Macron paira professoral e ignora ruídos da primeira crise de gabinete
Em primeira entrevista como presidente da França, Emmanuel Macron fala e age como o líder da Europa
É chamado de Júpiter: o presidente olímpico que não baixa das alturas por qualquer coisa. O rei republicano, o homem que em poucas semanas devolveu a aura monárquica à figura presidencial que o general de Gaulle quis lhe dar. O mestre dos relógios, como se autodenomina: o senhor do tempo. E dos silêncios.
Emmanuel Macron decidiu romper o silêncio e deu a primeira entrevista de sua curta presidência para um grupo de jornais europeus, além do francês Le Figaro, dedicada exclusivamente aos assuntos europeus e internacionais. O gesto não é gratuito: ele quer se colocar acima das pequenas querelas francesas e iluminar o futuro da França, da Europa.
O encontro aconteceu na terça-feira, às 10h45, no Palácio do Eliseu, sede da presidência francesa, na Rue du Faubourg Saint-Honoré. Tempo de espera, primeiro na ala onde ficam os escritórios dos responsáveis pela comunicação. Aqui e ali se veem as revistas da semana. Quase todas com o rosto do chefe.
Passar pelos salões do Eliseu é como passear por um museu: adornos e móveis de época; ordenanças, militares e mordomos que recebem e cumprimentam o visitante em cada sala. No jardim, uma mesa para dez pessoas com garrafas de água mineral, uma caneta e algumas folhas de papel para cada um.
“Le Président de la République!", anuncia alguém em voz alta. E surge Emmanuel Macron, 39 anos, o mais jovem líder francês desde Napoleão Bonaparte, o ex-banqueiro e ex-ministro desconhecido há três anos do grande público e hoje na cúpula do poder.
Macron aperta com força a mão dos jornalistas, como fez com Donald Trump em Bruxelas, numa imagem anedótica, mas que enviou um sinal para o mundo: vou enfrentá-lo.
Ele se senta. “Quem quer um café?”, pergunta.
Ao seu lado, a conselheira de comunicação internacional, Barbara Frugier, e o conselheiro diplomático para a Europa, Clément Beaume. Atrás de sua cadeira, uma bandeira da União Europeia e uma da França. Mais atrás, a grama perfeitamente aparada; uma leve brisa ameniza o calor. Enquanto Júpiter fala, o mundinho parisiense está abalado com a renúncia da ministra da Defesa, Sylvie Goulard. Faltam poucas horas para a renúncia de outros dois ministros, entre eles um peso-pesado do Governo como François Bayrou. Ele parece em outra galáxia. Os ruídos da rua não chegam ao jardim, um oásis no meio de Paris.
Macron pronuncia cerca de vinte vezes a palavra França. Europa, o dobro. Surge a dúvida. Quem está falando é o presidente da França? Ou da Europa?
O novo presidente, no cargo desde 14 de maio, se impôs a missão de desativar a maré nacional-populista. Para isso, assume alguns dos temas de fastio de seus eleitores –as inclemências da globalização, a UE distante e percebida como burocrática e ineficaz– e os transforma. Diz que lutará por uma Europa que proteja e se proteja.
Na campanha eleitoral, costumava citar o discurso de aceitação Nobel do escritor Albert Camus. “Cada geração, sem dúvida, acredita estar destinada a refazer o mundo. A minha, no entanto, sabe que não o refará. Mas sua tarefa talvez seja maior. Consiste em evitar que o mundo se desfaça”.
Na entrevista, Macron não evoca Camus, mas todas as suas respostas pretendem explicar como evitar que o mundo se desfaça. A resposta? A Europa. A França. Ou melhor: a França na Europa; e a França – e a Europa– no centro de todos os tabuleiros, a chave de todos os cadeados.
Há um ar gaullista –do general de Gaulle, que também quis colocar a França no centro de todos os tabuleiros, torná-la a interlocutora válida de todos os blocos– no macronismo. “A abundante má literatura soberanista sobre o gaullismo fez esquecer que de Gaulle foi um atlantista consequente”, escreveu o veterano ensaísta Jacques Julliard. “Sua arte, porque era uma arte, era, como se diz no rugby, jogar nas brechas, ou seja, nas margens de liberdade e de iniciativa deixadas pelo confronto dos dois blocos antagônicos”.
Macron aproveita o vazio deixado por Donald Trump e os seus Estados Unidos entre transtornados e ensimesmados. Mas respeita Trump –ao menos em suas palavras calculadas– e compreende o russo Vladimir Putin.
Suas respostas são longas. Tese, antítese, síntese. A tradição, tão francesa, das dissertações. A clareza expositiva e o domínio dos assuntos próprios ao énarque, o homem formado na ENA (Escola Nacional de Administração), celeiro das elites francesas. A profundidade de campo de alguém que está meditando sobre sua tarefa há anos. Cada resposta é um pequeno ensaio. Nisso ele lembra Barack Obama, um presidente que governava traçando um relato: ligava o farol alto. Mas Obama vivia preso em dúvidas constantes, nos abismos das nuances. Macron –por enquanto, porque é apenas um debutante– vê tudo claro: não há dilemas ou paradoxos trágicos para ele. Por enquanto.
Existe em Emmanuel Macron pouca langue de bois, ou língua de madeira, expressão que designa os discursos vazios, o falar e falar sem dizer nada. Nisso é pouco francês.
Uma pergunta paira sobre a entrevista. Ter um discurso elaborado garante um bom governo? Os intelectuais são bons presidentes? Helmut Kohl, que morreu na semana passada, foi um político raso do Palatinado, a província alemã, e mudou a Europa.
Em 1961, o vice-presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, depois de participar da primeira reunião do gabinete da Administração Kennedy, ficou impressionado com a juventude, os títulos acadêmicos, a inteligência da equipe de John F. Kennedy. Complexado –ele, que nunca deixou de ser um político provinciano do Texas–, contou isso ao seu mentor, o congressista Sam Rayburn. Rayburn respondeu: “Olha, Lyndon, talvez sejam tão inteligentes como você diz, mas eu me sentiria mais tranquilo se apenas um deles tivesse sido candidato a xerife alguma vez”.
Macron nunca exerceu nenhum cargo eletivo, nunca foi xerife, mas ganhou a eleição presidencial e aqui está, no Eliseu: Júpiter no jardim. O resto está por escrever.
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