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O ápice da ultradireita caminha lado a lado com Donald Trump

O presidente recebe críticas pela mornidão de sua condenação à violência de grupos neonazistas

Donald Trump, neste sábado
Donald Trump, neste sábadoPablo Martinez Monsivais (AP)

Os graves distúrbios deste fim de semana em Charlottesville (Virgínia), por conta de uma marcha de suprematistas brancos, resultaram em uma avalanche de críticas contra Donald Trump pela mornidão de sua reação. Com vítimas fatais já confirmadas, em seu primeiro grande incidente racista, chegou a citar a “violência de todo tipo” sem citar o racismo e o nazismo. Esses grupos abraçaram o trumpismo em sua vertente nacionalista e se tornaram mais valentes com sua vitória eleitoral. A Casa Branca teve de esclarecer que a condenação do presidente os inclui. O prefeito de Charlottesville o acusou de açulá-los. A tragédia colocou Trump diante de um espelho incômodo.

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A ideia de uma América pós-racial, que se vislumbrou quando pela primeira vez um afro-americano chamado Barack Obama chegou à Casa Branca, a de uma era na qual a questão da raça passaria a um plano secundário, se mostrou rapidamente fantasiosa. Todo o mandato do democrata foi salpicado de incidentes racistas, às vezes tragédias, que recordam quão viva segue a fratura social do país, a má saúde de ferro do velho racismo.

A marcha dos suprematistas de Charlottesville na sexta-feira tinha por objetivo protestar contra a decisão da Prefeitura — impedida pela justiça — de retirar uma estátua de Robert E. Lee (1807-1870), general do Exército Confederado durante a Guerra Civil. Alguns consideram a peça uma homenagem ao passado escravista a ser apagado, e outros, uma peça de história a ser respeitada. O conflito em si mostra as feridas ainda abertas de um país em que negros e brancos continuam separados por enormes barreiras socioeconômicas.

“Creio que podemos descrever às claras isso como uma forma de terrorismo”, disse o conselheiro de Segurança Nacional, general McMaster

Nos distúrbios de sábado, uma mulher branca de 32 anos, Heather Hayer, morreu, atropelada pelo carro que se lançou premeditadamente contra os manifestantes antifascistas e que, supostamente, era conduzido por um jovem suprematista chamado James Alex Field, agora preso. O FBI começou uma investigação do caso no âmbito dos direitos civis. Na sexta-feira, houve imagens inquietantes, homens brancos, velhos e jovens, portando tochas, recordando os tempos mais obscuros da Ku Klux Klan (KKK).

A declaração de Trump depois do ocorrido deixou silêncios tão eloquentes que um porta-voz da Casa Branca teve de se apresentar para esclarecer que sua rejeição à violência também incluía os neonazistas, os membros da KKK e os demais extremistas representados na manifestação.

Ivanka, a primogênita de Trump, diverge do pai: “O racismo, a supremacia branca e os neonazistas não têm espaço”. Ivanka se converteu ao judaísmo ao casar-se com Jared Kushner

O prefeito de Charlottesville, o democrata Mike Signer, não só criticou a mornidão do presidente — “foi um ato de terrorismo no qual se usou um carro como arma”, disse à rede NBC; “cabe ao presidente Trump dizer que basta”, acrescentou — como também lhe apontou o dedo. O prefeito acusou o republicano de estimular os grupos racistas. “Olhem a campanha eleitoral que fez”, disse.

Senadores de seu próprio partido exigiram dele uma condenação explícita à violência racista, começando por nomeá-la. “É muito importante para a nação ouvir o presidente descrever os acontecimentos como são, um ataque terrorista por parte de suprematistas brancos”, escreveu em sua conta do Twitter Marco Rubio, destacado republicano da Flórida. Cory Gardner, do Colorado, também reforçou que “o presidente deve chamar as coisas pelo nome. Eles eram suprematistas brancos e isso se chama terrorismo interno”.

Terrorista racista, esse é o risco que muitos políticos pediram que fosse incorporado à agenda da ameaça terrorista nos Estados Unidos. Foi o que fez o conselheiro de Segurança Nacional de Trump, o geral H. R. McMaster. “Creio que podemos descrever às claras como uma forma de terrorismo”, disse na rede NBC. A própria filha de Trump, Ivanka, que também é assessora presidencial, divergiu de seu pai e denunciou “o racismo, a supremacia branca e os neonazistas”. Ivanka se converteu ao judaísmo ao casar-se com Jared Kushner. E o procurador geral, Jeff Sessions, muito conservador e com acusações de racismo no passado, disse que tais “fatos de intolerância racial e ódio” traem valores fundamentais e “não podem ser tolerados”.

Trump se deixou ser apoiado pelos suprematistas durante boa parte da campanha, sem rechaçar seu apoio nem condenar suas ideias, alegando inclusive desconhecimento destes grupos, apesar de em março de 2016, em uma entrevista à CNN, ter chamado David Duke, ex-líder da Ku Klux Klan, de “má pessoa”. Sua vitória, mesmo assim, tornou esses movimentos mais valentes.

Extrema direita fortalecida

Richard Spencer, o pai do conceito de alt-right (direita alternativa, em referência à extrema direita), qualificou em novembro de “despertar” a vitória eleitoral de Trump e a comemorou com símbolos nazistas em um ato realizado em Washington. Vem do empresário nova-iorquino sua retórica contra a imigração e o politicamente correto. E este lhes acenou de volta: seu ex-chefe de campanha e agora estrategista chefe da Casa Branca é Steve Bannon, um conhecido agitador da extrema direita.

Nos Estados Unidos estão registrados quase mil dos chamados grupos de ódio. Nos últimos meses houve ocorrências perturbadoras. Em 31 de maio alguém entrou no Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana de Washington, se dirigiu à sala dedicada à segregação dos negros e deixou uma corda. E a de sexta-feira não foi a primeira manifestação com tochas em Charlottesville, houve outra na mesma cidade em maio e uma grande concentração de extremistas em julho.

Este fim de semana vários dos suprematistas brancos carregavam cartazes em favor de Trump. Um dos congregados era o próprio David Duke, que antes dos distúrbios disse à imprensa que os manifestantes “iam cumprir as promessas de Donald Trump” de “recuperar de volta nosso país”. Apesar das críticas à mornidão, a condenação por parte do presidente aos eventos não os agradou: “Recomendaria a ele que se olhasse no espelho e recordasse que foram os norte-americanos brancos que deram a ele a presidência, não radicais esquerdistas”, replicou.

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