“A educação precisa tornar a corrupção tão repulsiva quanto a homofobia”, diz Renato Janine
Ex-ministro participou do Ciclo de Debates FAAP-EL PAÍS. O professor de Direito Marcio Pestana também estava presente
No dia 17 de março de 2014, foi deflagrada a primeira fase da Operação Lava Jato. Desde então, ela já chegou até a 45ª fase, entre críticas e honras, com 165 condenações e a descoberta de desvios que podem chegar a 10 bilhões de reais. Nesses três anos e meio, os noticiários foram inundados de reportagem sobre a prisão de políticos, empresários e doleiros, o que trouxe um efeito colateral ao país. A população aumentou seu ódio pela política e alimenta uma sensação de impotência e fracasso, num círculo vicioso que deixou a sociedade dividida e paralisada.
Mas afinal de contas, o combate a corrupção faz bem ou mal ao Brasil? Para responder a estas perguntas recorrentes, aconteceu na manhã da segunda feira, 18, o evento Corrupção: Avanços e Afetos, uma realização da Faculdade Armando Alvares Penteado (FAAP) em parceria com o EL PAÍS. O segundo Ciclo de Debates contou com a participação de Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e o advogado Márcio Pestana, que é professor da FAAP, árbitro da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp e autor do livro Lei Anticorrupção.
Uma das respostas que surgiu em meio a esse momento histórico foi um cenário de descrença dos brasileiros nas instituições que regem o país. Em 2016, o Brasil assistiu à maior taxa de abstenção em eleições, até então. Para o professor Janine Ribeiro, o desprezo pela política não é a melhor saída. "Existem pessoas que agem como se a política estivesse numa estante do supermercado e se nenhum dos artigos é bom pra ela, ela não compra", afirma. Mas para ele, “as pessoas honestas são mais numerosas que as desonestas”, completa.
O advogado e professor da FAAP, Marcio Pestana, por sua vez, enxerga a conjuntura com uma dose de otimismo. "Estamos vivendo um momento rico e feliz de extremos problemas. Isso é excelente porque nos permite modificar e resolver o que é grave", diz Pestana. Para ele, a sociedade atual protagoniza uma mudança de status e isso não é ruim. “Estamos o refundando o Estado brasileiro”, diz. Mesmo assim, ele ressalta que o sistema judicial possui falhas. Dá como exemplo as delações firmadas pelo Ministério Público que teria virado uma "festa", culminando no acordo da JBS, que hoje foi anulado. A atuação do Judiciário é um fator que precisa ser observada, segundo os especialistas. Para Pestana, por exemplo, falta consistência na segunda denúncia do ex-Procurador Geral da República, Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer, na qual, ele acusa o presidente inclusive de formação de quadrilha.
Janine Ribeiro também reiterou que a justiça tem que ser feita baseada em provas e não em delações. Ele fez uma leitura da corrupção através do tempo, lembrando que na Roma Antiga, tratava-se de uma distorção dos costumes, como por exemplo um homem afeminado. Qualquer outro tipo de corrupção era uma consequência da primeira. Já na modernidade, transformou-se no desvio de bens públicos até alcançar o status de corrupção pós-moderna, onde ela existe como um projeto de poder acima de qualquer outro. Pestana lembrou que a corrupção não é um problema específico do Brasil, muito embora o brasileiro se esconda em seu “complexo de vira-lata” ao vislumbrar que este é um fenômeno nacional. Para ilustrar, ele citou o exemplo da Alemanha da década de 1980, quando as empresas alemãs podiam deduzir os impostos de propinas pagas em países onde elas atuavam. Mais recentemente, empresas como Siemens e Volkswagen se viram implicadas em casos de corrupção.
A Itália, por sua vez, também viveu sua Lava Jato, com a operação Mãos Limpas, nos anos 90. Assim como no Brasil, a sociedade italiana foi tomada por uma aversão a seus políticos, lembrou Janine. Acabou elegendo um 'outsider' da política, o empresário Silvio Berlusconi, que pouco tempo depois, foi acusado de corrupção e ainda fragilizou as instituições daquele país.
Enquanto isso, o Brasil, em 1996, já assinava acordos internacionais que previam um sério combate à corrupção. No entanto, uma lei específica, a Lei Anticorrupção, só foi aprovada em 2013, quando essa tornou-se uma bandeira essencial das manifestações daquele momento. "A participação popular foi importantíssima para implementação da lei anticorrupção", conclui.
A educação foi apontada como o caminho adequado para formar valores que vão repelir a corrupção como cultura impregnada. Janine ressalta que a educação é uma arma infalível nesse processo e que as instituições de ensino precisam adotar como hábito o debate de valores essenciais, basicamente os Direitos Humanos. “A educação precisa tornar a corrupção tão repulsiva como o preconceito étnico ou a homofobia”, completa.
Para Edilamar Galvão, a coordenadora do Laboratório de Jornalismo da FAAP (LabJor) debater mecanismos de combate à corrupção é relevante, pois a situação que vivemos é preocupante. "Vemos nascer discursos extremistas que chegam a sugerir o delírio de um governo militar [o general Antonio Hamilton Mourão insinua em um vídeo que pode acontecer uma intervenção militar]. Por isso é extremamente importante trazer à discussão pessoas que nos ajudem a compreender esse momento, como um momento de avanço, não de retrocesso", conta.
Este foi o segundo Ciclo de Debates feito em parceira entre o EL PAÍS e a FAAP. O primeiro discutiu a questão das Fake News: Os riscos e o impacto das notícias falsas na era digital.
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