A capitulação do Barça de Messi
Equipe azul-grená entra em crise, prisioneira da melancolia do craque argentino
O Barça capitulou em Madri. Até agora, depois de qualquer derrota da equipe catalã sempre restava o consolo de que era capaz de vencer no estádio Santiago Bernabéu o seu grande rival, o Real Madrid. Os azuis-grenás se afirmavam à custa de negar aos madridistas até o ponto de que no Camp Nou se espalhou a crença que o Real Madrid não parava de ganhar a Champions League porque não cruzava com o Barcelona. O engano terminou com a Supercopa da Espanha, na qual o Real Madrid venceu seu adversário com grande autoridade: 3x1 em Barcelona e 2x0 na quarta-feira, no estádio Santiago Bernabéu. Até Piqué, um dos jogadores mais importantes da equipe catalã, reconheceu: “É a primeira vez que sentimos que o Real é superior a nós”.
Já não há Real Madrid que valha para que o Barcelona esconda outras derrotas nem tridente que ponha a salvo da crítica o presidente do clube, Josep Maria Bartomeu. A equipe –treinada há um mês por Ernesto Valverde– não tem recursos para atacar como a de Pep Guardiola e nem atacantes para contragolpear como a de Luis Enrique, o técnico anterior. A referência já não é tampouco Cristiano Ronaldo como rival de Messi, comparação que permitia disfarçar a decadência azul-grená, mas Zinedine Zidane conseguiu formar no Real um time e um elenco melhores do que os do Barça. Zidane foi meio-campista como Guardiola e, assim como este, baseou nessa linha a fortaleza do seu conjunto. A única resposta dos dirigentes do Barça até agora é contratar novos jogadores para que sua torcida não pense que o jogo de Madri foi o início da próxima temporada, mas que se tratou do final da última, arrematada com a conquista da Copa do Rei, quando ainda estava Neymar, que certamente será substituído por Coutinho e Dembélé.
As rotinas não são um problema até que se tornam vícios e acabam apodrecendo um clube sensível como o Barça. O novo treinador encarou o jogo para ganhar, quando lhe pediam que mudasse o estado de ânimo com uma atuação decente no Bernabéu. Geralmente acontece com os novos que chegam ao Camp Nou. Pensam que a situação tem conserto: trata-se de tocar alguma tecla e a luz voltará à equipe. Até perceberem que o problema é muito mais grave com e sem Neymar.
Valverde mexeu no time e apresentou um desenho contrário à cultura azul-grená: até agora, quando o Barça defendia com três era para atacar também com três (3-4-3), não para implantar um 3-5-2 como fez o novo treinador na última partida em Madri. A proposta foi superada pela réplica de Zidane. O francês escalou um 4-3-3 e o Real começou o jogo de volta da Supercopa como acabou o de ida: com um golaço de Asensio. O plano de Valverde aprofundou a ideia de que o Barça quer se mourinhizar sem Mourinho. E os azuis-grenás perderam a posse, a bola e o jogo: 2x0.
O Barcelona parece apostar em jogadores mais físicos e mais fortes, em volantes como André Gomes e Paulinho, ao invés de jogadores genuinamente barcelonistas, poucos como Sergi Roberto, representante de La Masia, o celeiro de jogadores que nos últimos anos parecia inesgotável. O estilo é defendido com meias que pensem como Guardiola e Xavi e não como uma guarda pretoriana para proteger Messi. O camisa 10 não precisa de guarda-costas, como acontecia com Neymar, mas de parceiros que joguem a bola como Sergi Roberto. O cerne do conflito está precisamente nos acompanhantes de Leo.
O Barcelona foi sendo tão simplificado que se resume a Messi. Já não se fala do sentido de equipe ou dos três atacantes, nem do rondo [roda de bobinho] ou das transições, mas que o barcelonismo é presa agora da melancolia de Messi. A Argentina conhece isso bem. O camisa 10 é reconhecido como o melhor do mundo quando é o ponto final do jogo e não a origem, como acontece agora no Barça.
O modelo em questão
Não é fácil encontrar o ponto de inflexão, especialmente quando se duvida do modelo, e ainda mais quando a diretoria já não tem trunfos como quando convocou eleições em 2015, mas Josep Maria Bartomeu agora está legitimado para se defender das ameaças recebidas e da moção de censura que apresentarão seus adversários. Tampouco se resolve com o apelo à unidade feito pelos jogadores depois que se percebeu que estes já não bastam para sustentar o clube e entreter o Camp Nou.
Não é o fim do mundo se revermos a história do clube e pensarmos, por exemplo, no Dream Team e em Romário. O Barça superou dificuldades enormes e sobreviveu às maiores calamidades, de modo que a situação tem remédio, sempre que em vez de endurecer, e se quisermos até de desequilibrar e transbordar, se dê um tempo para refletir e aceitar que seu futebol só será recuperado a partir da autocrítica, da humildade e da paciência, a chave do jogo que engrandeceu o Barcelona com Johan Cruyff.
A pressa nunca foi a bandeira do Camp Nou. É hora de parar para ver que o clube caiu do pedestal que lhe restava em Madri e que Piqué já não é vaiado, mas alvo de cantos mentirosos, enquanto Sergio Ramos joga a bola nas fuças de Messi. O gesto do capitão foi o único sinal dissonante em uma equipe do Real Madrid cuja atitude causou perplexidade nos torcedores do Barça pela bondade com a qual tratou o Barcelona, sinal de cortesia ou zombaria, disposta a estender a festa da quarta-feira até a final da próxima Champions.
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