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Chapecó, a cidade centenária que supera o luto com trabalho e cooperação

Abalado pela tragédia da Chapecoense, município de Santa Catarina completa 100 anos. Reconstrução do time, emprego em alta e crescimento econômico marcam centenário

Portal da Chapecoense, no centro da cidade.
Portal da Chapecoense, no centro da cidade.B.P.

Osmar Brandt tem 50 anos e é taxista. Assim como parte expressiva da população de Chapecó, também deixou sua terra natal para ganhar a vida na próspera cidade do Oeste catarinense. Há mais de uma década, ele arrumou as malas em São Sebastião do Caí, no Rio Grande do Sul, e constituiu família a 400 quilômetros dali. Seus olhos ficam marejados ao falar sobre a Chapecoense. Conhecia e transportava no táxi praticamente todos os jogadores do elenco que foi vítima do acidente aéreo na Colômbia. Mesmo depois de nove meses da tragédia, ainda se emociona quando passa diante da antiga residência do ex-goleiro Danilo. “Vi o caminhão de mudanças parado em frente ao prédio e pensei: ‘A mulher dele tá indo embora daqui’. Parece que um pedaço da minha família se foi”, diz Osmar, que tenta se apegar ao legado do time na tentativa de, enfim, se conformar. “A dor que sentimos pelo que aconteceu com a Chapecoense deixou as pessoas mais gentis e solidárias na cidade.”

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Tantas amostras de solidariedade pelo mundo fizeram com que Chapecó, que completa 100 anos nesta sexta-feira, aos poucos trocasse as lágrimas pelo suor. Decidiu superar o luto com muito trabalho e cooperação, que sustentam uma sólida atividade econômica e foram determinantes no resgate do clube que levou seu nome a vários cantos do mundo. A Chapecoense tornou-se não só uma embaixadora, mas também um símbolo de autoestima da cidade. Tal qual o time, que ascendeu da quarta divisão à elite do futebol brasileiro em cinco anos, o município cresce a passos largos sob impulso do agronegócio, que responde por mais de 90% das receitas. Boa parte delas provém da Aurora Alimentos. O grupo é o terceiro maior produtor de carnes do país. Graças a ele, Chapecó aparece na lista das 40 cidades brasileiras que mais geraram empregos no primeiro semestre de 2017.

Patrocinadora da Chapecoense, a empresa surgiu em 1969 após a junção de oito cooperativas da região. Atualmente, tem fábricas espalhadas por Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Paraná, emprega mais de 27.000 funcionários e engloba 70.000 famílias associadas em 13 cooperativas. Mesmo com a crise econômica, a Aurora mantém lucro líquido acima de 100 milhões de reais por ano e mais de 70% de sua produção voltada para o mercado nacional. A empresa é o motor da economia de Chapecó. Enquanto a cidade de 210.000 habitantes trabalha com orçamento anual na casa dos 700 milhões de reais, o faturamento do grupo supera 8 bilhões de reais por ano. “A Aurora movimenta em 12 meses o que a cidade leva 12 anos para arrecadar”, afirma o prefeito Luciano Buligon.

Prefeito exibe camisa da Chape em seu gabinete.
Prefeito exibe camisa da Chape em seu gabinete.

Em seu gabinete na Prefeitura, há um armário com espaço reservado para um paletó e uma camisa da Chapecoense. Buligon frequenta a todos os jogos da equipe em casa. Ele estava na lista de passageiros do voo da LaMia em direção a Medellín. Por casualidade, escapou da tragédia aérea para comparecer a uma reunião em São Paulo. Frustrado ao saber que só poderia viajar à Colômbia no dia seguinte, participou do encontro com empresários e autoridades, em que debateu-se a modernização do aeroporto de Chapecó. “Foi essa reunião que me tirou daquele avião”, conta o prefeito, que hoje encara o projeto como uma missão pessoal. Principalmente porque o aeroporto se transformou em um dos gargalos para o crescimento da cidade. Até mesmo Buligon já teve de cancelar compromissos oficiais por atrasos e cancelamentos de voo devido à modesta estrutura para pousos e decolagens. O plano de duplicação da capacidade de passageiros com um novo terminal passa pela concessão do aeroporto à iniciativa privada, que deve ser formalizada na primeira metade de 2018.

A superexposição da cidade ao longo da repercussão do acidente aéreo tem aberto portas para melhorar sua infraestrutura e oportunidades de novos negócios, mas tanto dirigentes da Chapecoense quanto a Prefeitura se esforçam para não passar a imagem de oportunismo diante do sofrimento alheio. “Ainda vivemos a dor de quem perdeu pessoas tão próximas e queridas por toda comunidade chapecoense. Faço questão de deixar bem claro que não estamos nos aproveitando da tragédia. Mas é inegável que a solidariedade que recebemos do mundo inteiro contribuiu muito conosco”, afirma Luciano Buligon, que agora, ao participar de reuniões com executivos, parceiros potenciais e políticos em Brasília, abre mão da pasta que carregava para baixo e para cima com folhetos didáticos sobre a história da cidade. “Antes, ao pleitear recursos para o município, eu tinha de explicar que Chapecó não fica no litoral, que o nosso forte é produção de proteína animal. Hoje isso não é mais necessário. Somos mundialmente conhecidos.”

Secretarias municipais funcionam nas dependências do estádio.
Secretarias municipais funcionam nas dependências do estádio.

Um exemplo dessa boa vontade é a proposta que pretende ampliar a Arena Condá para 33.000 lugares – atualmente o estádio comporta 22.000 torcedores. Escritórios de arquitetura se ofereceram para elaborar o projeto, que, nas contas da Prefeitura, demandaria cerca de 1 milhão de reais, sem custos. Em maio, o prefeito e o governador de Santa Catarina encontraram o presidente Michel Temer e conseguiram uma verba de 15 milhões de reais para bancar a reforma. O projeto ainda prevê a construção de um memorial em homenagem aos 71 mortos no acidente. Dona do estádio, a Prefeitura cede o gramado para os jogos da Chape, mas também aproveita sua estrutura para abrigar órgãos públicos, como o Procon, um colégio, um centro odontológico e as secretarias de saúde, esportes e habitação. “A Arena Condá é um equipamento sustentável, que serve tanto ao futebol como à população”, diz o prefeito.

Há ainda outras frentes a se explorar além do agronegócio e do esporte de alto rendimento – Chapecó formou um notável time de vôlei na década de 90 e também tem tradição no futsal –, sobretudo a do turismo empresarial. Em dezembro do ano passado, menos de um mês após a tragédia, a cidade recebeu a visita de uma comitiva do Catar, liderada por um xeque da mesma família do emir Tamim Al-Thani, dono do PSG. A intenção era prestar solidariedade e abrir um canal de comunicação com vistas a futuras possibilidades de negócio entre empresas do município e o país árabe. Durante sua breve estadia, o xeque chegou a comparar o Catar a Chapecó, afirmando que “se tratam de duas pequenas potências com economias pulsantes”. Em outubro, a cidade sediará a 50ª edição da Efapi, uma das maiores feiras de agropecuária e exposição comércio-industrial do Brasil, que movimenta a cidade ao longo de 10 dias. É o carro-chefe no plano para torná-la um polo do turismo de negócios.

Com o luxo de ter uma empresa maior que o município como alicerce de suas finanças, a centenária Chapecó precisa lidar com urgências não só no campo da infraestrutura, como também em questões como saúde – vereadores cobram a Prefeitura pelo compromisso de construir três novas unidades de saúde que ainda não foram inauguradas – e segurança – o número de furtos e roubos quase dobrou no último ano. “Encontrar saídas em conjunto sempre foi uma praxe da cidade. Problema da polícia é do prefeito, problema do prefeito é da polícia. Problema da Chapecoense é do prefeito, problema do prefeito é da Chapecoense. Esse é o nosso grande diferencial”, afirma Buligon, que frequentemente tem convocado empresários, educadores, policiais e assistentes sociais para discutir soluções para brecar a escalada da violência.

Projeto para reforma da Arena Condá está em andamento.
Projeto para reforma da Arena Condá está em andamento.

Outra questão prioritária é manter a Chapecoense, que tem Aurora e Prefeitura como suas principais parceiras, entre as referências de gestão para o futebol nacional. Famílias das vítimas do desastre aéreo ainda cobram indenizações pelo acidente na Justiça e acusam a diretoria do clube de não priorizar o acerto de contas. Plínio David de Nês, o Maninho, presidente da Chape e fundador de um dos primeiros frigoríficos da cidade, diz que a equipe segue com suas atenções voltadas para os familiares. “Não é uma situação fácil, envolve seguradoras, burocracias, governos... Mas, na medida do possível, estamos tentando levantar receitas para repassar às famílias.”

Caso a Justiça brasileira aponte o clube, que luta contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro, como responsável pelas indenizações, as até então equilibradas finanças da Chapecoense correm o risco de sofrer um impacto irreparável. No entanto, o prefeito Luciano Buligon conserva o otimismo no poder de superação para que a Chape continue sendo a impulsora de autoestima na terra do índio Condá. “Nos 100 anos de Chapecó, nunca houve nada tão traumático quanto a tragédia da Chapecoense. Todo mundo na cidade torce por ela. A reconstrução do clube é a reconstrução de todos nós.”

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