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Mercosul baixa o tom em sua pressão a Nicolás Maduro pela Constituinte

Documento final evita o tom duro das declarações anteriores dos chanceleres

Federico Rivas Molina
Os presidentes de Mercosul e as delegações convidadas.
Os presidentes de Mercosul e as delegações convidadas.Reuters
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As exigências do discurso suavizaram uma declaração contra a Venezuela que prometia ser uma das mais duras jamais feitas pelo Mercosul. Os chanceleres adiantaram que haveria um pedido expresso a Nicolás Maduro para que suspendesse a eleição de uma Constituinte, prevista para 30 de julho, mas o texto final evitou qualquer menção ao processo e se perdeu em generalidades. O assunto Venezuela ocupou boa parte da reunião realizada na sexta-feira entre os presidentes da Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Mas ao final do dia, Caracas obteve um triunfo inesperado.

“Os Estados Partes do Mercosul e os Estados Associados do Chile, Colômbia e Guiana, assim como o México (...) exortam o Governo e a oposição a não realizar nenhuma iniciativa que possa dividir ainda mais a sociedade venezuelana e agravar conflitos institucionais”, diz a declaração final sobre a Venezuela. Essa foi a menção mais próxima à Constituinte, ainda que a citação coloque em pé de igualdade a oposição com o Governo. Em outro trecho, o Mercosul pede “o restabelecimento da ordem constitucional”, dando a entender que essa ordem não existe. Mas nada além disso.

O texto foi inesperado pela suavidade. Especialmente porque na prévia a Argentina e o Brasil haviam antecipado que ocorreria uma condenação firme à situação na Venezuela, com menções a uma ruptura democrática e críticas diretas ao processo constituinte realizado por Maduro. O presidente do Brasil, Michel Temer, a partir de ontem na presidência pro temporária do Mercosul, disse em seu discurso aos seus pares que o bloco estava disposto a “unir sua voz com a de nossos vizinhos [os venezuelanos] que pedem a volta da democracia”. Adiantou até mesmo que os chanceleres “reconheceram formalmente uma ruptura da ordem democrática na Venezuela”. “Nossa mensagem é clara: em nossa região conquistamos a democracia com grande sacrifício, e não permitiremos retrocessos”, disse Temer.

Brasil assume a presidência

Brasil herdou da Argentina a presidência pró tempore do Mercosul, uma responsabilidade política que deverá assumir envolvido em sua própria crise interna. “Espero continuar o trabalho que o presidente [Mauricio] Macri desenvolveu com tanta propriedade ao longo deste semestre", disse Michel Temer ante seus pares reunidos na cimeira do bloco realizada em Mendoza.

Desde o governo argentino, que fez de anfitrião, se cuidaram bem de esclarecer que não acham que os problemas que enfrenta Temer em seu país possam ser um obstáculo para o gerenciamento regional que se lhe tem encomendado. Para Horacio Reyser, secretário de Relações Econômicas Internacionais da Argentina, “não terá problema algum, porque a institucionalidad do Mercosul demonstrou que é um instrumento que sobrevive e estabiliza os temas que possam estar tendo os diferentes países”.

A Argentina também foi dura com a Venezuela, alinhada com o discurso que o presidente Mauricio Macri impôs a sua chancelaria quando chegou ao poder há 19 meses. “O Mercosul reitera o pedido à paz, à liberdade dos presos políticos e à implementação de um calendário eleitoral”, disse na sexta-feira em sua despedida da presidência do bloco. Horas antes, seu vice-chanceler, Guillermo Raimundi, adiantou que na declaração final haveria um pedido para que “a Venezuela se abstivesse de convocar a eleição de uma Constituinte porque é um passo na direção não desejada. E o recém-empossado chanceler Jorge Faurie não deixou margem à dúvida: “A democracia na Venezuela não está funcionando. Tudo está alterado. O processo eleitoral está alterado, o funcionamento da Assembleia Nacional está alterado, o do Supremo Tribunal, ou seja, as instituições não estão funcionando. E isso define que não exista democracia. Não podemos ficar dando voltas”, disse.

Então o que aconteceu na declaração final? Os documentos finais devem satisfazer as demandas dos estados membros. Macri e Temer, quando ficaram ao mesmo tempo nos respectivos Governos, se uniram na condenação a Maduro. O Paraguai teve isso claro antes, mas sem o apoio da Argentina e do Brasil, os dois “grandes” do bloco, pouco pôde fazer. O Uruguai ficou em um delicado equilíbrio entre as exigências dos países membros e a demandas políticas internas. A esquerdista Frente Ampla do presidente Tabaré Vázquez nunca foi favorável a sanções explícitas contra Caracas. Vázquez, de fato, foi cuidadoso com suas palavras. Na chegada a Mendoza, na quinta-feira à noite, esclareceu que seu país respeitava “o direito à livre determinação dos povos e a não ingerência de terceiros países em questões internas”. Nesse momento surgiu a possibilidade de que o Uruguai não estivesse de acordo com a dureza discursiva de argentinos e brasileiros. O secretário de Assuntos Estratégicos da Argentina, Fulvio Pompeo, admitiu que seu país preferia “um pronunciamento muito mais duro sobre a Venezuela”.

Os presidentes do Mercosul não se reuniam há 18 meses. A última vez que o fizeram, no Paraguai, Macri estava há poucos dias no Governo, Temer ainda o vice-presidente de Dilma Rousseff e a Venezuela participava das discussões do bloco como membro pleno. Muita coisa mudou desde então. Macri encontrou em Temer um apoio sem ressalvas à linha dura aplicada contra a Venezuela quando, seis meses atrás, o Mercosul suspendeu Caracas como membro pleno por seus atrasos em adequar sua legislação às exigências do bloco. Tudo indicava que estavam criadas as condições para uma dura condenação contra a Venezuela, mas não foi o que aconteceu.

Na entrevista coletiva que encerrou a reunião, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, esclareceu que o texto da declaração reuniu as assinaturas de todos os membros do bloco, além do Chile, México e Colômbia. “Sobre a Constituinte há uma referência a todos os processos que possam dividir a sociedade e agravar os conflitos. Essa afirmação vale para a Constituinte. O que é mais positivo à democracia na Venezuela? Um comunicado em que nem tudo é dito, mas com a assinatura de todos os países ou que não exista um comunicado? As frases estão aí e por isso assinei o documento”, disse Nunes. “Os países do Mercosul não irão se transformar em um anjo vingador”, acrescentou. Por fim, o chanceler brasileiro afirmou que iria convidar Maduro e seus opositores para uma rodada de conversas em Brasília. Nunes sempre foi um dos críticos mais duros do chavismo e do atual presidente venezuelano, desde antes de assumir o ministério das Relações Exteriores.

Seu homólogo argentino, Faurie, esclareceu que “as declarações vieram de um consenso e aí está a força do que se pode dizer. Quando se pede algo a alguém o ultimato não é o melhor caminho. Não tomaremos nenhuma medida que possa afetar o povo venezuelano. O que importa aqui é que a Venezuela deve recuperar uma democracia plena, hoje a Venezuela não cumpre com a democracia”. Os venezuelanos precisarão esperar.

Mercosul abraça o livre comércio e se aproxima da União Europeia

A Reunião do Mercosul serviu para cerrar fileiras em torno dos acordos comerciais que o bloco sul-americano negocia com a União Europeia. A mudança política iniciada com a chegada ao poder do argentino Mauricio Macri e de Michel Temer alinhou os membros principais do bloco, integrado também por Paraguai e Uruguai, a uma negociação que já demora 20 anos. O Mercosul espera fechar pelo menos um texto de consenso com a UE no mais tardar em dezembro, uma ambição que vai ao encontro dos sinais enviados por Bruxelas. “Diante das pressões protecionistas que existem em diferentes regiões, a razão recomenda resistir ao isolamento e insistir nos processos de integração”, disse o presidente Michel Temer no discurso aos seus pares reunidos em Mendoza.

Se o cronograma de reuniões feito pelos dois blocos for cumprido, em dezembro existirá, pelo menos, um documento que esclarecerá o estado das negociações. Mas de nenhuma forma será o acordo definitivo, especialmente no que for relacionado ao comércio. “Temos um texto de negociação comum com diversos parênteses e colchetes, mas é um texto de negociação. E esperamos pelo menos chegar a um acordo político, um acordo que deverá ser benéfico para os dois lados. Estamos muito empenhados em ter acesso ao mercado europeu de produtos agrícolas”, disse o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, na entrevista coletiva que encerrou a reunião.

A questão agrícola é o assunto mais sensível pelos receios da França em abrir seu mercado às exportações de países que são altamente competitivos na produção de matérias primas. Temer pediu que “o lado europeu apresente uma oferta adequada de acesso a produtos agrícolas, um aspecto crucial para o acordo equilibrado que buscamos”.

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