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PF mira a Assembleia Legislativa do Rio e revela máfia do PMDB no Estado

Suposto esquema de propinas era gerido por deputados para favorecer empresas de transporte

O presidente da Alerj, Jorge Picciani, em imagem do dia 19 de dezembro de 2016
O presidente da Alerj, Jorge Picciani, em imagem do dia 19 de dezembro de 2016Tania Rego (EFE)
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Uma grande operação da Polícia Federal nas ruas do Rio de Janeiro tenta fechar o cerco a um esquema de corrupção que envolve grandes empresários de transporte e deputados estaduais, como o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB). As investigações apontam que a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) mantinha uma caixinha em nome de deputados estaduais para garantir, através da aprovação de leis, benefícios, isenções fiscais e outras medidas favoráveis ao setor, “em detrimento do interesse público”.

Os investigadores defendem a existência de um esquema criado nos anos noventa, quando a Assembleia Legislativa (Alerj) era presidida pelo ex-governador Sérgio Cabral, já condenado a mais de 72 anos em três processos por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Esta operação confirmaria, segundo a PF, que o poder legislativo do Rio, liderado pelo PMDB há mais de duas décadas, é também beneficiário dos desvios corruptos já desvendados no poder executivo. “Há um comando horizontal de uma grande confraria do crime organizado no Estado mantida por agentes públicos do executivo e legislativo e grandes empresários, sobre tudo da construção civil e da Fetranspor”, afirmou o superintendente Regional da Polícia Federal no Rio, Jairo Souza da Silva. “O Estado vem sendo saqueado por esse grupo há mais de uma década. Resultando, como todos sabem, na falência moral e econômica do Rio”, completou.

Os agentes cumpriram mandados de busca e apreensão nos gabinetes de Picciani e dos também peemedebistas Paulo Melo e Edson Albertassi. Os policiais surpreenderam o presidente da Alerj desembarcando de um avião no Rio, como pode ser visto num vídeo gravado pelo humorista e escritor Gregório Duvivier. Segundo a polícia, de 2010 a 2015, o presidente Picciani, teria recebido cerca de 58,5 milhões em propina, enquanto Melo teria se beneficiado com 53,4 milhões. Ambos comandam empresas de agropecuária, um setor que pela sua baixa tributação e escassa fiscalização é usado para a lavagem de dinheiro, afirmou a procuradora regional Andréa Bayão Pereira. “Não é por acaso que Picciani e Melo realizam atividades com gado, que é altamente suscetível de lavagem de dinheiro. Não e por acaso que desde que entraram na vida pública multiplicaram seu patrimônio”, completou o procurador Carlos Alberto Gomes.

Na operação, desdobramento da Lava Jato, a Polícia Federal cumpriu também um mandado de prisão contra um dos filhos de Picciani, Felipe Picciani, gerente da Agrobilara, a empresa que cuida dos milionários negócios da família e que estaria sendo utilizada para das aparência de legalidade ao dinheiro proveniente de propinas. Outros filhos de Picciani como Leonardo, ministro de esportes, e Rafael, deputado estadual, não estão sendo investigados.

"O que aconteceu hoje com meu filho é uma covardia feita para atingir tão somente a mim", afirmou Picciani em comunicado divulgado à imprensa. "Felipe é um zootecnista, bom pai, bom filho, bom amigo, que trabalha de sol a sol e não tem atuação política. Todos que o conhecem o respeitam e sabem do seu caráter e correção", disse o presidente da Alerj, ressaltando que sua família atua há 33 anos no ramo da pecuária, antes mesmo dele ter ingressado na vida política. "Com trabalho duro, nos transformamos numa das principais referências em alta genética do país. Trinta e três anos não são trinta e três dias."

Picciani afirmou ainda que em toda sua carreira carreira jamais recebeu qualquer vantagem em troca de favores. "A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro não atua a serviço de grupos de interesse, não interfere em aumento de tarifas (que é autorizado pelo Governo do Estado e não passa pela Casa). E não votou isenção de IPVA para ônibus, porque isso foi feito por decreto pelo ex-governador (decreto 44.568 de 17/01/2014), quando eu nem sequer tinha mandato. São portanto falsas as acusações divulgadas".

Foram cumpridos ainda mandados de prisão preventiva contra três pesos pesados do setor de transportes do Estado, Carlos Lavouras, Lélis Teixeira e Jacob Barata Filho. Os três empresários já tinham sido presos em julho e liberados mediante habeas corpus pelo ministro do STF Gilmar Mendes.

Crise no Governo estadual

Edson Albertassi, líder do Governo na Assembleia Legislativa, era remunerado para dificultar, na Alerj, a tramitação de projetos populistas apresentados, que trariam prejuízos para o setor de transporte, segundo os investigadores. O deputado ainda era a aposta do governador Luiz Fernando Pezão para ocupar a vaga de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado, que opera com membros interinos interinamente desde que todos seus integrantes – menos um – foram presos por corrupção em março deste ano.

Sua nomeação foi suspensa pela Justiça nesta segunda e tem causado mais uma crise no Governo estadual, além de provocar a queda do procurador geral do Rio, Leonardo Espíndola, que se opôs a defender a indicação. Os procuradores suspeitam hoje que a tentativa de nomeá-lo fosse uma manobra para esquivar-se da investigação. “Esse parlamentar não preenche os requisitos para ocupar o cargo de conselheiro”, afirmou o superintendente da PF. “Com este trabalho e diversas outras operações policiais constata-se que o poder executivo, legislativo, e o Tribunal de Contas, que deveriam ser autônomos com dever de fiscalização recíproca, estão estruturados em flagrante organização criminosa”, manteve o delegado responsável pela operação, Alexandre Ramagem.

Os três deputados foram conduzidos coercitivamente a prestar depoimento, mas se dependesse dos procuradores já estariam presos. A Constituição contempla a prisão provisória de deputados apenas quando existe flagrante de um crime inafiançável. Os procuradores entraram com um pedido no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), responsável pelo caso, para que considere flagrantes os crimes atribuídos aos deputados. O pedido tem como base a suspeita de que o os três parlamentares cometem até hoje crime de lavagem de dinheiro.

As investigações partiram de operações anteriores e, especialmente, da delação do doleiro Álvaro Novis, que afirmou ter distribuído cerca de 500 milhões de reais, entre 2011 e 2015, a agentes públicos, a pedido dos empresários do setor de transporte. As planilhas apreendidas apontaram que Cabral mantinha uma conta com a Fetranspor, usada para dividir seus benefícios com outros caciques do partido. “Era o acordo politico necessário para o Governo conseguir seus objetivos”, afirmaram os investigadores.

A operação, a nona contra a corrupção no Rio em 2017, foi batizada de Cadeia Velha, em referencia à prisão da época colonial que, após ser derrubada, deu origem ao Palácio Tiradentes, sede da Alerj.

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