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Reforma trabalhista é primeiro teste de Macron para mudar modelo social francês

Mudanças na lei são praticamente certas, mas repercussão social pode impactar em reformas futuras

Marc Bassets
O presidente francês Macron
O presidente francês MacronREUTERS

Nesta quinta-feira, Emmanuel Macron deu o primeiro passo no esforço de “liberar as energias” da França e “renovar profundamente” seu modelo social. O Governo francês apresentou uma reforma trabalhista que flexibilizará os entraves à contratação e à demissão, com o objetivo de atrair novos investimentos e reduzir o desemprego crônico. A reforma será um teste para a capacidade do novo presidente de impor seu ambicioso programa de transformação da sexta economia mundial. Também servirá para medir o descontentamento nas ruas. O Conselho de Ministros adotará os cinco textos da reforma antes do final de setembro; nas semanas posteriores, o Parlamento deve ratificá-la.

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Macron venceu as eleições presidenciais de maio com a promessa de reformar o mercado de trabalho. Um mês depois, seu partido, o República em Marcha, obteve ampla maioria nas eleições legislativas – o que lhe deu liberdade para governar. Após um verão boreal de conversas com os sindicatos e a patronal, e com o presidente em baixa nas pesquisas, chega o momento da verdade: a hora da reforma, palavra fetiche num país que, como dizia o filósofo Raymond Aron, “de vez em quando faz uma revolução, mas nunca reformas”. Talvez por isso Macron tenha dito, há alguns dias, que “os franceses odeiam as reformas”, e batizou seu livro programático de Revolução.

A reforma – porque é uma reforma, não uma revolução – estipula um teto para as indenizações por demissão sem justa causa, que até agora eram decididas, com ampla margem de decisão, no organismo de arbitragem trabalhista.

Um conjunto de normas estabelece a correspondência entre os anos trabalhados e os meses de salário recebidos. Para uma pessoa que tenha trabalhado até 10 anos e for despedida sem justa causa, a indenização máxima corresponde, aproximadamente, a um mês de salário por ano trabalhado. Entre os 10 e os 30 anos, o cálculo da indenização será de meio mês a mais para cada ano trabalhado, com um teto de 20 meses. Essa mudança, segundo o Governo, incentivará os empresários a contratar. Trata-se de romper com um sistema que, como explicou Macron numa entrevista ao Le Point, “protege muito bem os insiders [os que estão dentro do sistema], beneficiando-os com um contrato estável, mas com o preço da exclusão completa dos outros, os mais jovens, os menos qualificados.”

Como contrapartida, as indenizações por demissões legais – ou seja, por justa causa – aumentam 25%.

A reforma dá margem para que patrões e empregados negociem acordos no âmbito das empresas, em questões como o tempo de trabalho e a remuneração. A ideia é descentralizar, aproximar as negociações trabalhistas com o terreno, permitir a adaptação dos vaivéns da conjuntura.

A França facilitará as demissões aos investidores estrangeiros quando estes passarem por dificuldades econômicas, uma medida que busca atrair as multinacionais. Até agora, as autoridades francesas deviam levar em conta a situação da empresa em todos os países onde operava; agora, será suficiente que as coisas estejam ruins para ela na França.

Outra medida importante é a fusão, numa só, das múltiplas instâncias em que hoje estão representados os trabalhadores de uma empresa, bem como a possibilidade de negociar nas firmas com menos de 50 funcionários sem passar pelos sindicatos e esquivando os acordos setoriais.

“Nosso objetivo é simples: favorecer a criação de emprego, levando muito mais segurança e visibilidade aos chefes das empresas na decisão de contratar, além de mais garantias aos assalariados”, disse o primeiro-ministro Édouard Philippe ao apresentar as propostas. Para Pierre Gattaz, chefe da Medef, a patronal francesa, o projeto pode “possibilitar a retomada da confiança e, afinal, do emprego”.

Com suas 3.334 páginas e sua capa vermelha, o Código Trabalhista, que desde 1910 integra as leis que regulam o mundo do trabalho, é uma espécie de Bíblia civil do modelo social francês. Qualquer modificação significativa é arriscada.

“Todos os nossos temores se confirmaram. É o fim do contrato trabalhista”, disse Philippe Martinez, presidente do sindicato CGT.

Consideradas separadamente, as propostas são técnicas, e é discutível que a reforma seja o eletrochoque neoliberal denunciado por alguns de seus críticos. Em seu conjunto, porém, representa o início de uma guinada na França, um dos países com leis trabalhistas mais rígidas do mundo desenvolvido, chamada no início de flexisegurança: a combinação de flexibilidade para as empresas e segurança para os trabalhadores.

A flexisegurança aplicada na Escandinávia nos anos noventa, a terceira via de Tony Blair e a Agenda 2010 de Gerhard Schröder na Alemania estão mais perto do modelo de Macron que as receitas de Margaret Thatcher no Reino Unido.

Não é possível entender o alcance da reforma trabalhista sem ter em conta que é o primeiro capítulo de uma série de reformas, que incluirão o seguro-desemprego e a formação profissional.

Com uma taxa de desemprego de 9,5% e um nível de déficit que há uma década desafia as normas europeias, Macron acredita que é preciso implementar as reformas de forma urgente para retomar a credibilidade ante os sócios da União Europeia (UE), em particular a Alemanha.

Até o momento, a oposição à reforma trabalhista de Macron parece menor que a enfrentada pela última reforma, no Governo de François Hollande. Em 12 de setembro, a CGT participa de uma “jornada de ação e greve”. Já no dia 23, será a vez de o partido de esquerda França Insubmissa se manifestar. Seu líder, Jean-Luc Mélenchon, qualifica a reforma de “golpe de Estado social”. Mas chama a atenção o fato de que a CFDT e a Força Operária – os principais sindicatos – não integram o protesto. Não é fácil mobilizar dezenas de milhares de pessoas e paralisar um país com questões aparentemente técnicas, como as normas relativas às indenizações e as instâncias de representação trabalhista.

Em 22 de setembro, o Conselho de Ministros adotará as ordenanças (nome dado a esses textos, uma “via rápida” legislativa que evita o tedioso processo de debates e emendas parlamentares). Alguns dias depois, elas entrarão em vigor. Precisarão do voto posterior do Parlamento, onde Macron goza de uma confortável maioria, para se transformarem em lei.

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