nuzman, que fez fortuna durante os últimos dez como presidente do COB, é um dos elementos que mais chamou a atenção dos investigadores: o patrimônio do dirigente cresceu 416% no período entre 2006 e 2016, sem que haja transparência sobre sua origem. A véspera dos Jogos foi também um período lucrativo para o presidente do COB, que viu seus bens crescerem exponencialmente. Em 2014, ele declarou 8,4 milhões de reais em bens, o dobro do declarado no ano anterior. Nessa declaração de bens ficou patente, segundo os investigadores, que a maioria do seu patrimônio provem de ações de companhia sediada nas Ilhas Virgens, um conhecido paraíso fiscal. “O imposto de renda não condiz com o que Nuzman recebe no Brasil e no exterior. Tampouco esclarece a origem desses recursos”, afirmou o procurador Rodrigo Timóteo. Na declaração não aparecem tampouco seus salário como presidente do COB e do Comitê Rio 2016.
A situação legal de Nuzman se complica ao ter alterado sua declaração do imposto de renda poucos dias após da primeira operação da Polícia Federal da qual foi alvo um mês atrás. Após a PF ter feito buscas na sua casa e tomado depoimento, o cartola retificou o documento e incluiu 480.000 reais que foram encontrados na sua casa –um valor superior ao que tinha no banco– e 16 quilos de outro guardados em uma entidade da Suíça avaliados em dois milhões de reais. “É uma forma de tentar dar aparência de legalidade a um patrimônio que era obscuro”, disse a procuradora.
Após a prisão temporária de Nuzman –por cinco dias renováveis– a presidência do COB será ocupada pelo vice-presidente, Paulo Wanderley Teixeira, ex-presidente da Confederação Brasileira de Judô. O COI, anunciou por sua vez, que pode suspender o dirigente.
O Rio conquistou o direito de ser sede da Olimpíada em sua terceira tentativa, depois de perder para Atenas (2004) e Londres (2012). Além de Madri, superou as candidaturas de Chicago e Tóquio, que vai sediar os Jogos em 2020 e também é investigada pela força-tarefa internacional por compra de votos. “Tecnicamente, o Rio de Janeiro tinha a pior candidatura entre todos os concorrentes e, mesmo assim, saiu vencedor”, disse Schneider um mês atrás. O Rio venceu o pleito por 66 votos a 32 da capital espanhola. Mas para Nuzman não havia espaço para questionamentos: “Tivemos mais que o dobro dos votos de Madri. Foi uma vitória incontestável do Rio de Janeiro e do povo brasileiro”.
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