O aquecimento global da política
As turbulências do presente derivam do nosso passado injusto e parecem anunciar um futuro próximo pelo menos sombrio, se não catastrófico
Foi-se o tempo em que os líderes dos países do Hemisfério Norte aproveitavam o verão para descansar, passear pelas praias francesas, espanholas e italianas, navegar pelas águas do Mediterrâneo em iates de amigos ricos ou jogar golfe em Camp David. Hoje, com a crise que se abateu pelo mundo, alguns fizeram breves incursões de veraneio e outros, como Trump, que, mesmo no seu clube de golfe perto de Washington, não deixou de cometer seus deslizes de sempre e teve de regressar à capital para retratar-se ainda que canhestramente.
Na verdade, além da crise econômica, os países europeus se confrontam com o agravamento do problema dos refugiados, com as idas e vindas do Brexit, com incêndios sem precedentes nas matas do continente e, sobretudo, com a gravíssima ameaça do fundamentalismo islâmico. Enquanto isso, fragilizam a Europa eleições próximas na Alemanha, assim como o “aprendizado” do jovem Presidente Macron que, do encantamento inicial da sociedade francesa, caiu já em terrenos movediços ao bater boca com o Comandante das Forças Armadas e ao anunciar a intenção de oficializar o cargo de Primeira Dama da França, coisa jamais vista no país. Acabou por recolher-se. A Senhora Merkel, por sua vez, prepara-se para enfrentar sua quarta eleição geral. Como sempre, guarda um cuidado severo em suas manifestações e atitudes. Penso sempre cá comigo que a Senhora Merkel terá sido a primeira grande líder alemã a usar a sabedoria política mineira…
Na Europa, as iniciativas permanecem por enquanto no campo da Rússia. Putin, sempre com seu olhar melífluo e desconfiado, ainda encontrou tempo para mostrar seu físico sarado em pescarias e em braçadas atléticas nos rios de seu país. Elevado de maneira sem precedentes a fator de relevância para a crise política interna dos EUA, devido a seus entendimentos ainda nebulosos com a família Trump, Putin continua a reinar para todos os efeitos como o líder mais consistente da Europa. E também, dada a bipolaridade da Rússia, da Ásia, onde compartilha a liderança com uma China que dia a dia se afirma como potência mundial, indo buscar, como o faziam antes as potências colonialistas européias, em cada país extra-regional o que necessita comprar – sem abrir, é claro, seu mercado interno…
De certa forma, cada centro de poder no mundo se comporta com alguma previsibilidade. No caso dos EUA, essa previsibilidade decerto é matizada hoje em dia pela imprevisibilidade do temperamento do Presidente Trump, assim como por sua inabilidade política, tal como demonstrado dias atrás por seus comentários totalmente fora dos limites da decência a respeito dos incidentes provocados na Virgínia por fanáticos racistas de direita.
O ponto fora da curva nesse quadro movediço é a Coreia do Norte que, mais uma vez, se orienta por tentativas de se afirmar como potência nuclear, agora tornada ainda mais ameaçadora com os ensaios com mísseis movidos aparentemente por engenhos contrabandeados pela Ucrânia. Não se sabe por qual Ucrânia – a que quer ser europeia ou a que se sente parte da Rússia…
"Viemos de um passado imperfeito e vamos em direção a um futuro do pretérito"
Entrementes, a economia global continua sua recuperação moderada, embora subsistam temores quanto a uma retomada da inflação. Os bancos centrais discutem o valor ideal da taxa de juros. E, em toda parte, agravam-se as inquietações com a hipótese de uma confrontação nuclear com a Coréia do Norte, inclusive a possibilidade, anunciada pelo audacioso líder Kim Jong-un, de um bombardeio preventivo no território norte-americano de Guam, ou seja, uma reedição de Pearl Harbor.
E, na nossa América Latina, o foco permanece sobre a Venezuela, que forja uma crise com os EUA para justificar seus próprios erros, sua incapacidade de alcançar níveis de estabilidade mínimos apesar de detentora de uma das maiores reservas petrolíferas do mundo. Cava, portanto, sob a liderança grotesca do Senhor Maduro, seu próprio túmulo. Tudo isso sob os aplausos entusiásticos de Cuba e de alguns outros países da região, inclusive da liderança de esquerda “romântica” brasileira que ainda vê o mundo e a região com os olhos anacronicamente voltados para o passado.
Viemos de um passado imperfeito e vamos em direção a um futuro do pretérito. As turbulências do presente derivam do nosso passado injusto e parecem anunciar um futuro próximo pelo menos sombrio, se não catastrófico. Poderia tentar fazer profecias para um porvir mais longínquo. Mas, como dizia Keynes, a longo prazo estaremos todos mortos...
A verdade é que hoje, contas feitas, o presente tornou-se ainda mais intrigante que o futuro. Já dizia Paulo Prado em seu inesgotável "Retrato do Brasil - Ensaio sobre a Tristeza Brasileira" (1928): "Numa terra radiosa, vive um povo triste". Quem sabe se estivesse vivo hoje, diria "triste e violento".
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