A montanha russa do independentismo da Catalunha na vida de um casal
Gloria é cientista política e independentista; Alejandro, graduado em Direito, é conselheiro do PP
Quando descobriu a foto, Gloria Jurado mandou uma mensagem a seus amigos: “Merda, vou fazer a pós com um cara do PP”. Ela, catalã independentista, viu a mensagem dele com uma bandeira da Espanha que, confessa, lhe dá urticárias. Ele é Alejandro Rodríguez, conselheiro municipal pelo PP em Terrassa e defensor da unidade da Espanha. Conheceram-se em uma pós-graduação em Política e começaram a discutir com argumentos, um hábito saudável que continuam praticando cinco anos depois. De amigos tornaram-se um casal pouco convencional que atravessou junto e com preocupação as semanas mais difíceis da história recente de Catalunha e Espanha.
Horas depois da conversa deles com o EL PAÍS, a juíza Lamela decretou prisão preventiva para Junqueras e sete ex-consellers. Também demitiu, rejeitando a aplicação do 155, Jordi Ballart (PSC), prefeito de Terrassa. Faz parte do município de Barcelona (215.000 habitantes), onde moram os dois e onde Rodríguez é conselheiro pela oposição. “Vivemos isso com muita tensão, mas não entre nós. Estamos acostumados a discutir política”, afirma ele. “As siglas engolem tudo. As pessoas veem o PP quando olham para ele, eu vejo Alex”, acrescenta ela.
Em 1 de outubro, Jurado foi votar. Seu irmão e sua cunhada tinham ido dormir no colégio em que votou na noite anterior para que não o fechassem. Seu namorado passou a manhã em seu escritório e a tarde no sofá de sua casa assistindo os resultados e as imagens das ações policiais. “Manifestei publicamente que era preciso responsabilizar os culpados por essas ações. Entendo que seja preciso cumprir o mandato de um juiz, mas a polícia poderia ter feito de outra forma”, explica ele.
Dois dias depois, a Generalitat (Governo regional catalão) convocou uma “paralisação do país” — uma greve geral promovida pela Administração — e ela se irritou. Mas não com ele. De novo mensagens no whatsapp do grupo de Jurado, todos independentistas e “com o president até o final”, explica ela. Anunciavam que iriam se manifestar em frente à sede do PP de Terrassa. “Fiquei com receio! Disse a minha colega de apartamento: ‘E se Alex estiver, o que vai fazer quando ele sair?’” Ele doura a pílula: “Para mim, toda concentração pacífica é bem-vinda. Estamos acostumados a que nos joguem ovos, naquela concentração não aconteceu nada”. Mas ela pensou no pior: “Eu sabia que ele não estaria. Mas imaginei que poderia se aproximar por algum motivo e que teria à sua frente meu pai e meus amigos, gritando”.
Nesses dias, Jurado saiu do grupo de whatsapp de seus amigos, mas já voltou. Ele continua nos mesmos grupos. E garante que 60% de suas amizades são independentistas: “Nem nós somos monstros nem dou razão a pessoas do meu partido que dizem: ‘Aqueles caras da CUP são comunistas’. Você precisa conhecer alguém da CUP. O problema é que o carimbo político está devorando as pessoas”.
Os dois garantem que têm uma boa relação com a família do outro. O pai de Alejandro é andaluz e sua mãe, galega, nenhum independentista. “Estão encantados com ela, cap problema [nenhum problema]”. Os pais de Gloria são de Priego de Córdoba e independentistas.
“É mais fácil haver brincadeiras do meu lado, porque aqui ninguém vai se meter com você por ter um namorado de Esquerra ou do PSC. Sempre me dizem: ‘é muito lindo, só tem um defeito’”, explica ela.
— Bom, também sou careca — diz ele.
— Mas isso para eles tanto faz.
— Mas para mim não!
Riem, dão as mãos novamente e se beijam. Estão encarando bem a situação, insistem, porque discutem política com argumentos e paixão — se entusiasmam tanto que pegaram um avião para passar quatro dias na campanha eleitoral dos EUA vencida por Trump. E graças ao humor. Como o que ela demonstrou quando, em sua primeira viagem à Galícia, devolveu o dinheiro que devia a ele em um envelope no qual escreveu: PP. Ou no dia em que cruzaram com uma manifestação pró-Espanha, ela ficou presa no assento do copiloto e ele começou a tocar a buzina: “Viva Espanha”.
Os dias prévios ao referendo gravaram um vídeo “como um exorcismo, porque tudo é uma loucura”. Na gravação, no sofá da casa dele, pedem para manter a calma. “Paz e amor”, diz ela. “Legalidade e Constituição”, replica ele. E, claro, a namorada se esquiva três vezes antes do beijo final. “As pessoas prestaram mais atenção nas fugidas dela do que na mensagem”, lembram.
Jurado garante que se desligou do procés depois do referendo. “Em certo momento desci do carro, era pró-referendo, mas apostava no diálogo, porque pareciam dois carros a ponto de bater, alguém precisava parar.” Ele reconhece erros de condução por seu partido. “Creio a comunicação por parte do Governo central que tenha falhado. Havia ofertas de diálogo, mas os independentistas não quiseram comparecer ao Congresso e ao Senado. No máximo teríamos de ter comunicado melhor nossa vontade de falar.” Ela: “Rajoy e todos no PP não foram líderes. Um líder sabe dizer: ‘isso está passando dos limites e temos que fazer algo, se for preciso temos de ir à Catalunha para falar’. Os dois governaram para seus eleitores”.
Em 21 de dezembro, os dois vão votar. O que vai acontecer agora? “Uff”, suspira ele. “É uma pergunta que você se faz todo dia, mas a realidade passa por cima de você.” “Acho que há um setor independentista muito decepcionado que não vai engolir a ideia de que são eleições plebiscitárias. Se queremos ser independentes, vamos procurar uma forma legal de fazer isso”, acrescenta ela. “Agora é um bom momento para a maioria silenciosa, para os constitucionalistas, pode provocar uma chamada a eleições”, continua ele.
E se a Catalunha finalmente ficasse independente?
A.R.: Eu iria para a Galícia.
G. J.: E eu iria com ele. [Reflete.] Bem, não sei o que faria. Uma coisa é uma Catalunha independente decidida com um processo constituinte, outra é uma decisão unilateral.
A.R.: O melhor para a Catalunha é permanecer em uma das nações mais importantes do mundo: a Espanha. A independência seria dramática, um desastre em todos os níveis.
Ela bufa. Os dois se beijam.
Paco Gómez: “Chorei de raiva. Pensei que queriam me mandar embora”
Paco Gómez, de 62 anos, mora com sua mulher e sua filha no primeiro andar de um prédio de Sant Cugat del Vallès, na província de Barcelona. Em sua varanda estão duas bandeiras (a senyera e a espanhola) que há tempos não se atrevia a pendurar por medo do que diriam em uma cidade de maioria independentista. Gómez e sua mulher estão há mais de 40 anos na Catalunha, mas vêm de La Hava, um povoado de 1.275 habitantes de Badajoz (Extramadura). Dali, toda noite, liga para a sogra, que tem mais de 90 anos. E ela sempre pergunta, preocupada: "O que disse hoje o Paracetamol [em referência a Puigdemont]?". Gómez viveu o pós-guerra, passou fome e começou a trabalhar no campo ainda muito pequeno: "Com 10 anos, ia todos os dias ao campo". Não quer ver a direita "nem pintada". Por isso dói que alguém possa pensar que é direitista. Esteve a ponto de voltar ao povoado com sua família quando viu que iam declarar a independência: "Chorei de raiva, pensei que queriam me mandar embora". Vai votar em 21 de dezembro.
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